'Programa habitacional não é só para quem não tem casa'
Em debate na ACSP, João Cury Neto (esq.), diretor-presidente da COHAB-SP, falou sobre programas que ajudam a transformar lares que estão em situação precária e a importância de combater a falta de moradia digna em São Paulo
Moradias construídas com restos de materiais e levantadas por pessoas sem expertise, famílias que dividem um único dormitório, casas sem banheiro, residências sem documento de posse ou propriedade. Essas são algumas das condições precárias em que milhões de brasileiros se encontram quando a pauta é habitação.
De todas as características que compõem esse cenário, a falta de documentação que comprove a posse ou propriedade do imóvel é a mais comum no Brasil, de acordo com o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional.
Ao discutir o tema com integrantes do Conselho de Política Urbana (CPU), da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), João Cury Neto, diretor-presidente da COHAB-SP, afirmou que ter a escritura de sua residência é uma conquista que valoriza até 30% o imóvel e dá a liberdade de uso, permitindo vender ou deixar a propriedade de herança.
"Programa habitacional não é só para quem não tem casa. As pessoas vão seguindo na informalidade, na ilegalidade, muitas vezes por desinformação. Por não ter R$ 600 ou até por não saber como resolver essa burocracia", disse.
Em muitos casos, enfrentam o risco de ter que arcar com os custos de um processo de regularização ainda mais caro, de perder todo o seu investimento e até mesmo de abrir mão do bem, explica Cury.
Em São Paulo, há pouco mais de um ano, o programa Escritura COHAB registra em cartório e assegura a escritura gratuitamente para os moradores que já quitaram todas as parcelas de seu imóvel. Mais do que obter segurança jurídica sobre seus imóveis, a medida, segundo Cury, facilita a instalação de infraestrutura urbana, como eletricidade e saneamento básico.
O diretor da COHAB-SP cita o caso de Heliópolis, considerada a maior favela de São Paulo, onde 35 moradores receberam nos últimos dois meses o título de propriedade de suas moradias após serem contemplados por um projeto de regulamentação da Corregedoria Nacional de Justiça, vinculada ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
A expectativa, segundo a COHAB-SP, é de que, até 2025, 26 mil títulos sejam entregues aos moradores dos bairros Butantã, Cidade Tiradentes, Ermelino Matarazzo, Guaianases, Itaim Paulista, Itaquera, Jaçanã/Tremembé, Lapa, Mooca, Pirituba/Jaraguá, São Mateus e São Miguel Paulista.
Citando outro programa que tem como finalidade melhorar as condições de habitação da população em situação de vulnerabilidade social, Cury apresentou ações do Pode Entrar, que possibilita obras como ligação da rede de água e esgoto, impermeabilização, reboco externo e reforma do telhado.
Com financiamento de até R$ 30 mil para reforma e requalificação de imóveis particulares em situações insalubres, são elegíveis ao programa moradias regulares ou passíveis de regularização em áreas com altos índices de vulnerabilidade social, de acordo com o Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS).
A previsão é de que, até o final do ano, três mil unidades habitacionais sejam requalificadas. Nas palavras de Cury, os relatos indicam que intervenções no piso, reboco, melhorias nas instalações elétricas e outras de baixo custo têm mudado o padrão de habitabilidade das famílias. Cerca de 1 mil imóveis já foram atendidos.
De acordo com o diretor da COHAB-SP, o Pode Entrar é o maior programa habitacional já lançado na cidade de São Paulo com recursos exclusivos da Prefeitura. Outro instrumento importante, segundo Cury, o COHAB Negocia cria a oportunidade para os mutuários com parcelas de suas unidades em atraso negociarem o total da dívida do imóvel.
O diretor explica que as convocações para quem tem parcelas em atraso visam promover conciliações. Na ocasião, são apresentadas alternativas para entender o que melhor se ajusta ao orçamento de cada família. Tais negociações podem atender aproximadamente 10 mil pessoas e recuperar para os cofres da Companhia cerca de R$ 41 milhões.
Cury também falou sobre a combinação da medida com outro programa, o “COHAB Premia”, que sorteia prêmios de R$ 5 mil para famílias adimplentes para serem utilizados no abatimento do saldo devedor do financiamento de seus imóveis.
O sorteio contempla todos aqueles que possuem contrato ativo e estejam adimplentes com suas obrigações, incluindo o pagamento da parcela do mês anterior ao sorteio até a data de vencimento.
PONTO LEGAL
Neste rol de iniciativas, a mais recente se chama Ponto Legal, que envolve a formalização de pequenos empreendedores. No último mês, a ACSP e a COHAB-SP assinaram uma parceria envolvendo o Balcão do Empreendedor da entidade.
A partir de agora, os comerciantes que precisam de auxílio na formalização e demais necessidades voltadas ao seu negócio podem buscar o programa Ponto Legal para regularizar a situação de seus pontos comerciais.
Além de regularizar o que já existe, também é possível ter acesso a áreas não habitacionais de titularidade da COHAB-SP, e que estão disponibilizadas para a instalação de infraestruturas que atendam às necessidades da população local, incluindo, por exemplo, lojas, farmácias e prestadores de serviços como dentistas, esteticistas e advogados.
A parceria dará acesso aos serviços ofertados pelo Balcão do Empreendedor da ACSP, tais como registro de marcas, abertura, alteração e encerramento de empresas, emissão de certificado digital, licença de funcionamento, entre outros, além de cursos sobre empreendedorismo.
Ao falar sobre essa cooperação, Roberto Ordine, presidente da ACSP, destacou a importância da inclusão social do pequeno empreendedor e o orgulho da entidade em ajudar os pequenos negócios, oferecendo a mesma estrutura que o grande empresário tem, como assessoria jurídica, técnica e fiscal.
Atuando de forma abrangente, o Ponto Legal, segundo Cury, será uma espécie de garantia de que aqueles que ocupam esses pontos comerciais tenham contratos atualizados e ajustados à sua realidade.
Ao aderir ao novo programa, os permissionários contarão com uma série de benefícios, como a repactuação de débitos em até 60 vezes, a possibilidade de alteração da titularidade do ponto comercial e apoio técnico da ACSP, que disponibilizará assistência especializada para auxiliá-los nesse processo de regularização.
"A grife de uma instituição centenária como a ACSP mexe com a autoestima desses empresários que estão à margem. Eles encontram na entidade muito respaldo para atingir a desejada autonomia e promover a geração de emprego e riqueza", disse Cury.
Antonio Carlos Pela, vice-presidente da ACSP e coordenador do CPU, recorda que quando a ACSP foi acionada há um mês por meio do CPU, houve um entendimento por parte da COHAB de que a entidade tinha condições de regularizar esses negócios e ao mesmo tempo eliminar algumas pendências da COHAB, e deixá-la mais ativa para trabalhar em outras frentes.
Segundo Pela, a CPU está prestes a completar 39 anos e se dedica ao planejamento urbano como um direito constitucional. "Uma condição de moradia satisfatória é um pressuposto para a dignidade. Por isso, o direito à moradia também tem pautado ações do CPU. A inadequação de grande número de domicílios e o ônus excessivo com o aluguel são agravantes que precisam ser contornados", disse.
IMAGEM: Cesar Bruneli/ACSP