Venda direta ao consumidor vira negócio nas indústrias
Com 14 lojas, a centenária Tramontina (foto) se prepara para abrir até cinco lojas por ano nos próximos cinco anos. O movimento DTC (direct to consumer) pode funcionar de forma harmoniosa com o varejo tradicional, de acordo com consultores
Conhecer cada vez mais o cliente. Este se tornou um dos maiores desafios da indústria e do varejo em meio à revolução que se observa na jornada de compra dos consumidores.
E é este um dos principais motivos que tem intensificado no mundo e no Brasil o movimento DTC (direct to consumer, em inglês), isto é, a venda direta da indústria para o consumidor.
A proximidade permite traçar o perfil do cliente, perceber seus desejos, ajustar coleções, identificar produtos que deram ou não certo. É uma espécie de termômetro do negócio.
Nos Estados Unidos, a Dell, fabricante de computadores, é exemplo de indústria que fabrica, vende e presta assistência diretamente para a clientela.
Está entre as empresas mais admiradas e de maior faturamento do mercado norte-americano.
Por aqui, marcas bem conhecidas, como Hering e Havaianas, operam neste modelo há anos, com lojas próprias espalhadas por todo o Brasil.
O fato é que este movimento começou a se intensificar. Vai ser cada vez mais comum ver uma marca tradicional da indústria com loja em ruas e ou shoppings no país.
A centenária Tramontina, que completa 111 anos em maio deste ano, já tem 14 lojas próprias espalhadas pelo Brasil, das quais sete no Estado de São Paulo.
A última delas foi inaugurada no final de 2021 no shopping Pátio Higienópolis, em São Paulo.
O plano é abrir entre quatro e cinco novas lojas por ano nos próximos cinco anos, com foco em São Paulo e interior, e em capitais das regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste do país.
“A venda direta tem como objetivo ter um contato mais próximo com o consumidor, agregar valor à marca e oferecer experiências diferenciadas”, afirma Evandro Costa, gerente-geral da Tramontina Store, braço de varejo da companhia.
A Tramontina possui mais de 20 mil produtos nas linhas de panelas e utensílios, equipamentos para cozinha, coifas, fornos, cooktop, misturadores.
“Precisamos cada vez mais de informações dos consumidores que estão mais exigentes. A loja própria encurta o caminho na identificação das necessidades dos clientes”, diz ele.
Com sede em Blumenau (SC), a Karsten, indústria têxtil de cama, mesa e banho, que completa 140 anos em setembro deste ano, possui 11 lojas próprias na região Sul do país.
“A força de uma marca se dá muito pelo varejo. A marca que quer se consolidar na mente do cliente tem de ter a possibilidade de ofertar experiências pelas próprias mãos”, afirma Márcio Luiz Bertoldi, diretor financeiro da companhia.
A loja própria permite à indústria, de acordo com ele, expor toda a sua linha de produtos em um único espaço, o que não acontece no varejo tradicional, que vende itens de várias marcas.
A Karsten é uma das poucas do seu setor com produção verticalizada. Ela fabrica também os fios e os tecidos que utiliza na confecção das peças. O varejo era o braço que faltava.
Este processo, que nada mais é do que a desintermediação de vendas, isto é, tirar o comerciante do negócio, pode não ser tão ruim para varejo como parece.
“É possível ter uma boa convivência. A Havaianas é um exemplo. Tem loja própria até na Rua Oscar Freire, e nem por isso deixou de vender em outros canais”, diz Gustavo Carrer, gerente de desenvolvimento de negócios da Inwave, empresa de tecnologia para o varejo.
De acordo com ele, a tendência é que cada vez mais indústrias de variados setores optem pela venda direta ao consumidor.
Neste canal de venda, com o que as indústrias menos se preocupam, de acordo com Carrer, é com volume de vendas.
“A ideia das fábricas é cobrir lacunas deixadas pelo varejo tradicional e aumentar a possiblidade de fazer negócios em todos os canais”, afirma.
Há nove anos com braço no varejo, a Tramontina já percebeu que nas cidades onde abriu lojas próprias aumentaram as parcerias com o varejo tradicional.
“Isso porque os produtos ficaram mais conhecidos e os clientes-lojistas tiveram a oportunidade de vender até outros produtos numa relação ganha-ganha”, diz Costa.
Desde que fincou pé no varejo, em 2015, a Karsten identificou, por meio de pesquisas, qual a percepção que as clientes têm dos seus produtos, quais tipos e cores são preferidos.
“Elas querem produtos práticos, macios, fáceis de lavar e secar, confortáveis, bonitos, com qualidade. Azul marinho, branco, preto, os terrosos são as cores preferidas”, diz Bertoldi.
Essas informações são importantes, de acordo com ele, até para favorecer as vendas do varejo tradicional, já que possibilita ajustes nos produtos ofertados.
FUROR
É fato também que algumas indústrias causaram furor no varejo ao decidirem abrir as suas próprias lojas.
Um exemplo é a Swift, adquirida pela JBS em 2007, que hoje possui dezenas de lojas espalhadas pelo país.
A maneira encontrada para acalmar o mercado foi terceirizar o açougue em supermercados, de acordo com consultores de varejo.
A Sadia, uma das marcas da BRF, deve seguir o mesmo caminho com o Mercato, loja que expõe os produtos da marca em sessões distintas, para café da manhã, almoço e churrasco.
“Este movimento tem como principal objetivo conhecer o consumidor, fazer um banco de dados de clientes, ver quais produtos funcionam ou não”, afirma Maurício Morgado, consultor e professor da FGV especializado em varejo e serviços.
É inegável, de acordo com ele, o grande poder de grandes redes de varejo em relação às indústrias no caso de alguns setores, como o de eletroeletrônicos.
Não é por acaso que Electrolux e Whirlpool, dona Brastemp, têm lojas próprias na internet.
“As fabricantes de eletroeletrônicos estão nas mãos de grandes redes e, portanto, faz sentido ações para a distribuição direta para o consumidor”, diz Morgado.
Carrer diz também que muitas indústrias têm dificuldades de colher informações de clientes por meio de lojistas. As lojas próprias, diz ele, estão servindo como aprendizado para as fábricas.
Para Morgado e Carrer, de forma geral, as lojas de indústrias não chegam a incomodar a ponto de tirar vendas de varejo tradicional.
A venda on-line, sim, de acordo com Morgado, pode incomodar muito mais dependendo dos preços.
Por enquanto, diz ele, os fabricantes em geral estão tomando cuidado para não ter preços muitos baratos, justamente para não prejudicar os lojistas.
“Nosso propósito não é substituir os canais tradicionais de venda. Temos muito cuidado com preço, mix de produtos, posicionamento, tudo para minimizar conflito com o canal do varejo”, diz Costa.
As lojas próprias das indústrias também devem funcionar como pontos para distribuição de produtos adquiridos pela internet.
IMAGEM: Tramontina/divulgação