613 brasileiros foram resgatados mais de uma vez da escravidão

Dados da Organização Mundial do Trabalho revelam que, de 2003 a 2017, 35,3 mil trabalhadores foram libertados

Estadão Conteúdo
03/Fev/2018
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613 brasileiros foram resgatados mais de uma vez da escravidão

Escravos, de novo. Essa foi a realidade no Brasil para pelo menos 613 trabalhadores que, desde 2003, foram resgatados pelo menos duas vezes da situação de escravidão.

Os dados estão sendo publicados pelo Observatório Digital do Trabalho Escravo no Brasil, mecanismo criado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pelo Ministério Público do Trabalho.

Os dados compilados entre 2003 e 2017 revelam que um total de 35,3 mil trabalhadores foram resgatados no País da escravidão. Alguns deles, mesmo em liberdade, voltaram a ser escravizados para trabalhar.

"Quatro destes trabalhadores foram resgatados quatro vezes e outros 22 foram resgatados três vezes", indicou a OIT.

Na avaliação da entidade internacional, "a reincidência de trabalhadores que retornam ao ciclo da escravidão é maior entre aqueles com baixo grau de instrução: a taxa para os trabalhadores analfabetos é o dobro daquela em relação aos que possuem o ensino fundamental completo".

"Dificuldades de acesso às políticas públicas, especialmente educação, aumentam a situação de vulnerabilidade social dos trabalhadores, facilitando o seu aliciamento e a exploração do seu trabalho", alertou a entidade.

Na avaliação da OIT, ainda que a proporção daqueles que voltar a ser escravizados é pequena, os números demonstram que existe a necessidade de fortalecimento de medidas de apoio socioeconômico aos resgatados.

"A reincidência demonstra que não houve mudança significativa na vulnerabilidade social deles, mesmo com a libertação pelas autoridades brasileiras", indicou.

Para os especialistas da entidade, o número real de reincidência pode ser muito maior.

"Os dados disponíveis se referem à concessão de seguro desemprego na modalidade trabalhador resgatado, a última fase de um longo processo. Para ser incluído nessa estatística, o trabalhador deve ter passado pelas etapas de aliciamento, exploração, denúncia, investigação, operação de fiscalização, resgate e, por último, acesso ao seguro desemprego", explica a OIT.

Num outro estudo realizado pela entidade, de 121 trabalhadores rurais resgatados entrevistados entre 2006 e 2007, 59% afirmaram que haviam passado anteriormente por privação de liberdade. Mas apenas 9% foram resgatados pela fiscalização nessas ocasiões.

LEIA MAIS: Acima de 40 milhões no mundo vivem em situação de escravidão

O alerta da OIT sobre a questão dos escravos veio ainda permeada por uma crítica à tentativa de mudança na definição do que seria um trabalho escravo no País.

"Segundo o Código Penal, a escravidão é caracterizada por condições degradantes, jornada exaustiva, trabalho forçado e servidão por dívida", diz o comunicado da OIT. "No entanto, em outubro de 2017, o Ministério do Trabalho aprovou a Portaria nº 1129, que estabeleceu que condições degradantes e jornadas exaustivas só poderiam ser consideradas quando houvesse a privação do direito de ir e vir", alertou.

"A alteração teria impacto direto no enfraquecimento e na limitação da atuação da fiscalização do trabalho, aumentando as vulnerabilidades dos trabalhadores e os deixando desprotegidos", criticou a organização.

Mas, segundo a OIT, com a pressão doméstica e internacional, a portaria foi reeditada para "restabelecer o conceito de trabalho escravo previsto na legislação brasileira". "Este novo documento sedimentou o entendimento de que a prática é um atentado aos direitos humanos fundamentais e à dignidade do trabalhador, além de estabelecer encaminhamentos das vítimas às políticas públicas, dando ênfase aos grupos mais vulneráveis como trabalhadores estrangeiros, domésticos e vítimas de exploração sexual", completou.

FOTO: Tiago Queiroz/Estadão Conteúdo

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