Parceria com chef estrelado salva pequeno produtor da ruína
Francisco Ruzene transformou uma lavoura de arroz branco sem nenhuma perspectiva, em Pindamonhangaba na queridinha de grandes cozinheiros e abastece grandes marcas, como a Camil
A demanda por alimentos orgânicos, com selo de origem e com apelo gourmet levou o empresário e agricultor José Francisco Ruzene, 51 anos, a repensar a forma como administrava uma imensa plantação de arroz que herdou do avô italiano, em Pindamonhangaba, a 149 quilômetros de São Paulo.
Há quase 15 anos, ele deixou de plantar arroz-agulhinha, o mais consumido pelos brasileiros, para apostar em um tipo quase desconhecido: o arroz negro. Hoje, ele é fornecedor dos restaurantes mais renomados do país e está nas prateleiras de muitos empórios europeus.
DE GRÃO EM GRÃO
Com 75% da produção nacional de arroz oriunda do Rio Grande do Sul, ficou cada vez mais difícil para Ruzene competir com os gaúchos, que possuem áreas extensas que produzem grandes volumes a um custo de produção mais baixo.
À beira da falência e decidido a manter a agricultura como base do sustento de sua família, o agricultor investiu parte de seu tempo para pesquisar novas possibilidades.
Na mesma época, descobriu que o IAC (Instituto Agronômico de Campinas) estava trabalhando para desenvolver uma variedade de arrozes especiais na região e à procura de um produtor para cultivar tipos de arroz especial.
Na época, o agricultor estava com dificuldades financeiras e aceitou plantar o grão. Ruzene passou 11 anos selecionando as melhores escolhas em termos de sabor e nutrientes até chegar a outros tipos como jasmini, cateto e miniarroz.
Embora estivesse convicto da qualidade do cereal, não sabia como seria possível produzi-lo e vendê-lo em escala comercial. Mesmo assim, apostou na semente, plantou uma área de 1 ½ hectare e, quando a produção floresceu, levou amostras para especialistas. A maioria lhe disse que o produto tinha futuro para estabelecimentos de alta gastronomia, que na época o importavam a R$ 50 o quilo.
Depois de algum tempo, com uma colheita de 80 toneladas, voltou a procurar algumas marcas com uma sacolinha de arroz negro debaixo do braço. Passou então, a visitar diretores comerciais de grandes empresas e chefs gastronômicos para saber se algum deles compraria sua produção em grandes volumes.
Todos gostaram da novidade, mas disseram que antes de tudo, precisavam de uma pesquisa de mercado para fechar negócio.
O empresário resolveu arriscar e criou sua própria marca - a Ruzene. Para acondicionar sua produção comprou a embalagem mais barata que encontrou e fez o próprio rótulo.
Quando tudo estava pronto, conseguiu espaço na Fispal (feira voltada à indústria de alimentos e bebidas) , onde espalhou uma infinidade de amostras. E Ruzene tirou a sorte grande. O produto foi parar nas mãos de grandes cozinheiros e quem se interessou pelo negócio foi ninguém menos que Alex Atala, proprietário do D.O.M., apontado à época como sexto melhor restaurante do mundo na época.
Após alguns dias da feira, Francisco recebeu um e-mail do cozinheiro pedindo para conhecê-lo. O cereal não só entrou no cardápio do restaurante, como em outros estabelecimentos voltados às classes A e B, como o Mocotó, em São Paulo e o Frontera Ipanema, no Rio de Janeiro, e também foi parar nas gôndolas de pequenos empórios sofisticados envazados por oito marcas, como Camil e La Pastina.
EXPANSÃO
Com o arroz negro, Ruzene deixou de trabalhar com um alimento de preço tão controlado, pode cobrar mais caro e ter uma margem de lucro maior. Em média, o quilo do grão é vendido pelo produtor por R$ 18, mas pode ser encontrado em alguns empórios por até R$ 25. Jáo arroz tipo agulhinha custa, em média, R$ 2 nos supermercados.
Sem divulgar o faturamento, o produtor não parou por aí. Partiu para a produção de arroz vermelho, depois para o cateto, basmati e arbóreo. Além disso, montou um pequeno laboratório de desenvolvimento, onde testa mais de cem variedades de arroz especial.
Fundou também a "minicooperativa do Chicão", com dez pequenos rizicultores de Pindamonhangaba, que trabalhavam com o arroz tradicional. Agora, eles têm rendimento maior do que com o arroz branco.
Hoje, ele produz no total dez tipos de grãos – um deles é o miniarroz, um variedade nova e totalmente brasileira, que ele desenvolveu em parceria com Atala com o objetivo de promover um mudança cultura e econômica na região do Vale do Paraíba.
De acordo com o agricultor, esses arrozes especiais passaram a ser distribuídos em redes de varejo, ganhando grande aceitação do consumidor final.
O miniarroz da Ruzene foi escolhida por Atala para ser lançado sob o rótulo Retratos do Gosto, uma linha de produtos brasileiros cultivados por pequenos produtores achatados pelo agronegócio, que tem a curadoria do famoso cozinheiro. Foi ele quem bancou antecipadamente a primeira safra comercial do miniarroz – cerca de 40 toneladas.
Durante dois anos, a Retratos do Gosto teve exclusividade na comercialização do miniarroz. Sócio da marca, Atala não recebeu o lucro que lhe caberia de 25%.
Na ocasião, o valor foi revertido ao próprio produtor, que destinou a quantia para o desenvolvimento de projetos agrícolas sociais.
A intenção da dupla é transformar a agricultura da região e assim como aconteceu com Ruzene, desvendar novos produtores e variedades de produtos.
FOTO: Thinkstock e Divulgação