O atentado em Paris
Terroristas geralmente não são pobres nem pessoas que passam privações. Muitos deles têm educação formal; e muito poucos são desequilibrados mentais
Por ocasião do atentado terrorista às Torres Gêmeas em Nova York, o professor de Harvard Cass Sunstein escreveu interessante ensaio sobre o tema “porque eles nos odeiam”. A perspectiva é de um norte-americano, mas em certo sentido aplica-se a todos nós.
O ponto central do ensaio é a ideia de que ninguém nasce terrorista; os existentes são o resultado de um profundo treinamento. Terroristas raramente resultam da pobreza, da privação, da falta de uma educação formal, do desespero ou de convicções religiosas.
De fato, terroristas geralmente não nem pobres nem pessoas que passam privações. Muitos deles têm educação formal; e muito poucos são desequilibrados mentais. Bin Laden, por exemplo, foi filho único do homem mais rico da Arábia Saudita, depois do rei do país. Foi importante investidor no Sudão, onde fundou a Al-Qaeda.
Importante na atividade terrorista é a formação de redes sociais, congregando pessoas que pensam da mesma forma e que cultive um sentimento de cólera e humilhação. São esses sentimentos, cultivados em grupo, que se realimentam e se intensificam. Não é possível entender o fenômeno do terrorismo, diz-nos Cass Sunstein, sem entender o fenômeno da polarização no grupo e a importância dessas redes sociais.
Bin Laden, novamente, é um importante exemplo. Ainda jovem, em 1973 entrou em contato com grupos islamitas. No episódio da invasão soviética ao Afeganistão, tornou-se o líder de quatro mil sauditas que lá se opuseram à invasão. Em 1984 já liderava uma organização de denominada Maktab al-Khidamat (MAK) encarregada de arrecadar dinheiro, armas e combatentes para a guerra do Afeganistão.
Em 1988, fundou a Al-Qaeda, juntamente com alguns ex-integrantes do MAK, destinada a combater a família real saudita. Para Bin Laden, o estilo de vida da família era ocidentalizado, perdulário e corrupto e incompatível com os ensinamentos do Islã.
Seu ódio à família real foi progressivamente tornando-se mais abrangente, passando a incluir tudo que lhe parecesse ocidental. Foi esse ódio que Bin Laden inculcou em seus seguidores e que motivou a série de atentados perpetrados pela Al-Qaeda.
A questão do terrorismo islamita, portanto, consiste em saber o por quê do ódio contra os valores do Ocidente. Certamente não é nada que seja específico aos ensinamentos do Islã, já que tão poucos muçulmanos se tornaram terroristas. Além disso, a motivação religiosa não explica porque o britânico Mohammed Emwazi, conhecido como "Jihadi John", tenha se juntado ao Estado Islâmico e praticado várias decapitações de prisioneiros do Estado Islâmico.
Entender as práticas terroristas dos islamitas, portanto, requer buscar suas causas fora da religião os dos furores dos líderes de ocasião. Quem sabe, a resposta esteja na dinâmica social dos grupos terroristas e no processo de polarização no interior desses grupos.
Não deve surpreender que essa dinâmica provoque posições estremas em grupos de pessoas propensas a pensar da mesma maneira. Líderes de organizações terroristas, de uma forma ou outra, dominam as técnicas de polarizar os ânimos dentro de grupos cujos integrantes pensam da mesma forma. É essa polarização que leva o grupo a praticar atos de violência extrema, como os ocorridos em Paris.
Se assim for, há somente uma alternativa aos atos terroristas: sistemática ação de órgãos de inteligência para detectar e desbaratar, na formação, grupos de pessoas influenciadas pela doutrinação antiocidental e suscetíveis de serem usadas para a prática de atos terroristas.
De nada adiantará, como fez a França em represália aos atos cometidos em Paris, bombardear o Estado Islâmico. Talvez devessem já estar bombardeando essa organização, como vem fazendo de forma consistente as forças aéreas russa e norte-americana.
Mas não há como ter ilusões. Mesmo depois que o Estado Islâmico tiver sido destruído e a formação do califado desbaratada, o terrorismo permanecerá latente nos corações e mentes de um grande número de pessoas. Mortos os atuais líderes, outros ressurgirão.
Não é a primeira vez que o terrorismo ameaça a civilização. Em 28 de junho de 1914, Gavrilo Princip, membro da facção terrorista denominada Mão Negra – organização que tinha como objetivo o rompimento das províncias eslavas do sul com a Áustria-Hungria e a criação da Grande Sérvia, assassinou o arquiduque Francisco Ferdinando, estopim do início da primeira guerra mundial. Pelo visto estamos passando por um novo ciclo desse tipo de ignominiosa violência.