Sinal verde na economia, amarelo na articulação política
Black Friday e Natal serão bons para o varejo, disse Fernando Honorato Barbosa, economista-chefe do Bradesco, na reunião de Conjuntura da ACSP. Mas Lula precisa usar habilidades de negociação para política econômica ser bem sucedida
Menor nível de desemprego desde 2014, renda crescendo, queda da inflação, redução gradual da inadimplência. A economia brasileira está resiliente, e isso será muito bom para o consumo, sinalizando boas perspectivas para as principais datas do varejo que se aproximam, como Black Friday e Natal.
Porém, o governo Lula precisa reforçar suas habilidades de articulação política para garantir o sucesso pleno de medidas importantes para a economia, como o arcabouço fiscal.
A avaliação é de Fernando Honorato Barbosa, economista-chefe e diretor do departamento de pesquisas econômicas do Bradesco, que participou, no início da semana, de reunião do Comitê de Avaliação de Conjuntura da Associação Comercial de São Paulo (ACSP).
O arcabouço fiscal, que substituiu as regras do teto de gastos, cria mecanismos para controlar o endividamento público. Mas para que funcione, depende de cortes de despesas - um caminho que a gestão Lula parece não seguir - ou do aumento de arrecadação, algo que passa, necessariamente, pelo bom diálogo entre governo e Congresso - o que não acontece no momento.
Na avaliação de Barbosa, se o arcabouço fiscal não é o ideal, ele reduz o risco de descontrole da dívida pública e fará com que ela cresça menos que a média do G-20. Porém, para que ele tenha um sucesso pleno, o governo terá de conseguir levar adiante os aumentos de impostos no Congresso, e para isso é importante que a articulação política funcionar, já que a representatividade de aliados do governo no Congresso é pequena (46% dos parlamentares).
"Quando vejo a atual coalizão política, me preocupa o quanto vão conseguir dessa agenda de impostos", disse o economista.
Ele afirma ter a impressão de que o presidente acredita profundamente que, com essa política, vai fazer a economia crescer e resgatar sua aprovação sem ter que ceder muito espaço.
"Então será importante que Lula use suas habilidades de articulação política, pois esse caminho de melhora da economia só vai acontecer se ele conseguir operar essa coalizão", concluiu.
RISCOS PARA A ECONOMIA
Segundo Barbosa, a volta da inflação continua no radar do mercado por três motivos principais: a alta do petróleo, um período mais prolongado de juros nos Estados Unidos e a desaceleração da China.
No caso da China, Barbosa lembrou que a queda da economia do país asiático pode levar a economia global para baixo - Embora reconheça que há espaço na política monetária global para se contrapor a esse movimento.
CENÁRIO POSITIVO
No contexto interno, a política econômica que visa impedir a desaceleração da economia, pelo menos no curto prazo, tem sido puxada por fatores como o aumento do salário mínimo, o adicional por filho no Bolsa Família, aumento salarial de servidores e programas como o Desenrola e o automotivo.
Barbosa pontuou ainda a renovação de políticas anticíclicas, como o Minha Casa, Minha Vida, financiamentos pelo BNDES e medidas importantes como o já aprovado arcabouço fiscal e a reforma tributária, ações que, segundo o economista, ajudam a manter a economia minimamente aquecida para os juros continuarem a trajetória de queda.
Se no início do governo Lula o receio do mercado era que a economia fraquejasse no meio do caminho, ainda que ele "saisse apertando botões para a estimulá-la", podendo até desorganizar o ambiente político e a própria economia, a queda nos níveis de desemprego (7,6%) ajudou a atenuar isso.
Em paralelo a essa melhora no mercado de trabalho, puxada pela supersafra agrícola, houve queda da inflação (10,21% para 3,99% em três anos) - principalmente nos preços mais relevantes para a baixa renda, os de alimentos.
E, mesmo que o endividamento das famílias ainda seja algo relevante nesse momento, já que subiu de R$ 17 bilhões para R$ 43,7 bilhões desde 2020 no cartão de crédito, e não do crédito mercantil do varejo, é possível ver sinais de melhora e perspectivas de um orçamento mais equilibrado em 2024.
Nesse contexto de queda de inflação, mais a melhora na renda do trabalho, transferências do governo e os benefícios sociais, a massa de salários mais a renda disponível para consumo estão crescendo, tanto em 2023 (4,9%) quanto em 2024 (4,3,%), e devem chegar a R$ 5,2 trilhões, destacou.
Pelas projeções do economista, o crescimento na renda é de 4,5% acima da inflação, sustentável e que vai impulsionar o consumo. "O que vão fazer com essa renda é outra história, pode ir para pagar dívidas. Mas acho que vai ser um pouco dos dois, e com a queda na Selic e aumento da massa salarial, estamos bem confortáveis."
MEA CULPA
O economista fez uma espécie de mea culpa de todos os colegas da área que, segundo ele, ficaram muito pessimistas com o PIB brasileiro nos últimos anos. E disse que todos estavam "errados", lembrando que o Brasil sempre cresceu pouco abaixo do resto do mundo.
De 1981 a 2023, por exemplo, enquanto o PIB global foi de 3,3%, o Brasil cresceu 2,1%. Em anos de crise (1981-1983, 1988, 1990-1992, 1999, 2015-2016), a equação foi de 2,5% e -1,7% e, sem crise (demais anos), 3,5% e 3,3%, respectivamente.
"O Brasil produz as próprias crises (vide governos Collor e Dilma, e a moratória nos anos 80, por exemplo), mas enfrenta e evita que sejam piores, por isso consegue crescer perto da economia global."
IMAGEM: ACSP/Divulgação