Nova geração de empresários muda perfil comercial do Bixiga
Com negócios mais moderninhos, o tradicional bairro de cantinas italianas ganhou opções culturais, como o espaço de eventos Casa Quena, de Bruna e Eduardo Zacco, e a Livraria Na Nuvem, de Roberto Soqueiro

Conhecida por suas cantinas italianas, a região do Bixiga passa por um processo de renovação em seu comércio. Nos últimos tempos, os restaurantes tradicionais, especializados em massas caseiras, passaram a dividir o endereço com livrarias, casas de eventos, teatros, estúdios de tatuagem, entre outros. São empresas recém-chegadas que deram uma nova cara ao bairro, mais moderninha. Uma mudança que tem atraído mais público.
Há mais de 40 anos, a feira de antiguidades do Bixiga acontece todos os domingos na Praça Dom Orione, entre as ruas Treze de Maio e Rui Barbosa, onde também está a padaria Italianinha, desde 1896, e a Cannoleria do Bixiga, reaberta no último ano. É nessa mesma Treze de Maio que estão as principais novidades do bairro.
Há um mês, a Livraria Na Nuvem, de Roberto Soqueiro e mais três sócios, abriu as suas portas no número 744, depois de funcionar por dois anos nos Campos Elíseos e se mudar para a Bela Vista. A mudança não foi exatamente planejada, a livraria, que funcionava dentro de um café, precisou entregar o ponto em dezembro.
A nova sede da livraria no Bixiga chama a atenção por sua fachada tombada, que agora recebeu tons bem coloridos. Além de um novo público, Soqueiro diz que o Bixiga trouxe maior liberdade para a Na Nuvem. Com mais espaço para receber clientes e fazer eventos, como saraus e apresentações, a mudança garantiu, logo no primeiro mês, um aumento de 20% nas vendas. Habituado a visitar a região desde a década de 1980, Soqueiro comenta que percebe o bairro se abrindo para novidades.
Outra vantagem da região do Bixiga, diz, é o movimento de clientes de segunda a segunda, especialmente aos domingos - hoje, o melhor dia para a livraria por conta da feirinha de antiguidades. "Antes, nem abríamos aos domingos. O clima de comunidade por aqui é muito forte. A cannoleira, por exemplo, não tem banheiro e os clientes deles usam o nosso. Sirvo café, mas também recomendo que nossos clientes visitem outros lugares que também têm café", diz.
Em frente à livraria está um dos pontos mais procurados da região, e que não deixa de ser outra novidade: a repaginada Cannoleria do Bixiga. Ela funcionou por quase 20 anos e fechou as portas em 2023. No ano passado, reabriu pelas mãos de três novos sócios, que a deixaram bem mais despojada, com mesas na calçada e cardápio com pizzas individuais de longa fermentação e massas frescas. A "portinha", como a loja é conhecida na região, acumula quase cem mil seguidores no Instagram e costuma lotar aos finais de semana.
Com tanta fama, a venda de doces aumentou a ponto de fazer o trio de sócios alugar um galpão três ruas abaixo, exclusivamente para a produção, que passou de 2 mil para 6 mil cannolis. Com a fábrica, a intenção é atender restaurantes da cidade e também a segunda unidade da Cannoleria, que deve ser inaugurada nos próximos meses, no primeiro andar da Galeria 2001, ao lado do Conjunto Nacional, na avenida Paulista.
Eventos
Com formação hoteleira, Bruna Zacco e marido Eduardo Zacco, do ramo de gastronomia, abriram a Casa Quena, um espaço de eventos que costuma fazer, em média, quatro casamentos por mês, além de ter uma agenda disputada durante a semana com a locação de cenário para fotos e exposições.
O casal encontrou o lugar ideal em uma casa restaurada de 1929, com piso de madeira, vitrais, ladrilhos e tijolos aparentes. O negócio, que completará uma década no próximo ano, foi aberto em uma época em que, segundo Bruna, "o Bixiga ainda girava em torno das cantinas e da feira de antiguidades".
Para a empresária, a chegada do Jamile, em 2015, restaurante do chef Henrique Fogaça, deu o pontapé nesse movimento de badalação do bairro, por ter um cardápio e atendimento diferentes, além da própria fama de Fogaça. "Acho que a chegada do Jamile foi um marco. De lá para cá, começo a sentir essa mudança na vocação comercial da região", diz Bruna.
Na sequência, chegou o palestino Al Janiah, que não se limita aos comes e bebes e, sempre que possível, abre espaço para apresentações, discussões e atividades culturais. Nessa mesma toada, apareceram outros endereços que fogem do tradicional do bairro e que surgiram no período pós-pandemia, como a Casa Sincopada, o The Atro, o Funilaria Bar, que serve coquetéis em uma antiga oficina de carros, a abertura oficial da Vila Itororó, antiga residência de imigrantes que foi revitalizada e transformada em espaço cultural, e outros, como a Canhota Mercearia e o Caos Bar.
Vinho e cultura
Aberto no início deste ano, o Vino e Cinema também está em evidência em um casarão tombado e com uma programação especial para profissionais e artistas do cinema e do teatro. O restaurante manteve a fachada e a estrutura original do imóvel de dois andares com decoração inspirada na sétima arte, como diversos pôsteres de filmes e mesas em ambientes fechados.
A ideia de Alessandro de Blasi, fundador do Vino e Cinema, era resgatar a história de sua família, proprietária de uma produtora audiovisual que sempre teve como costume promover jantares intimistas para a equipe quando um filme era finalizado.
Do mesmo segmento, outra novidade do Bixiga, e hit nas redes sociais, é a Buchette del Vino - Casa Grilo, aberta há um ano e meio pelo empresário Murilo Grilo. O atrativo do negócio não está somente no cardápio de massas, sobremesas e brusquetas, mas também na experiência baseada em vinhos.
O modo como a bebida é oferecida ganhou repercussão no bairro e na internet. Ocorre que as taças de vinho são entregues por uma pequena janela na fachada, onde é possível ver apenas a mão que as entrega. A prática remete à tradição italiana das "Buchettes del Vino", que surgiu durante a peste bubônica, quando as bebidas eram entregues dessa forma para minimizar o contato.

Antes de lançar essa experiência, Grilo fazia tours pelo bairro com turistas e teve a ideia de popularizar elementos da cultura italiana, como a tradição das "Buchettes del Vino". Segundo o empresário, que investiu R$ 170 mil no restaurante, foi preciso entrar em contato com a Associazione Buchette del Vino, que fica em Florença, na Itália, e pedir autorização. Ele teve que explicar que se tratava de um negócio em um bairro de alta predominância italiana e que seria a criação da primeira Buchette del Vino no Brasil.
Dentro da casa, áreas instagramáveis e outras peculiaridades são permitidas, como uma banheira para o cliente que quiser entrar, relaxar e aproveitar um drink.
Samba e filosofia
Também muito presente no Bixiga, o samba tem seus palcos no bairro. O Clube Redoma é um espaço cultural aberto há um ano pelos sócios Leandro Pardí e Paulo Papaleo. Ao contrário do casario bem preservado que há por ali, o galpão onde foi montado o Clube era usado para guardar materiais da escola de samba do bairro, a Vai-Vai, e precisou de reforma completa e um investimento de cerca de R$ 200 mil.
Além de muito samba, a programação do Redoma inclui cursos de filosofia e oficinas de música e dança, como percussão e movimentos africanos. Tudo regado a muito drinque da casa. "Nosso desejo é dar palco para artistas marginalizados e criar uma noite de pistinha no Bixiga. Muita roda de samba e ares de balada", diz Paulo.
IMAGENS: divulgação