Saiba como o governo usa a segurança e os militares
Raul Jungmann é nomeado ministro da Segurança Pública, coroando a militarização do aparato policial do Rio de Janeiro. Ibope diz que quem lucra é Temer

A segurança pública entrou em cheio na agenda política brasileira, e é provável que se torne um dos temas predominantes entre os candidatos que disputarão em outubro a sucessão de Michel Temer.
O assunto apareceu de uma hora para outra no Planalto, quando na penúltima sexta-feira (16/02) o presidente assinou decreto de intervenção na segurança pública do Rio de Janeiro.
Ele tomou carona na impressão de que o Carnaval fluminense havia sido excepcionalmente violento. Não era verdade. Assaltos e latrocínios ocorreram em menor número que nos anos anteriores.
Mas o que valia era a sensação de que o crime organizado colocara o Estado do Rio “de joelhos” e que, sem uma iniciativa federal, entraria em colapso a burocracia local, financeiramente quebrada e corrompida pela gestão Sérgio Cabral (MDB).
Com o general Braga Netto investido nas funções de interventor, Temer lançou como balão de ensaio a ideia de criar um Ministério da Segurança Pública.
O MINISTÉRIO DE NÚMERO 29
Em termos de organograma, a nova Pasta – a 29ª do atual governo – centralizaria as ações da Polícia Federal, que deixaria de estar subordinada ao Ministério da Justiça.
O fato é que, nesta segunda-feira (26/02), anunciado o deslocamento de Raul Jungmann da Defesa para a Segurança Pública, a Polícia Federal sentiu um profundo alívio, segundo confidências do site O Antagonista.
Poderia acontecer o oposto. A maior trapalhada do governo consistiu, há semanas, na entrevista em que o ministro da Justiça, Torquato Jardim, afirmou –não se sabe ao certo baseado em quê –que os policiais não haviam encontrado provas de comprometimento de Temer com um esquema de corrupção montado entre concessionárias do Porto de Santos.
Agora, os delegados da DPF aparentemente acreditam em duas coisas.
A primeira é que Jungmann não cortará as asas das investigações de corrupção, e a segunda é que o ministro não destacará os policiais para o combate ao crime organizado, sobretudo ao narcotráfico, em detrimento da Lava Jato.
Em termos de apoio da população, Temer começava pela primeira vez em muitos meses a andar na direção correta. Tanto que pesquisa encomendada pelo Planalto ao Ibope, e que a Folha de S. Paulo revelou, indica que 64% dos brasileiros apoiam o novo ministério.
Ao centrar a pauta do governo na segurança pública, Temer procura apagar a imagem negativa que a Reforma da Previdência ganhou, em artimanhas nas quais a oposição de esquerda se mostrou mais competente.
NÃO É O SONHO DA “BANCADA DA BALA”
De certo modo, o plano para a nova Pasta da Segurança já vinha de longe, e surgiu no Congresso entre deputados e senadores da chamada “bancada da bala”.
Mas esses parlamentares, que se exprimem com a mesma linguagem que o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), não precisam festejar a suposta aproximação do governo com o concorrente mais à direita ao Planalto.
E a razão para isso é simples. Temer não está montando um Ministério para promover o rearmamento da população e para abrandar as restrições sobre a venda de armas de fogo.
E para tanto basta se deter na biografia do ministro Raul Jungmann. É um homem originariamente da esquerda. Hoje com 66 anos, ele foi militante clandestino do Partido Comunista Brasileiro, de cuja transformação no reformista PPS ele participou de modo ativo, ao lado do deputado Roberto Freire (PPS-SP).
Jungmann foi também deputado federal, presidente do Incra e ministro do Desenvolvimento Agrário nos governos de Fernando Henrique Cardoso. Sobre ele não pesa nenhuma denúncia que comprometa sua reputação.
Temer é o primeiro a saber disso, e aposta suas fichas em alguém cujo perfil contrasta com o de aliados ainda soltos, como o presidente nacional do MDB, Romero Jucá, ou de aliados já presos, como Geddel Vieira Lima ou Eduardo Cunha.
“VERDE-OLIVA IS BEAUTIFUL”
Além de Jungmann, a estrutura oficial se vê de uma hora para outra arejada com a presença de militares de alto escalão.
Há anos pesquisas indicam que as Forças Armadas são vistas de maneira positiva pelos brasileiros, em razão do profissionalismo e da aversão à corrupção.
Pois agora assume o Ministério da Defesa o general Joaquim Silva e Luna, que será o superior hierárquico do interventor militar da segurança no Rio e do secretário estadual de Segurança Pública que ele indiciou, o general Richard Nunes.
Essa profusão verde-oliva está servindo para desativar com maior facilidade as bombas-relógio que a oposição tem armado contra a intervenção.
Dois exemplos. Fotografia que circulou nas redes sociais mostravam soldados revistando com truculência as mochilas de crianças. Em poucas horas, no entanto, se espalhou a versão verdadeira.
A foto era de abril de 1994 (governo Itamar), e os soldados verificavam a informação de que crianças estavam sendo usadas por traficantes para o transporte de drogas ou partes de armas desmontadas.
A seguir, a mídia relatou, na semana passada, que militares estavam “fichando” moradores de favelas, fotografando-os com o celular. Eles só podiam sair de suas casas se mostrassem o RG.
Quem desta se apressou em falar foi o general Sérgio Etchegoyen, ministro do Gabinete de Segurança Interna do Planalto. Ele negou, em Porto Alegre, que os moradores estivessem sendo fichados.
Dentro desse clima de boa vontade, não há iniciativa consistente e articulada da oposição. Surgiram dois observatórios sobre a intervenção no Rio. Mas ambos têm cores oficiais.
O primeiro nasceu sob a inspiração de Rodrigo Maia, o presidente da Câmara dos Deputados, para discutir políticas públicas que contenham a criminalidade.
E o segundo foi sugerido pelo ministro interino dos Direitos Humanos, Gustavo Rocha. Ele afirmou à blogueira Andréia Sadi que não quer ser um contraponto ao interventor, mas deseja apenas colher “opiniões diferentes”.
FOTO: Tânia Rego/Agência Brasil