Shopping x loja de rua: em qual ponto apostar?
Custos de ocupação que batem em 20% do faturamento têm levado marcas a repensarem locais e modelos de loja, como o Rei do Mate (acima). Mas é preciso avaliar os prós e contras antes de trocar

Até que ponto vale a pena fechar uma loja no shopping e ir para a rua? Não é de hoje que muitos lojistas, em especial os donos de lojas satélite (de 180 m2 de área de vendas, em média), estão insatisfeitos com os altos custos de manter uma operação num centro de compras. A recuperação do varejo em marcha lenta e o elevado nível de desemprego também não têm ajudado muito a reverter essa situação.
Em números atuais, somando apenas aluguel, condomínio e fundo de promoção, esse pequeno ou médio lojista destina, em média, de 15% a 20% do faturamento mensal para cobrir esses custos. É o que estima a GS&BGH Real Estate, braço da consultoria GS&MD especializada no mercado imobiliário de shoppings e varejo em geral.
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A questão tem se mostrado tão proibitiva que cerca de 70 marcas, a maioria de vestuário e calçados, criaram, em março passado, uma associação própria - a Ablos (Associação Brasileira de Lojas Satélites) - para negociar diretamente com os donos dos empreendimentos na tentativa de equilibrar essa equação.
Algumas até já consideram fechar lojas em shoppings e migrar para a rua para cortar custos, conforme reportagem recente publicada pelo jornal o Estado de São Paulo. Mesmo que isso implique num fluxo menor de pessoas.
E não é para menos: de acordo com a Ablos, enquanto as satélites desembolsam dois dígitos de seu faturamento para custear somente essas despesas de ocupação, as lojas-âncora, ou seja, grandes redes varejistas do tipo Renner e C&A, citando apenas as mais conhecidas, destinam apenas 3% a 5% das vendas para o mesmo fim.
Por essa lógica, por terem mais gastos com propaganda, estoque e funcionários - e o encargo de atrair o maior fluxo de pessoas -, convencionou-se, no passado, de forma não-oficial, que as grandes pagariam menos pelo custo de ocupação.

"É um problema crucial: todo shopping é desenvolvido para cobrar mais encargos das satélites do que das âncoras", afirma Marcos Hirai, sócio-diretor da GS&BGH. "Todos reclamam dos custos, uns de barriga cheia, outros menos. Mas a verdade é que os pequenos e médios lojistas são os mais penalizados nesse sentido."
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Na prática, dá para ver como a corda arrebenta do lado mais fraco: pela regra, o lojista paga o aluguel mínimo ou o percentual sobre as vendas a título de custo de ocupação -o que for maior, segundo João Baptista da Silva Jr., diretor de franquias e expansão da rede Rei do Mate e coordenador do Comitê de Food Service da Associação Brasileira de Franchising (ABF).
"Mas o aluguel mínimo é tão alto que ninguém tem conseguido pagar o valor percentual", afirma Silva Jr. E põe alto nisso: em média, esse valor é de cerca de R$ 130 o m2, mas pode chegar a R$ 250, dependendo do shopping.
Especialista nesse mercado, Hirai afirma que, atualmente, o problema nem tem sido o aumento percentual do valor do aluguel comercial, relativamente estável nos últimos anos. A questão é que, com a crise, a vida do lojista satélite ficou mais díficil.
"Ele passou a vender menos. Com essa redução do faturamento, tem gente pagando de 20% e até 25% de custo de ocupação por conta dessa queda nas vendas", aponta Hirai. "A conta não fecha, e manter o negócio ficou asfixiante - principalmente para segmentos mais afetados pela crise, como calçados, moda, joias e operações monomarca."
PARA A RUA. E AVANTE?
O custo de ter uma loja no shopping ficou proibitivo? Hora de ir para a rua, onde o custo de ocupação, que nesse caso é só o de aluguel, não ultrapassa 10% do faturamento.
Um movimento natural em todo período de crise, que não é o primeiro no Brasil e nem lá fora, e que acontece muitas vezes por estratégia, segundo Ana Vecchi, presidente da Vecchi Business Consulting.
"Ele pode ser justificado não só por um aluguel mais barato, mas por uma condição comercial mais interessante, quando se esgotam as opções em termos de shopping, ou quando se quer experimentar outros formatos, como quiosques ou lojas slim."
Quando o custo de ocupação extrapola a planilha de quem tem loja em shopping, a rua acaba realmente se tornando uma válvula de escape, segundo Marcos Hirai, da GS&BGH.

No entorno dos grandes polos comerciais, que ainda estão com valores de aluguel altos, as ruas transversais vêm se mostrando uma opção interessante para quem quer trocar de ponto.
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"Percebemos uma certa vacância nelas, já que ainda há lojistas encerrando as atividades. Consequentemente, isso vira oportunidade para quem está saindo ou pretende sair do shopping", diz o consultor Hirai.
Daí vem a pergunta inevitável: vale então trocar o shopping pela rua? Depende. No caso específico das ruas transversais, apesar de mais baratos, muitos pontos não são tão nobres por ficarem em trechos não tão movimentados.
"É trocar seis por meia dúzia, porque o faturamento também acaba caindo", lembra.
Mesmo sendo mais barato, e sem as despesas que vêm no pacote de ser localizada no shopping, especialistas de varejo consultados pelo Diário do Comércio são unânimes em afirmar que esse custo menor costuma ser (des)compensado por gastos com segurança e menos horas de funcionamento, já que comércio de rua não funciona aos domingos e feriados. Em resumo: ir do shopping para a rua só vale a pena se o empreendimento não estiver maturado ou não for para a frente, alertam.
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E há uma outra questão importante: muitos consumidores preferem os shoppings pela facilidade de estacionar, pela segurança, pela questão meteorológica e por agregarem um mix variado no mesmo espaço - algo difícil de encontrar em uma rua de comércio. Além do fato que nem todo lojista de shopping, cujo público costuma ser mais elitizado, se dá bem na rua.
Os especialistas lembram ainda que uma parcela ínfima dos consumidores compra nos dois lugares, e dificilmente o lojista conseguirá levar o público que tinha num ponto para o outro. Portanto, o ideal é encarar essa incursão para o comércio de rua como um complemento de expansão. "Ou, no fundo, acaba ficando elas por elas", sintetiza Hirai.
Ana Vecchi vai mais além. Se a ida para a rua tem se tornado uma questão estratégica para as lojas satélite em um momento ainda sofrido do varejo, é preciso se reinventar para encontrar outras formas de se relacionar com o novo consumidor. Afinal, não faz sentido manter uma conta que não fecha só pelo status de estar dentro do shopping ou em uma boa rua de comércio.
Em resumo, não é só cortar custos, mandar pessoas embora ou mudar de ponto, afirma a especialista. Hoje, vale mais a conveniência de experimentar o produto e recebê-lo em casa do que o local onde o lojista está instalado.
"Por isso o e-commerce e o delivery crescem tanto. O varejo precisa se reinventar não só para conseguir melhores custos de operação, mas para entregar melhor valor agregado para o consumidor. Esse é o propósito maior."
REPENSANDO A RELAÇÃO
Para sobreviver em um mercado altamente competitivo como o de cafeterias, é preciso fazer análises criteriosas de mercado constantemente, redefinir o mix de produtos quando necessário e, principalmente, mudar ou até fechar um ponto se o custo de operação começa a ficar proibitivo. É dessa forma que a rede Rei do Mate continua na briga após 41 anos de atividade.
A necessidade de reinventar o modelo de negócio, motivada não só pela crise mas pela mudança de comportamento do consumidor, fez com que a rede passasse por um processo de expansão muito além dos shoppings e lojas de rua. Enquanto uns se reinventaram e outros não acompanharam a mudança, surgiram novos entrantes que dividiram o mercado.
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Assim, a rede precisou buscar alternativas para não sofrer com os altos custos de ocupação em shoppings, como a cobrança de 13º ou até 14º aluguel dos lojistas - prática da época em que a economia estava crescendo muito, e que não mudou. "O shopping pensa a longo prazo, mas o lojista precisa sobreviver no curto prazo", diz o diretor João Baptista da Silva Jr.

Ou ainda, as particularidades de ter uma loja na rua, como menos dias de trabalho, contratos de locação engessados de 60 meses ou até alterações na paisagem urbana que podem "desalojar" a loja - como a construção de um prédio, por exemplo. "Nosso movimento é ir sempre em busca de novas oportunidades", afirma o responsável pela área de franquias e expansão.
Atualmente com 305 lojas, sendo 132 em shoppings e 54 na rua, a rede encontrou nos pontos alternativos um meio não só de aumentar a capilaridade, mas de sobreviver na crise.
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Além dos pontos tradicionais, o Rei do Mate está em 40 hipermercados, sete aeroportos, quatro empresas (como a Avon), cinco faculdades e 18 hospitais, além de operar 10 no modelo store-in-store.
"O varejo como um todo está em um momento de reflexão, de repensar a operação. Mas não podemos ser simplistas e culpar os shoppings pelo sucesso ou fracasso de um negócio. E garanto que ir para a rua não será a solução", afirma. "Pode ser um dos caminhos, mas se o lojista agir, vender e se relacionar com o consumidor sempre igual, vai dar errado em qualquer lugar."
Fotos: Divulgação/Edição: Willian Chaussê