Máscaras, multas e delação
Quando se avizinha a oportunidade de alguma melhora com a ampliação do horário de funcionamento, os empresários foram surpreendidos com o estabelecimento de multa de R$ 5 mil
As empresas paulistas, especialmente do varejo, enfrentaram um longo período de dificuldades em decorrência do isolamento imposto pelo governo do estado e da prefeitura municipal, como forma do setor público ganhar tempo para adaptar a estrutura da saúde para atender às demandas da covid-19.
Esse período foi excessivamente longo e o impacto das restrições foi extremamente grave, tanto para a economia - afetando as empresas, o emprego formal, os informais, os profissionais liberais -, como para a população, principalmente a menos favorecida, não apenas pela perda de renda, como na própria saúde e condições de vida.
O comércio foi o setor mais atingido, pois, com exceção dos considerados essenciais, foi proibido de funcionar por mais de 90 dias, embora as despesas continuassem a ocorrer, inclusive de impostos como o IPTU. Muitas empresas não resistiram a um período tão longo sem qualquer faturamento e foram à falência, ou simplesmente fecharam, não as portas, que já estavam fechadas, mas o seu negócio.
A partir do dia 10 último, foi permitida a abertura do varejo, mas com tantas restrições e exigências que para muitas empresas nem compensava abrir. Quando se avizinha a oportunidade de alguma melhora com a ampliação do horário de funcionamento, os empresários foram surpreendidos com o estabelecimento de multa de R$ 5 mil em caso de ingresso de um cliente sem máscara no estabelecimento, sendo que esse valor será multiplicado pelo número de pessoas nessas condições. Na verdade, o valor exato da multa é de R$ 5.025,02, o que deve complicar na hora do pagamento para arrumar os dois centavos ou o troco.
Se considerarmos que a maior duração do isolamento decorreu da dificuldade e demora para o setor público se ajustar para atender ao impacto do coronavírus sobre a saúde, o que impôs maiores sacrifícios às empresas e à população, não parece justo que, ao invés do diálogo e da cooperação, os estabelecimentos comerciais sejam expostos a multa absurdamente elevada, que pode, para muitos, decretar o seu fim.
Todos estão dispostos a colaborar para a segurança das pessoas, até porque estão também expostos aos riscos de contaminação, mas podem ocorrer problemas muitas vezes que escapem ao controle. A orientação, a advertência e, às vezes, o apoio, podem ser mais efetivas do que multas.
As empresas e os cidadãos já foram muito sacrificados em sua liberdade e já passou da hora de intervenções arbitrárias e punitivas. Cabe agora ao setor público procurar reduzir os riscos da pandemia com ações mais específicas, como a incrementação dos testes com foco nos locais mais atingidos no momento, ao invés do “abre e fecha” que pode desestruturar definitivamente a economia de uma região, ou de multas absurdas.
Preocupa que além de uma medida arbitrária como essas multas, ainda se procure estimular a denúncia, como afirmou a Diretora Técnica da Vigilância Sanitária estadual, ao oferecer, inclusive, um telefone para denúncia, que é um instrumento muito utilizado por regimes autoritários. Segundo a Secretaria Estadual, até condomínio pode ser multado se houver denúncia, ameaça inadmissível que representa avanço inaceitável do intervencionismo
Seguramente a vigilância sanitária contribuiria mais para o combate à pandemia orientando e apoiando os moradores da periferia e dos cortiços para que possam se proteger melhor, pois a mortalidade nessas áreas é bem maior do que nas demais, e elas continuam completamente desassistidas. Não se trata apenas de dispor de UTIs suficientes, mas de reduzir a mortalidade das populações mais expostas.
Quando uma sociedade, além de aceitar passivamente sua perda de liberdade e a imposição de medidas arbitrárias, ainda se transforma em fiscal dessas medidas, é porque já avançamos muito no que Hayek chamou de “ O Caminho da Servidão”.
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IMAGEM: Pixabay