Um ciclo de sucessão familiar no comércio do interior
Pesquisa da Associação Comercial e Industrial de Piracicaba aponta que metade das empresas familiares da cidade, a exemplo da família Santos (na foto), já prepara a nova geração
A formação de micros e pequenas empresas é tipicamente familiar, e isso, de acordo com estudos do Sebrae, garante a elas uma existência quase três vezes superior às demais. A fórmula para que sejam bem-sucedidas, neste caso, é que as trocas de comando sejam preparadas com antecedência de anos, envolvendo muito planejamento.
Em Piracicaba, a 140 quilômetros de São Paulo, esse cenário não é muito diferente. Uma pesquisa realizada pela Acipi (Associação Comercial de Piracicaba) revelou que 76% das empresas da cidade têm gestão familiar e, dessas, 50% já preparam a próxima geração de sucessores.
Tome como exemplo a Rede Drogal, que se destaca como uma das mais tradicionais redes de drogarias no interior de São Paulo. A sociedade teve início em 1935, em Piracicaba, quando Cyro Lopes Cançado, recém chegado de Belo Horizonte, abriu a primeira farmácia em parceria com João Batista Raia, o imigrante italiano que fundou a Pharmacia Raia, hoje Droga Raia.
Com a ajuda do filho José Agenor Lopes Cançado, e o genro Paulo Afrânio Lessa, Cyro fez o negócio da família crescer com a abertura da empresa Cançado & Lessa, com o nome fantasia de Farmácia do Povo.
Quase 20 anos depois, a abertura de novas filiais garantiu a consolidação da marca no mercado farmacêutico, com uma reformulação na rede. rebatizada de Drogal. São atualmente 121 lojas em 43 cidades, com 2.000 colaboradores, e 1,7 milhão de clientes atendidos por mês.
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Histórias como a da família Cançado são debatidas a cada mês no CJE (Conselho do Jovem Empresário), da Acipi, um grupo que reúne 300 empresários, sob a coordenação de Rodrigo Santos, 33 anos.
Esses diálogos vêm de encontro com a preocupação da entidade em relação ao universo das empresas familiares existentes em Piracicaba e à importância da modalidade, e dos seus impactos na economia da cidade.
“Através do CJE e da escola de negócios, da Acipi, criamos projetos para contribuir com o processo de sucessão familiar, trazendo palestras, e consultores especializados.” “Esse modelo de negócio é muito comum na nossa cidade. As empresas crescem junto com as famílias”, diz.
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Santos representa a terceira geração da família, ao lado de seu irmão, no Grande Bazar Santos, um varejo de 70 anos que começou como uma quitanda. Na segunda geração, o primeiro se formou dentista, a segunda abriu um negócio com o marido, e apenas o pai de Santos optou pela sucessão.
A chegada de seu pai transformou a quitanda em um bazar, que, gradativamente. aumentou o mix de produtos da loja até se tornar uma grande magazine que comercializa vestuário, brinquedos e artigos para casa.
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Segundo ele, não dava para ser diferente. "O bazar fazia parte da minha rotina desde os dez anos de idade, e o mesmo aconteceu com meu irmão mais novo, de 27 anos." Hoje, ele e o irmão comandam as três unidades com 50 funcionários que compõem a rede, e contam com a participação ativa do pai sexagenário.
SOBREVIVÊNCIA
A maior preocupação das empresas familiares diz repseito à sobrevivência. O medo de não corresponder à máxima de que empresas familiares têm um índice de duração quase três vezes maior do que as não-familiares leva os envolvidos a planejarem essa transição durante anos.
“Alguns casos levam até 15 anos”, diz Francisco D’Orto Neto, diretor da divisão de finanças e governança corporativa da consultoria Crowe Horwath.
De acordo com D´Orto, o processo de sucessão familiar pode acontecer de forma mais harmoniosa em cidades do interior. “O volume de informação na capital é muito grande. A cultura de proximidade imposta pelas cidades menores cria atitudes menos individualistas, que interferem de maneira mais positiva no negócio.”
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Para o consultor, discordâncias em relação a expandir e liderar os negócios, e questões emocionais estão entre os principais fatores que contribuem para a descontinuidade das instituições familiares. “Deve-se estabelecer regras de comportamento comuns entre os sócios, e criar núcleos de apoio a cada processo”, diz.
CONSTRUINDO A SUCESSÃO
Em 1989, Jair Berto deixou a vida de metalúrgico para garantir o sustento da esposa, e de dois filhos em uma banca de jornal, conhecida por todos como Bankinha.
“Ele (Jair) vendia jornais, revistas e artigos evangélicos em uma banca de ferro. Com o tempo, o acréscimo de novos itens ampliou o negócio para um imóvel exatamente em frente à Bankinha”, diz Felipe Berto, 32 anos, filho de Jair.
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A expansão acompanhava o boom das lojas de artigos de R$ 1,99. Na época, Felipe tinha 13 anos, e quando voltava do colégio se tornava o responsável por “ficar de olho na loja” enquanto o pai saia para resolver o que era preciso. Assim, sem nenhuma técnica profissional, Felipe foi aprendendo na prática como tocar um negócio como o da família.
Quando havia uma folga, Felipe acompanhava o pai nas compras, e aprendia a fazer o estoque da loja. Hoje, a antiga banca de ferro se multiplicou em três grandes lojas – Gustavo Magazine, Bankinha Presentes e Safari Brinquedos.
No entanto, a ausência do patriarca, que morreu há dois anos, causou uma ruptura nos negócios da família. “Tínhamos muito respeito a tudo o que ele (pai) propunha. E com a perda dele, descobrimos que nossos interesses pessoais eram diferentes”, diz.
Para evitar futuras incompatibilidades de gestão, os irmãos separaram a administração dos negócios, mas garantem que seguem fieis os ensinamentos do fundador. "Nossas lojas se complementam, e atendem a públicos diferentes. Queremos garantir o sucesso das três unidades", diz.
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*Foto: Divulgação