O atraso que empaca
É surpreendente que, depois de voltas, rodopios e cambalhotas de toda sorte, a questão da Previdência continue sem solução. O último malabarismo foi criado pelo presidente da Câmara (à esq.na foto)
É surpreendente a capacidade da classe política brasileira de fugir às suas responsabilidades perante a sociedade na deliberação sobre as grandes questões nacionais. E que ela, mais uma vez, seja capaz de fazer mais do mesmo.
De uma hora para outra, num passe de mágica, toda a complexíssima questão da Previdência no País se reduziu ao funcionalismo público e, pontualmente, aos militares.
Evaporaram-se do noticiário as informações sobre os descalabros de aposentadorias nababescamente acumuladas e matreiramente assumidas. Não se fala mais no como e por que as despesas com a Previdência aumentaram descontroladamente nos últimos anos.
E assim, na falta de condições, ou de vontade, para enfrentar a questão, o País se deixa levar pela demagogia, pelo oportunismo e pela desonestidade intelectual.
Não se cogita de conhecer o problema e difundir esse conhecimento à sociedade por meio de um livro branco da Previdência que expresse de forma realista e cristalina a sua situação, com todas as perspectivas relevantes que importam em questão de tal seriedade.
Esquecem-se os mecanismos de auditagem institucional que deveriam estar sendo discutidos para se os implantar solidamente, impedindo que milhões de brasileiros sejam, mais uma vez, lesados.
E ninguém, com conhecimento e autoridade para se manifestar a respeito (e existem muitas pessoas com ambos), vem a público explicar que, independentemente dos sacrifícios que forem assumidos agora, a Previdência só pagará os benefícios pelos quais pagaram os brasileiros se ela for encarada como é nos países desenvolvidos: investimento rigorosamente controlado pela sociedade.
Já se abordou essa questão neste espaço. E é surpreendente que, depois de voltas, rodopios e cambalhotas de toda sorte, a questão da Previdência continue sem solução.
O último malabarismo foi criado pelo Presidente da Câmara que, sem esconder a sua ambição pelos cargos-chave do Planalto que deseja preencher à sorrelfa, julga-se forte o suficiente para chantagear o governo, invertendo as prioridades da tramitação constitucional de projetos completamente distintos e exigindo que ele apresente às pressas uma proposta incompleta que só serve para aumentar a confusão, um estado de coisas permanente no Brasil destes dias.
O mesmo presidente da Câmara que se arvorou, em festejado almoço de final de semana, em mediador de uma crise para a qual ele contribui. Que endossou a proposta escandalosa de rifar a Lava-Jato ao defender a indefensável decisão do STF sobre a descriminalização de crimes.
Um presidente da Câmara típico representante da classe política que, nas suas bases eleitorais, ao tratar dos militares de seus respetivos estados, dispensou-lhes o desprezo que colocou as polícias militares do País no deplorável estado de coisas que tem obrigado a sucessivas intervenções do governo federal.
Talvez seja esse o destino que sonhem para as Forças Armadas no seu horizonte tacanho de nhônhôs e sinhás que só enxergam jagunços e milícias para lhes fazer a vontade.
Dirão os incautos, os espertos e os cínicos que isso é política. Não é não. Isso é atraso.
Um atraso pelo qual se percebe o quanto falta em honestidade e seriedade para virmos a ter uma reforma da Previdência.
Um atraso que empaca o País.
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