A história de um comerciante que domina o mercado de chocolates
Osvaldo Nunes, dono da Chocolândia, ensina a arte de produzir e vender chocolates a pequenos empreendedores e transformou seu negócio em referência no mercado paulista
A rede vendeu na última Páscoa 3,5 toneladas de chocolate, tem 600 fornecedores, mil funcionários, 11 lojas, comercializa 28 mil itens e acumula quase 30 mil seguidores no Instagram. Parte deles fazem parte de um grupo de alunos fieis (cerca de oito mil inscritos por mês) que se dividem em aulas que custam em média R$ 40 para aprender sobre confeitaria e o mercado de alimentação.
Com esses números, dá para imaginar que estamos falando de uma empresa com uma infinidade de lojas espalhadas pelo Brasil, gestão especializada e já com alguns investidores. Nada disso.
Quem está por trás dessa megaoperação é Osvaldo Nunes, 65 anos, dono da Chocolândia, que começou como uma bomboniere, no início da década de 1980, e hoje figura como uma rede de supermercados.
No dia em que se comemora o Dia do Comerciante (16/7), Nunes relata os desafios de gerir um negócio e a satisfação de gerar renda extra para parte da população em meio à maior recessão que o país já viveu.
“O varejo é bastante dinâmico e a crise nos torna ainda mais atentos para as decisões que determinam nosso futuro”, diz.
Quando tudo começou como uma pequena bomboniere de 120 metros quadrados, na Vila Prudente, tudo o que Nunes sabia sobre varejo era o que tinha aprendido trabalhando como auxiliar em sapataria, padaria, em uma associação de feirantes, como office-boy, distribuidor da Bauducco, vendedor, gerente de merchandising na Lacta, entre outros.
Recém-chegado de Pompeia, no interior de São Paulo, com os pais e outros 15 irmãos, o empresário começou a trabalhar aos sete anos para ajudar a família. Como engraxate aprendeu a oferecer o que o cliente gosta. Trabalhando em padaria viu que um bom atendimento faz toda a diferença.
Ao lidar com feirantes aprendeu muito sobre contabilidade e gestão de varejo. Tempos depois, começou a trabalhar na área administrativa do Grupo Silvio Santos, e aprendeu com o comunicador a nunca cruzar os braços durante o trabalho.
Em seguida, se tornou distribuidor dos produtos Bauducco vendendo para pequenos varejistas – algo parecido com a função que assumiu posteriormente, na Lacta. Durante uma de suas visitas como vendedor de chocolates recebeu a oferta para comprar a pequena Doceria Laruta, na Vila Prudente.
Curioso para saber como era ser dono do próprio negócio e com uma pequena quantia que havia juntado, aceitou a proposta e reformulou a loja. No primeiro mês, as vendas foram dez vezes superiores às da gestão anterior do estabelecimento.
Com as barras de chocolate como carro-chefe, Nunes era o único pequeno comerciante a vender barras de chocolate de cinco quilos para o consumidor final. A grande sacada do empresário foi colar na embalagem do produto, uma espécie de manual com dicas de derretimento, temperagem e modelagem.
Junto com a receita seguia um número de telefone, da própria doceria, para quem quisesse tirar alguma dúvida. Era ele mesmo quem atendia os clientes e os orientava como podia. Em pouco tempo, ele percebeu que poderia ensinar e foi imaginando como poderia ganhar dinheiro com aquilo.
Quatro anos depois, montou uma sala dentro da própria loja com 76 cadeiras e divulgou sua primeira aula de manipulação de chocolate. Foi um sucesso, e as turmas começaram a surgir com frequência.
Mesmo com a doceria, Nunes manteve-se no emprego na Lacta que teve a área de vendas extinta em 1994. O sucesso da pequena loja dava indícios de que o negócio tinha futuro. Decidiu, então, vender a doceria e junto à quantia investir todo o dinheiro da indenização na abertura da primeira Chocolândia, no Ipiranga – uma loja de 120 metros quadrados recheada de doces, confeitos e itens especializados em confeitaria.
Ali, preparou a sobreloja para sediar o centro culinário com que sempre sonhou. Com cursos acontecendo manhã, tarde e noite, o empresário foi percebendo que havia criado uma fórmula para alimentar o próprio negócio.
“Essa foi a primeira grande transformação da Chocolândia”, diz.
Atento à lista de compras dos consumidores, Nunes percebeu que ao sair das aulas, as compras se direcionavam para os produtos utilizados em sala de aula. De chocolate, trufas e bombons, começou a oferecer também cursos de bolos, tortas e docinhos – um público cativo e responsável por 55% das vendas totais do negócio.
Assim, ampliou também a oferta de produtos dentro da loja – utensílios, embalagens, farináceos e outros alimentos. Com as turmas lotadas e conversando com os clientes, Nunes se deu conta de que o negócio ia muito além.
Sem saber, nos últimos anos, havia ajudado muita gente a conseguir uma renda extra com a venda de doces. Houve quem conseguisse custear a faculdade dos filhos, por exemplo. Uma estratégia utilizada por muita gente, especialmente em épocas de crise, quando o a Chocolândia é menos prejudicada que o varejo em geral.
A coisa ia bem, até que, em 2004, o banco em que Nunes depositava todos os investimentos da Chocolândia quebrou e levou o comerciante a repensar sua estratégia.
“Não somos maiores por conta disso. Até então, só caminhava com recursos próprios, guardava tudo o que tinha para crescer sozinho. Tinha pânico de banco e de empréstimo”.
Mas, não teve jeito. Nunes foi compelido a recorrer a um financiamento que levou seis anos para liquidar. Passou a trabalhar dobrado, abria mais cedo, fechava mais tarde, cortou o que pôde e aprendeu a trabalhar com margens de lucro menores – prática que mantém até hoje.
Com a vida financeira estabilizada, em 2011 decidiu que o melhor investimento era expandir e abriu a segunda loja com o que havia acumulado nos últimos anos – sem empréstimo e sem novos sócios ou investidores.
Em seguida ampliou a variedade de cursos oferecidos. Começou a ensinar pratos salgados, estratégias de vendas, como precificar quitutes e por aí vai. Atualmente, são mais de 600 aulas por mês com cerca de 8 mil alunos. “Muitas empresas famosas de chocolate surgiram dentro das nossas salas de aula”.
Hoje, quem cuida dessa grande área é Sueli Nunes, esposa do empresário, que é responsável pela programação, descoberta de novos professores, receitas e toda o equipamento das salas, da gestão de recepcionistas e professores – uma equipe de quase cem pessoas.
Junto com a variedade de temas, cresceu também o mix de produtos dentro das lojas, que hoje se dividem em 14 departamentos, como, padaria, açougue, papelaria, confeitaria e hortifrúti que rendem um tíquete-médio de R$ 65, que em datas especiais como Páscoa e Natal sobem para R$ 200.
“É um tíquete baixo para o setor de supermercados, porém alto para bombonieres. E nosso público é recorrente – temos mais de 35 mil clientes fidelizados”, diz.
Ele cita também outras transformações necessárias e que de certa forma, encantam o cliente, como, por exemplo, a instalação de caixas de autoatendimento e a abertura 24h da loja nos 30 dias que antecedem a Páscoa.
Hoje, são 11 lojas em bairros como Lapa, Santo Amaro e Tatuapé, que movimentam 8% de todo o chocolate vendido no país. Mas, nem tudo são flores. Desde o ano passado, Nunes e os filhos Paloma e Pablo, vem trabalhando numa espécie de reestruturação do negócio.
Com a inauguração de um grande centro de distribuição, em São Bernardo do Campo, com capacidade para atender até 22 lojas, o trio passou a assumir novas responsabilidades.
“Tínhamos diretor comercial, financeiro, de logística, de expansão - uma hierarquia enorme que teve de ser reduzida e hoje, se resume a nós três (pai e filhos). Vamos nos autossustentar para sobreviver”, diz.
Hoje, Paloma se dedica à parte fiscal e tributária do negócio, enquanto Pablo é responsável por toda a logística. Nunes assume todo o restante, desde as questão de limpeza e manutenção, passando pela operação de loja até decisões de RH.
Um trabalho acumulado que exige dedicação total do trio em tarefas que se estendem aos sábados até às 18h e aos domingos até às 14h com raras exceções, segundo o empresário.
Com três imóveis próprios e outros sete locados, Nunes diz que na Capital, prefere manter uma certa proximidade entre as unidades – de até 12 quilômetros - para conseguir estar perto das operações. A meta, no entanto, é expandir para o interior do Estado e o litoral, onde eles já possuem uma loja, em São Vicente.
Se tudo seguir como nos últimos oito anos, período em que o negócio obteve um crescimento de 500%, a expansão deve ter sequência em breve. Porém, na visão do empresário, ainda pior que a crise e a falta de poder de consumo da população, é a burocracia que um comerciante brasileiro enfrenta para atuar dentro da legalidade.
“São 13 fiscalizações ativas, muita burocracia punitiva e pouca orientação. Não tenho o corpo jurídico das grandes multinacionais, por isso preciso tomar conta de tudo pessoalmente”, diz.
“Tocar uma rede de lojas no Brasil é assim: ou você mergulha de cabeça ou nem começa”.
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