Bolsonaro foi eleito. E o varejo, como fica?
A agenda pró-mercado do novo presidente animou os empresários, que veem boas expectativas para a economia em seu governo. Mas ela depende de outros indicadores - e artifícios - para animar o consumidor a comprar

O processo eleitoral foi complicado, a polarização ditou o andamento do jogo político e as incertezas quanto ao futuro da economia tomaram conta do cenário. Ao final, Jair Bolsonaro (PSL) foi eleito presidente.
Com uma agenda liberal e pró-mercado, propensa à aprovação de reformas como a tributária e a da Previdência, além do foco no corte de gastos públicos e no ajuste fiscal, as perspectivas para o novo governo, a partir de 2019, são positivas - apesar de ainda estarem no campo das expectativas.
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Após dois anos de crise, a economia começou a se recuperar ao longo de 2017 e em 2018, mas ainda em marcha lenta. Mesmo assim, apesar da demora, o comportamento de alguns indicadores dão indícios de reação que podem beneficiar - e muito - o varejo.
Um é o crédito para pessoa fisica, que ficou em 9,2% em setembro, segundo o Banco Central. Mesmo com projeções de aumento da taxa Selic para 2019, até o começo do próximo ano, pelo menos, a estimativa é que ela se mantenha estável e continue em 6,5%, o menor nível da série histórica.
Outro é o emprego: pelos dados do Caged, foram criados mais de 137 mil postos de trabalho com carteira assinada em setembro, acumulando mais de 719 mil vagas ao longo de 2018, após três anos de resultados negativos.
O terceiro é a massa salarial, que apesar de ter desacelerado, subiu 2,2% também em setembro, segundo o IBGE, puxada pela alta da taxa de ocupação e do aumento do poder aquisitivo.
Fechando esse círculo, a confiança do consumidor chegou aos 82 pontos em outubro, o maior nível em três anos, mesmo que ainda em patamar pessimista, segundo o Índice Nacional de Confiança (INC) da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), medida pelo Instituto Ipsos.
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Mas há dois poréns. O primeiro foi a sinalização do novo presidente e sua equipe em fundir ministérios para enxugar gastos, chegando a propor a junção entre Ministério do Trabalho e MDIC (Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços), ou a incorporação desse último a outras pastas, formando um "superministério".
No caso do MDIC, hoje a pasta abriga a secretaria de Comércio e Serviços, criada após pleito conjunto de entidades representantes dos varejistas, em 2015, e cujo destino seria uma incógnita em uma possível nova configuração.
Outra preocupação está no fato de, apesar de ultraconectado, buscando cada vez mais experiências, novidades e conveniência em seu momento de compra, o consumidor ainda está cauteloso em relação ao futuro e, por isso, tem medo de se endividar. Esse, a princípio, será um dos grandes desafios para o comércio. Pelo menos nos próximos quatro anos.
A seguir, três especialistas analisam o cenário e dão pistas sobre como o varejo pode continuar ativo nessa nova fase.
PRIMEIRO A DIREÇÃO. DEPOIS, A VELOCIDADE
Marcel Solimeo, economista-chefe da ACSP

Acho difícil que as expectativas geradas para o próximo governo sejam negativas, porque a equipe econômica anunciada é competente, e o próprio presidente eleito já declarou sua intenção de fazer o ajuste fiscal, o que gera expectativas positivas, principalmente ao envolver a reforma da Previdência.
Isso pode permitir um avanço da economia mais acelerado em 2019. Se as coisas definitivamente deslancharem na parte fiscal e o governo começar a desamarrar os projetos de infraestrutura, criará condições para ter uma taxa de crescimento maior em 2020.

Esses fatores já começam a refletir no emprego, porque muitas empresas, mesmo sem investimentos, têm ociosidade e podem ampliar a produção. Assim, melhora a confiança do consumidor, o que reflete em aumento das vendas do varejo.
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O setor pode ter um crescimento maior em 2019 e chegar aos 5% que eram esperados para 2018.
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O aumento de emprego, aliás, é hoje o maior drama. Devem vir o aumento do Bolsa Família, o 13º e outras medidas, mas nada substitui a retomada do emprego. Esse indicador já começou a ter uma reação, muito tímida, mas que pode ser mais forte em 2019 por causa das expectativas positivas. É um círculo virtuoso: algumas empresas começam a expandir, gerando emprego, que melhora o varejo.
Mas, por enquanto, o que vale é mais o papel das expectativas do que das medidas propriamente ditas. Apesar de existirem alguns pontos de estrangulamento, é um cenário que parece positivo, embora nascido de uma grande euforia. A economia ainda vai demorar para recuperar o que perdeu, por isso o importante agora é direção e velocidade para deslanchar. Mas, primeiro a direção. Depois, a velocidade."
CONFIANÇA É A CHAVE
Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo

O varejo vem trabalhando seus pleitos de forma consistente, clara e transparente, e essa agenda vai ter que ser construída com a equipe econômica que está sendo formada.
Sem dúvida o setor, e principalmente alguns de seus segmentos, como o de alimentos, demoraram para sair da crise, mas o que a gente tem pela frente nesse pós-eleições é positivo, pois deve formar um cenário de menor instabilidade e mais otimismo, que reforçam a tese da confiança.
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E ela já começou a melhorar puxada pelo fator principal, que é a retomada do emprego: em setembro, os dados do Caged já sinalizaram uma recuperação de mais de 100 mil postos de trabalho, já caminhando para o acumulado de 1 milhão. Ainda é pouco em uma base grande como o Brasil, mas pelo menos está indo na direção da recuperação e da retomada.
Mas, nos últimos anos, muitas lojas foram fechadas, e a gente tem que entender isso em duas perspectivas: o efeito da crise de 2015 e 2016, e a digitalização. Esse último começou nos Estados Unidos, com Nova York batendo o recorde de vacância de lojas físicas, devido ao efeito Amazon e ao e-commerce.

Aqui, isso começa a ficar mais forte em alguns segmentos, como eletro, móveis e informática e nas livrarias. Por isso, acho que recuperar essa quantidade de lojas que foram fechadas vai ser muito difícil, mesmo num cenário de menos crise ou de retomada do crescimento, como agora.
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O varejo no Brasil, assim como o mundial, passa por um momento de reorganização do parque de lojas físicas e, nesse cenário, o pequeno lojista é o que mais sofre quando há sustos na economia, pois ele depende do crédito. Com a retomada, porém, ele é o que mais se beneficia, pois esse crédito volta, e a um custo mais acessível.
Quanto ao consumidor, é preciso reforçar a tese da confiança, independente do cenário: afinal, o consumo só existe em função desse consumidor estar empregado, ter acesso ao crédito e estar confiante no futuro do país.
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Ainda há cautela, ainda há desconfiança e isso vai demorar para passar, mesmo no pós-eleição e com o presidente já definido. Portanto, até os rumos da economia se definirem, o varejo deve continuar com fortes apelos promocionais para vender.
Como na Black Friday, que cada vez mais vem tomando espaço do Natal, e esse ano terá uma proporção maior que nos anos anteriores: as pessoas sabem que a compra nessa data é de oportunidade, de oferta. E num cenário de incerteza, como agora, esse apelo fica ainda maior."
OS EMPRESÁRIOS E A CONCILIAÇÃO NACIONAL
Marcos Gouvêa de Souza, fundador e diretor geral da GS&Gouvêa de Souza

A primeira eleição presidencial definida pelas redes sociais deixa aprendizados e novas realidades, além de muitas preocupações. E precipita uma discussão mais profunda e abrangente sobre poder, impacto e retorno de investimentos em comunicação, nas mídias tradicionais e as mídias digitais. E sobre a relevância do resultado gerado pelo boca a boca digital expresso nas redes sociais.
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Deveremos ter aceleração na migração de investimentos entre canais, com aumento ainda maior na atenção com as alternativas digitais que se sobrepuseram em importância e eficácia aos veículos tradicionais, especialmente por sua interatividade, contribuindo para resultados surpreendentes e principalmente em áreas onde predominam os cidadãos mais influentes.

A polarização observada no segundo turno da eleição presidencial, calçada na acusações parte a parte (...) opôs uma visão conservadora nos costumes e liberal na economia à continuidade de uma proposta populista que se desgastou com o tempo (...).
Enquanto ficávamos envolvidos com a pequenez das ideias fúteis e circunstanciais, afastamo-nos dos movimentos inovadores e disruptivos que florescem em várias partes do mundo. E não nos deixemos iludir pelo muito que tem ocorrido envolvendo startups, digitalização e avanços do comércio eletrônico.
É tudo muito pouco ante a dimensão das transformações que têm acontecido na China, na Coreia do Sul, nos Estados Unidos e nos países mais desenvolvidos da Europa e da Ásia.
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(...) O setor empresarial brasileiro, em sua abrangente maioria, envolveu-se de forma mais direta nas recentes eleições. (...) Mas o traço mais comum dos que não se deixaram corromper pelas oportunidades de curto prazo e nem foram envolvidos pela corrupção é um compromisso de longo prazo com o país."
É preciso desprendimento, grandeza e visão de longo prazo, combinados com o necessário compromisso maior com o país, características natas dos empresários brasileiros, para esse próximo e decisivo passo, que pode ser o articulador, avalista e promotor da necessária e inadiável conciliação nacional para o salto que é vital para o país.
Fotos: Paulo Vítor - Estadão Conteúdo (abertura) / Paulo Pampolin - Hype (Marcel Solimeo) / Divulgação