Pinhal, a cidade que atrai empresários para o ramo do vinho
Cerca de 60 vinícolas surgiram na região de Espírito Santo do Pinhal, a 200 quilômetros da capital paulista, na última década, movimentando a economia e fortalecendo a hotelaria e gastronomia local
De cada dez xícaras de cafezinho tomadas pelo mundo, oito passaram por Espírito Santo do Pinhal, no interior de São Paulo. A frase, dita por Loriane Salvi, diretora de turismo da cidade, sugere a importância da região quando o assunto é a cafeicultura.
Repleta de grandes fazendas de café, Pinhal, que está a 200 quilômetros de São Paulo, mostra há décadas o potencial de suas terras em meio a Serra da Mantiqueira. Mas agora a cidade vive uma "virada de chave". Em meio aos cafezais, começam a aparecer vinícolas. Já são mais de 30 na cidade e 60 na região, que têm transformado a economia local por meio de experiências turísticas.
Cicerone do lugar, Thiago Palombo, sócio da agência de turismo Tapu 4x4, conta que foi a partir da técnica de dupla poda desenvolvida pelo pesquisador Murilo Regina, da Epamig, que o cultivo da uva ganhou corpo na região.
O método foi fundamental para a adaptação das vinhas ao terroir de Pinhal, pois permitiu que as uvas amadurecessem de maneira mais equilibrada, resultando em vinhos de melhor qualidade.
Ao fazer com que a videira produza seus frutos entre o outono e o inverno por meio de uma poda após a colheita, a planta pode “dormir” no verão e voltar a produzir novamente entre o outono e o inverno.
É nessa temporada que a região vive um clima seco, ensolarado e tem a necessária amplitude térmica entre o dia e a noite, que possibilita um lento, porém completo desenvolvimento dos aromas e dos sabores da uva em terras onde no passado funcionaram fazendas de café.
Com mais de 950 produtores de café, o grão segue como a base econômica de Espírito Santo do Pinhal, que também explora a vocação turística do negócio, segundo Loriane. Algumas fazendas oferecem passeios que envolvem experiências conectando o café e a história local, como, por exemplo, o “Genoma à Xícara”, um roteiro turístico organizado pela engenheira agrônoma Andrea Squilace, que explica todo caminho que o café percorre até chegar à xícara.
A diretora de turismo explica que a ideia é preservar esse legado e apresentar a quem os visita todo o caminho que o café percorre até chegar às xícaras, pois Pinhal é considerada a maior cadeia de café do mundo.
"Temos todo o trade de corretores, exportadores, armazéns gerais, cooperativas, torrefações. Exportamos para mais de 120 países e essa vocação conversa muito bem com o enoturismo (o turismo ligado ao vinho)", diz.
A NOVA TERRA DO VINHO
Entre taças e xícaras, a cidade se une a outras cinco (Jacutinga, São João da Boa Vista, Santo Antônio do Jardim, Andradas e Albertina) da região em um roteiro que contempla passeios históricos, caminhadas por imensos parreirais, paradas para degustações, além de viver o surgimento de novas opções hoteleiras e gastronômicas regadas a vinhos premiados mundo afora - no total, são mais de 60 empreendimentos ligados ao vinho.
Esse cenário, que segundo Palombo tem se intensificado nos últimos sete anos, começou a ser desenhado em parte quando a primeira vinícola, a Guaspari, se instalou na cidade, em 2001, pelas mãos do empresário Paulo Brito.
A vinícola foi a primeira a produzir vinhos que se tornariam referência fora da cidade, e a movimentar um turismo mais consistente na região. Outro marco desse movimento veio com outra vinícola, a Terra Nossa, que teve o início de sua história em Santo Antonio do Jardim, com a sociedade de cinco amigos há dez anos e hoje, tem sua sede também em Espírito Santo do Pinhal.
A plantação de mais de 4 hectares de uva começou com uma produção artesanal, em que família e amigos ajudavam. No entanto, de um jeito natural, o local foi se tornando um ponto de visitação. Palombo conta que quem visitava a Guaspari perguntava o que mais tinha para fazer, e a Terra Nossa os recebia de forma bem caseira.
Essa interação, segundo Palombo, gerou o olhar de investimento nos clientes e mostrou a muitos dos empresários que hoje estão com vinícolas na região que era possível fazer algo mesmo sendo pequeno.
"Eles [Terra Nossa] abriam as portas, mostravam processos e ensinavam. Assim, democratizaram a região para que novos empresários quisessem fazer o mesmo", diz.
O sucesso da técnica, os vinhos estrelados e o refúgio na natureza levaram outros empresários a olhar para aquelas terras em busca de espaços para plantação, já acreditando no crescimento do enoturismo na região.
Nesse sentido, os restaurantes de São Paulo foram fundamentais, pois são onde muitos consumidores têm o primeiro contato com esses rótulos, o que desperta a curiosidade pelas vinícolas locais.
Foi assim com o empresário Sérgio Batista, que após provar um vinho da Guaspari, agendou uma visita a Espírito Santo do Pinhal, em 2019, e vislumbrou a possibilidade de tornar um sonho em realidade: produzir o seu próprio vinho.
Após 30 anos trabalhando no mercado financeiro, trocou a rotina que tinha nos escritórios de São Paulo pela plantação de uva e mirtilo em sete alqueires de terra que dariam início à sua vinícola própria, a Merum.
"Não é uma aposta, é algo que já está acontecendo. Hoje, o movimento de enoturismo que emerge em Pinhal é único no Brasil", diz Batista.
Para além do desenvolvimento econômico da região, Batista destaca a importância das vinícolas para a profissionalização de quem vive na região. Até então, a principal ocupação estava ligada à colheita de café, ou seja, uma renda sazonal e com vagas informais. No caso da Merum, os 18 funcionários trabalham em regime CLT e estão sempre em formação.
Embora a cidade ainda não trabalhe com números oficiais, Batista revela que até 2025 cerca de R$ 500 milhões serão investidos na cidade. São mais de 50 projetos na região envolvendo o plantio de uva fina com incentivo de receptivo no local, seja loja, wine bar, pousada ou restaurante.
Com planos de expansão, o empresário diz que o próximo passo da Merum é abrir uma pousada. A parte hoteleira, inclusive, acompanha a era próspera da viniviticultura. O anúncio da construção de um hotel da bandeira Radisson em parceria com o Grupo Atlântica, com 140 apartamentos, dará à cidade a primeira opção de luxo.
O projeto indica que o empreendimento estará alinhado à temática da região, oferecendo experiências aos hóspedes que terão a oportunidade de vivenciar o dia a dia de uma vinícola. O investimento é de cerca de R$ 120 milhões e deve gerar cerca de 200 novos postos de trabalho.
Outro ponto levantado por Loriane é que muitos dos que chegam para degustar os vinhos estão também à procura de terras. Pouco mais de cinco anos atrás era possível adquirir um hectare de terra na cidade por cerca de R$ 60 mil, segundo a diretora. Hoje, dada a valorização da região, uma propriedade de mesmo tamanho pode variar entre R$ 500 mil e R$ 600 mil, a depender da altitude do terreno, nível de insolação e até a localização próxima às terras de outras vinícolas.
Com investimento em torno de R$ 30 milhões na cidade, há dois anos, o engenheiro-agrônomo Juliano Lourenço, do Grupo Churrascada, também viu potencial no turismo pinhalense e deixou para trás a vida na cidade e um negócio de tecnologia.
Unindo vinho, comida e hospedagem em 22 alqueires de terras montanhosas, ele e o sócio inauguraram, há quatro meses, um restaurante que emprega 80 funcionários, o Rancho Churrascada, para 180 pessoas, especializado em churrasco e com experiências ligadas ao cultivo do café e da uva.
O segundo empreendimento é um núcleo de 10 chalés premium, às margens de uma das montanhas locais, no alto de Espírito Santo do Pinhal e de olho nos entusiastas do glamping, uma espécie de acampamento de luxo. No futuro, a ideia é expandir os negócios, com mais chalés.
“É o nosso projeto de vida. Valorizamos a vida campo, a produção local, nos mudamos com as nossas famílias para Pinhal e acreditamos muito na região. Em quatro meses, recebemos mais de 15 mil pessoas, então tem sido muito positivo”, disse.
Com o título de Município de Interesse Turístico (MIT), a cidade tem sido citada por Jorge Lima, secretário de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo, como a responsável por colocar o estado no circuito de vinhos do Brasil e do mundo. De acordo com Lima, São Paulo totaliza 275 vinícolas, sendo 20 delas premiadas. "Porém, pouco conhecidas e visitadas, como é o caso das que existem em Espírito Santo do Pinhal, que já é referência para novos empreendimentos ligados à viticultura", disse.
IMAGENS: divulgação