No pós-crise, empreendedores voltam a apostar em São Paulo
Após a recessão que resultou no fechamento de milhares de lojas, a capital paulista ensaia uma retomada, com novos empreendimentos como a CF Home Decor, de Paula Ferraz e Éllen Cavalcante (foto)
A mais prolongada recessão da história provocou o fechamento de milhares de negócios. A redução no poder de compra dos brasileiros alterou radicalmente os hábitos de consumo -o que foi fatal para grande número de varejistas.
Mais de 226 mil lojas fecharam as portas, de acordo com levantamento divulgado pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).
Em 2016, foram fechadas 105 mil lojas. Em 2015, outros 101 mil estabelecimentos haviam encerrado as atividades. No ano passado, o saldo entre abertura e fechamento de estabelecimentos comerciais ainda ficou negativo em 19,3 mil unidades.
Somente em São Paulo, no ano passado, mais de mil lojas foram extintas. Porém, após três anos de fechamento de pontos e muito distante de reverter as perdas passadas, algumas regiões do país começam a esboçar uma leve recuperação.
Uma previsão da CNC aponta uma abertura líquida de 20,7 mil novos estabelecimentos comerciais até o fim deste ano.
Na capital paulista, a recuperação começou pelos setores de móveis e eletrodomésticos, com 132 lojas a mais em 2017.
Moema, na Zona Sul paulistana lidera o ranking dos bairros que encerraram o último ano com mais lojas do que em 2016, foram 96 estabelecimentos a mais.
Em seguida figuram os bairros do Bom Retiro (67 lojas a mais), Jardim Paulista (52), Cidade Líder (51), Vila Curuçá (45), Mooca (40), Água Rasa (39), Brasilândia (33), Barra Funda (31), Jabaquara (30), Socorro (30) e Jaçanã (30).
Entre os novos negócios instalados na região com o maior número de novos negócios está a CF Home Decor, um showroom de móveis e decoração inaugurado em outubro do ano passado, na avenida Moaci, em Moema.
A loja reúne acabamentos, revestimentos, armários planejados, cortinas, pedras em geral, papéis de parede, sistema de automação e outros itens que compõem a organização de uma casa ou escritório.
MOTIVADAS PELA CRISE
A ideia, de acordo com Éllen Cavalcante, uma das sócias da CF Home Decor, era disponibilizar todos os elementos necessários para a montagem de um ambiente. Ou seja, os clientes saem de lá com o orçamento completo.
Assim como sua sócia Paula Ferraz, Éllen é arquiteta e viu seu número de clientes cair substancialmente nos últimos anos. Assim como ocorreu com o mercado imobiliário, as dificuldades de acesso ao crédito para financiamento de imóveis também abalou o movimento de clientes nos escritórios de arquitetura.
De acordo com a empresária, contratar o serviço de um arquiteto já era considerado um luxo por muitas famílias. Com a crise, esse estereótipo só fez piorar os negócios.
Em busca de novos clientes, a dupla guiou-se pelo seguinte raciocínio: a assessoria de um arquiteto até pode ser uma opção, mas a compra de móveis é obrigatória para todos.
Tudo aconteceu muito rápido. Entre o momento em que tiveram a ideia, e a inauguração da loja, decorreram apenas dois meses – um investimento de pouco mais de R$ 100 mil, que elas esperam recuperar em até um ano.
A grande sacada foi justamente terem investido em um ramo que já possuíam muitos contatos. Além de ter sido pautada em qualidade, a escolha dos fornecedores, por exemplo, foi feita estrategicamente pensando em aliviar os gastos com a aquisição de peças de mostruário à preço de custo.
Éllen e Paula selecionaram marcas que só operavam em e-commerces, e que agora utilizam a CF Home Decor como uma espécie de vitrine para seus clientes que preferem a experiência física. “Isso traz um fluxo maior para a loja e conseguimos atingir um público maior. As coisas estão caminhando muito bem", diz.
Já o bairro de Perdizes foi a aposta do empresário Carlos Eduardo Gouveia. Em setembro do ano passado, ele inaugurou a Surf Alive – uma loja de roupas, equipamentos e acessórios para surfe.
A marca foi criado por seu irmão João Paulo Gouveia e amigo Fernando Pligel, há sete anos, mas só operava como e-commerce. Durante todos esses anos, Carlos acompanhou as dificuldades que a dupla enfrentava por não ter uma loja física. Muitos clientes preferiam conhecer alguns itens pessoalmente, enquanto outros queriam trocá-las.
Muitas vezes, João e Fernando receberam esses consumidores no próprio escritório onde trabalhavam para não perder a venda. Além disso, eles acompanharam o avanço do conceito de omnichannel e sentiam que precisavam dar esse passo para crescer.
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Quando Carlos finalmente decidiu investir, a crise deu sinais de que a economia seguiria em baixa e ele adiou seus planos por um ano. No segundo semestre do ano passado, as notícias já começaram a ser mais animadoras e Carlos tomou coragem – investiu R$ 500 mil no negócio, que tomou forma em um sobrado da avenida Professor Alfonso Bovero.
HÁBITOS ADQUIRIDOS NA CRISE
Quem também encontrou inspiração para empreender na reta final da recessão foram os irmãos Vanilse Casarini e Douglas Casarini. Em setembro do ano passado, eles abriram a Loja Granel, no Tatuapé, na Zona Leste.
Habituados a frequentar a Zona Cerealista, eles sentiam falta de uma proposta similar no bairro onde moram. Além disso, eles perceberam que os produtos a granel ganharam força nos últimos anos, por se tratar de uma compra mais barata e sem desperdícios.
Filhos de comerciante, ambos já tiveram experiências no comércio. Juntos, tiveram uma doceria. Vanilse também já teve uma loja de roupas e Douglas uma escola de música. Nos últimos anos, ele dava aula particulares e ela tinha parado de trabalhar.
Há algum tempo, eles conversavam sobre o assunto e enxergavam a venda a granel como uma tendência muito forte, mas não sabiam como viabilizar isso.
O anúncio de um imóvel disponível para locação perto da casa deles foi a deixa que eles precisavam. Receberam a mentoria do pai, que durante 42 anos se dedicou a um negócio próprio, buscaram ajuda para validar o plano de negócios e investiram uma reserva financeira que tinham para construir a Granel, na rua Antonio de Barros.
Aberto há sete meses, o negócio vai bem, mas já precisou de reformulações. A área de congelados, que reunia massas frescas, frios fatiados, embutidos e iogurtes não decolou. Após insistir na proposta durante alguns meses, optaram por substituí-la e ampliar a oferta itens a granel. Com a novidade, o número de tipos de farinhas oferecidas, por exemplo, passou de quatro para 18.
“Foi tudo uma questão de ajuste, que contribuiu ainda mais para o nosso negócio. Estamos remando contra a maré, mas vai dar certo”, diz Vanilse.