João Doria perdeu altura com a ambição de seus voos
Desencantado para a disputa do Planalto, ele esta´com 39% de ruim ou péssimo, na avaliação dos paulistanos. Prefeito perde agora munição até para disputar o governo do Estado

Alguma coisa de muito grave aconteceu com a imagem de João Doria.
O prefeito de São Paulo escorregou da posição de possível candidato presidencial, capaz de encarnar “o novo” e derrotar o PT, à condição de político que precisa explicar aos paulistanos os 39% de ruim ou péssimo atribuídos a ele na terça-feira, 5/12, pela última pesquisa do Datafolha.
O primeiro sinal de alarme foi dado no início de outubro, quando, com nove meses de governo, sua avaliação ótimo/bom despencou nove pontos.
Se fosse para levar em conta o resultado de outros prefeitos de São Paulo com a aproximação do primeiro ano de mandato, Doria estaria em patamar parecido com os de Jânio Quadros, Paulo Maluf e Celso Pitta.
Mas não chegaria aos pés de José Serra (só 23% de ruim ou péssimo) ou Gilberto Kassab (27%), depois de um período igual de administração.
Se existe essa diferença entre seus antecessores, isso significa que não faz muito sentido argumentar que a Prefeitura de São Paulo é desgastante e que é sempre impossível satisfazer as expectativas despertadas por um novo prefeito.
Há, em verdade, dois grupos de problemas que João Doria não conseguiu superar.
O primeiro se refere às questões internas da cidade e ao estilo de um marketing pessoal agressivo que ele acreditava que iria ajudá-lo por encanto a resolver as questões administrativas.
O segundo grupo de problemas diz respeito às ambições de Doria desenhadas para fora do município. Foi sua vontade – legítima – de disputar o Planalto e as feridas que, voluntaria ou involuntariamente, ele provocou dentro do PSDB.
UMA SUCESSÃO DE ERROS INTERNOS
A memória dos paulistanos guarda um certo respeito a personagens que trazem na biografia um pouco da carga positiva de São Paulo.
Soninha Francine é uma dessas pessoas. Secretária de Programas Sociais, Doria a multou porque ela chegou atrasada a um compromisso com o prefeito e depois a demitiu, obrigando-a a permanecer calada ao lado dele.
Outro personagem com mesmo perfil foi o secretário do Meio Ambiente, Gilberto Natalini, demitido por telefone em nome de uma recomposição política na Câmara Municipal.
Mas Natalini estava apurando irregularidades na concessão de licenças ambientais, colocando um ponto de interrogação sobre o verdadeiro motivo de sua demissão.
Nos dois casos, Doria se mostrou truculento de forma gratuita. E ganhou a inimizade de dois vereadores que poderiam ser úteis a seus projetos pessoais.
O fato é que o prefeito investiu o que tinha em mãos na zeladoria da cidade. Era o núcleo de seu programa Cidade Linda. Mas ele próprio sabia que limpeza urbana, funcionamento de semáforos e existência de buracos no asfalto são questões crônicas, que exigem dinheiro e um modelo eficiente de gestão que a atual prefeitura não tivera tempo e competência para criar.
Ocorreu ainda o rápido desgaste do personagem que às 6h aparecia vestido de gari e se entregava a tarefas braçais.
Os 53% dos paulistanos que votaram em Doria em outubro de 2016 aplaudiram esse novo estilo, do qual, no entanto, rapidamente se cansaram.
Há por fim o imperdoável erro de cálculo com a proposta da farinata para a merenda escolar e para a alimentação da população mais pobre.
O produto em si não é ruim, tanto que a Cúria Metropolitana era dona de um projeto semelhante e mais antigo.
Mas Doria se expos nas redes sociais. A farinata era feita com produtos “perto do vencimento”, o que virou - na multidão de internautas que militam diariamente contra o prefeito - “ração com ingredientes quase estragados”.
Um recuo, em questões como essa, não significa que o governante volte a estaca zero. Ele continua a atuar com sua reputação avariada. Foi o que aconteceu.
E OS MUITOS ERROS POLÍTICOS
Ao aspirar a Presidência da República, Doria quis atropelar seu padrinho, Geraldo Alckmin. O que criou e agravou tensões no mundo dos tucanos.
Aliados do governador procuraram atribuir a Doria a imagem de inconfiável, em razão de sua prova explícita de ingratidão. A acusação pegou.
Doria também se indispôs com Fernando Henrique Cardoso e fez declarações grosseiras com relação a Alberto Goldman, um dos nomes históricos do PSDB – tanto que é agora o presidente interino do partido, à espera da Convenção do próximo domingo, 9/12.
Outra questão relevante está no adversário que indiretamente catapultaria sua candidatura presidencial. Doria, ambicioso, precisava de Lula, em quem bateu com competência, esperando derrotá-lo no segundo turno de novembro de 2018.
Lula se fez de morto. Mas levou a melhor num confronto que deixou de existir, já que o grande inimigo dele passou a ser o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ). Que vem a ser, justamente, o adversário dos sonhos do ex-presidente petista, isso se ele não tropeçar no Tribunal Federal Regional da 4ª Região (Porto Alegre), que deve julgá-lo em segunda instância.
Para que sua candidatura prosperasse, o prefeito precisava manter como cacife essencial a boa reputação entre os paulistanos. Mas o que o Datafolha de outubro demonstrou foi sua fragilidade.
O fato é que, para manter sua candidatura presidencial em evidência, Doria se entregou a uma frenética agenda a qualquer cidade do interior do Nordeste que desse a ele o título honorário de cidadão.
Ou então arriscou viagens para fora do Brasil, buscando ser fotografado ao lado de personagens de maior relevo.
Em si, esse plano peripatético não é ruim.
Mais uma vez, no entanto, João Doria errou na dose. Transformou-se numa espécie de caricatura de si mesmo, esboçada com as cores fortes de suas ambições eleitorais.
E pode estar diante de uma nova trombada, não mais com o governador Geraldo Alckmin – que deverá disputar o Planalto pelo PSDB -, mas com o senador José Serra.
Isso porque Doria baixou seu periscópio e agora está mirando o Palácio dos Bandeirantes, para onde José Serra também tem a ambição de voltar.
João Doria foi com muita sede ao pote? Com certeza. Mas ele acreditava que tinha tudo para dar certo. Poderá, no entanto, morrer na praia, como já aconteceu, antes dele, com dezenas de garotos mimados da história republicana.
FOTO: César Ogata/Secom-PMSP