Redução de margens e alta da inflação acendem sinal amarelo
Com o desemprego elevado e queda na renda, preocupação é se o consumidor terá fôlego para acompanhar reajustes já na casa dos dois dígitos, avaliam empresários e economistas do Comitê de Conjuntura da ACSP
Os preços das commodities e das matérias-primas continuam elevados, pressionando a inflação. Com isso, diante do desemprego e da queda na renda, será que o consumidor vai ter fôlego para acompanhar reajustes, que já alcançam os dois dígitos, sem aumento salarial?
Esse é o questionamento dos empresários e economistas presentes à reunião on-line de Avaliação de Conjuntura da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), realizada nesta quinta-feira, 30/09.
A pedido da ACSP, os nomes dos participantes dessa reunião não são divulgados.
A indústria de alimentos apresenta números positivos. Registrou alta de 3,4% em 12 meses até julho, e a produção física cresceu 1,5%. Esses números, apresentados por um representante do setor, são puxados pelas exportações e pela retomada do setor de alimentação fora do lar, que teve uma queda drástica em 2020.
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O que vem acontecendo, porém, é a diminuição de margens em todos os segmentos da cadeia de alimentos. "Meu sentimento é enquanto toda a cadeia, do produtor à indústria e o comércio, abrem mão da margem, o consumidor tem sofrido cada vez mais com os aumentos", resumiu um empresário da indústria láctea presente à reunião.
Além da pandemia e das variações do clima, que impactaram os preços dos alimentos, agora o agronegócio vive um novo desafio de produção: a alta nos custos de insumos agrícolas, como fertilizantes e defensivos.
Não se sabe se haverá insumos suficientes, nem como estará a taxa de câmbio para formar os preços. Assim, o cenário de inflação elevada e queda na renda fica ainda mais preocupante, destacou um representante do setor.
"Não sabemos como funcionará o mercado interno, se terá reajuste de salários, a quais níveis os juros do Banco Central vão chegar. Não vivemos essa situação de inflação de dois dígitos há muito tempo."
PRESSÃO DE CUSTOS
A indústria de transformação assiste a uma queda na margem, recuando 1,4% em julho sobre junho em comparação a igual período de 2019. Já no acumulado de 2021 (janeiro a agosto), o crescimento foi de 0,4% na mesma base, destacou um economista representante do setor presente à reunião de Conjuntura da ACSP.
Enquanto o comércio e os serviços percebem resultados melhores com o aumento da flexibilização, voltando a uma estrutura de demanda parecida com a da pré-pandemia, o comportamento da indústria é mais peculiar.
O segmento de bens de consumo duráveis, por exemplo, vai mal, e por um problema relacionado à oferta, e não à demanda, como a falta de semicondutores e chips, que só deve se normalizar em 2023, destacou.
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Por esse motivo, na indústria de automóveis, por exemplo, na comparação entre agosto de 2021 com igual mês de 2019, foi registrada uma queda de 39,2% na produção. Além disso, há muita pressão de custos de matérias-primas como aço, além dos custos de energia e transporte, principalmente pela falta de contêineres.
"O problema dos contêineres não é nacional, é mundial, e faz parte dos segmentos que desestruturaram a cadeia produtiva ao longo do processo de pandemia", afirmou o economista.
O setor industrial também deve sofrer o impacto dos reajustes salariais com o INPC de 10%, além da preocupação com o agravamento da crise hídrica. "A indústria não terá normalização imediata. Mas não será tão grave nem tão longa quando a falta de semicondutores, que levou a desajustes que afetaram a produção como um todo."
CRÉDITO PUXA O VAREJO
Mesmo com a queda no rendimento, a concessão de crédito à pessoa física tem acelerado bastante, levando a uma projeção de alta de 5% no varejo restrito até agosto, disse um economista presente à reunião da ACSP.
Ainda que os juros estejam maiores que no ano passado, esse aumento de tendência também tem sido impulsionado pelo consumo reprimido, apesar de a situação geral não estar favorável, afirmou.
"Embora a confiança do consumidor tenha se mantido estável em setembro, nota-se que há uma melhora em termos da percepção futura das famílias, e isso somado se manifesta em crescimento um pouco maior do varejo restrito."
Quanto ao crescimento da economia, foi feita uma revisão para baixo, com projeção de que o PIB feche o ano em 4,9%, tirando o efeito da base fraca que foi 2020, saindo de uma 'quase estagnação' para uma pequena queda.
"A piora é relativa à situação difícil da indústria, da crise hídrica, e da política monetária mais apertada", concluiu.
ARTE: Will Chaussê