Turbulências à vista na rota das privatizações
Os dois inimigos do Planalto: os políticos que se consideram donos das estatais a serem privatizadas e o calendário que fará coincidir leilões e campanha eleitoral
Muita coisa pode dar errado com o pacote de privatizações anunciado esta semana pelo governo.
E não é apenas o velho bordão das esquerdas, que se opõem ao enxugamento do Estado. É bem mais em razão do fisiologismo de políticos que controlam uma boa parte das estatais.
Duas das joias da coroa inspiram cautela. Na Eletrobrás, o PMDB controla Furnas e políticos do Norte e Nordeste são donos da Chesf e da Eletronorte. O PTB, por sua vez, acredita, desde os idos tempos de Dilma, que é proprietário da Casa da Moeda.
Apenas a Infraero não está até agora loteada. Mas as resistências dela são de ordem interna.
Seu presidente, Antônio Claret, lançou-se na quinta-feira (24/08) num lobby em que argumenta que, se vender os 14 aeroportos rentáveis (ele tem ao todo 54), ficará com um buraco operacional de R$ 3 bilhões, que o governo precisará tapar.
Esse conjunto de exemplos permite uma conclusão muito simples: Michel Temer procurou agradar o mercado, e conseguiu. No entanto, ele não tem hoje a musculatura necessária para levar adiante, de maneira integral, um programa tão ambicioso de privatizações.
As condições de privatização eram outras no final dos anos 1990, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Ele controlava a maioria do Congresso e tinha uma invejável base popular.
Além disso, as privatizações não ocorreram em vésperas de eleições, quando o estatismo veste a roupa da “defesa do patrimonio nacional” e consegue, com isso, ganhar votos.
As barreiras ao emagrecimento do Estado não é um problema apenas brasileiro. Na França, o presidente Emmanuel Macron enfrenta a queda pela metade de seus índices de aprovação, e em entrevista ao Figaro desta sexta (25/08), admitiu que programas de reforma despertam históricas resistencias. Ele também é contra a obesidade estatal.
Caso fosse aprovado do jeito que Temer concebeu, o pacote traria vantagens competitivas, pela redução do tamanho do Estado, pela mitigação dos riscos de corrupção e pela diminuição dos desperdícios operados pelas estatais.
Seriam também uma sinalização positiva para os investidores estrangeiros e colaboraria com o aumento da eficiência da economia. Em caso de privatização da infra-estrutura, haveria a melhoria dos portos e estradas para escoarem a produção.
POLÍTICOS CONTRA INTERESSES NACIONAIS
Temos, então, um quadro que se bifurca segundo duas lógicas bem diferentes. De um lado, o da modernização do Estado, objetivo que coincide com a necessidade de obter R$ 40 bilhões para conter o déficit fiscal.
De outro lado, os políticos que resistem à ideia de abandonarem as estatais, em que se instalaram e que se mantêm nelas como se elas fossem poleiros vitalícios.
Uma projeção do que poderia acontecer nos próximos meses contém más notícias para o governo. Isso em razão do cronograma de leilões de privatização, mais ou menos definido pela equipe econômica.
Por esse calendário, apenas três dos 22 lotes privatizáveis iriam a leilão ainda em 2017: a Usina de Jaguará (MG), 11 linhas de transmissão da Eletrobrás e a terceira rodada (de há muito panejada) de blocos sob o regime de partilha do pré-sal.
Os demais, por questões técnicas, ficaram para 2018, que – oh, infeliz coincidência! – também é um ano eleitoral pesado, com candidatos de deputado estadual o Maranhão a presidente da República Federativa do Brasil com toda a liberdade de, democraticamente, dar levianos palpites.
O OTIMISMO E O PESSIMISMO
Um contraponto a esse pessimismo está nas posições de Samuel Pessôa, da FGV-Rio, e hoje um dos economistas da nova geração mais respeitados.
A exemplo de outros economistas, que saudaram como positivas as medidas, Pessoa afirmou que confiava no taco da equipe econômica e nos modelos de privatização a serem desenhados.
Mas não é bem essa a visão de jornalistas e analistas que circulam pelo Congresso e esboçam um retrato das resistências.
Nenhum deles afirma, categoricamente, que as privatizações sofrem o risco de aborto. Mas dizem que o plano ambicioso do governo sofrerá algum tipo de freio.
Mais uma vez, o que está em jogo é a coincidência das eleições com o calendário dos leilões. Dentro do Partido dos Trabalhadores, por exemplo, circula a sugestão para que Lula, caso seja candidato à Presidência, coloque a reestatização entre suas promessas.
No mesmo semestre em que os brasileiros estarão votando, prevê-se a privatização, por exemplo, da rede de comunicações da Aeronáutica, da Loteria Instantânea da Caixa, do Ceasa-Minas ou da Companhia Docas do Espírito Santo.
É claro que se pode ao mesmo tempo perguntar qual a ligação que existe entre essas empresas e a proposta de soberania nacional, tão em voga durante o regime militar, sobretudo durante o governo Ernesto Geisel (1974-1979), um homem que, sem nunca ter sido de esquerda, foi quem mais criou estatais na história econômica brasileira.
A resposta é hoje simples: nenhuma. Uma coisa nada tem a ver com a outra.
A SAGA DO ESTADO NO BRASIL
O Estado, desde a ditadura de Getúlio Vargas (1937-1945), entrou firme na economia, numa época em que a poupança interna era insuficiente para qualquer investimento em infraestrutura.
Atualmente a poupança interna permanece insuficiente para o tamanho do país. Mas, ao mesmo tempo, a globalização tornou os capitais externos mais acessíveis, sobretudo neste momento, em que eles são abundantes e buscam locais para investir.
O Brasil, por sua vez, é beneficiado por um quadro internacional momentáneamente favorável. A inflação norte-americana do primeiro semestre de 2017 foi mais baixa que as projeções, o que sinaliza juros menores nos Estados Unidos e, em consequência, maior facilidade para se investir em searas emergentes.
A mídia internacional sabe disso. Para o Financial Times, o governo brasileiro tenta ampliar suas receitas e estimular os investimentos em infraestrutura. O Wall Street Journal assinala que, com os planos de privatização da Eletrobrás, as ações negociadas no Brasil atingiram patamares inéditos nos últimos seis anos.
Por sua vez, o New York Times diz que, para os investidores acreditam que o governo brasileiro está agora com um ímpeto menor de controlar a economía.
O índice Bovespa refletiu esse ambiente. Entre segunda (21/08) e quinta-feira, ele saltou de 68,6 mil para 71,1 mil pontos. Os investidores funcionam em parte com a interpretação das intenções do governo, e elas estiveram durante a semana na direção correta.
O problema está em saber se essas intenções terão uma boa tradução em fatos concretos.
Pois Michel Temer tem pela frente uma corrida de obstáculos colocados pelos mesmos políticos que votaram o impeachment de Dilma Rousseff e foram responsáveis pela ascensão dele ao poder.
FOTO: Bruno Dantas/ Wikimedia Commons