Quem paga os juros do parcelado "sem juros"?

Pagamentos à vista sem desconto subsidiam prazo maior das compras no cartão de crédito

Vitor França
27/Jul/2017
Economista pela FEA-USP e mestre em economia pela FGV-SP
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Quem paga os juros do parcelado "sem juros"?

Os especialistas em finanças pessoais costumam dizer que não existe parcelamento sem juros, uma vez que as despesas com juros já estariam embutidas nos preços finais das mercadorias.

Entretanto, a modalidade costuma parecer vantajosa aos consumidores e ainda responde por mais de 30% das vendas dos lojistas realizadas no cartão (considerando aqui as vendas nos cartões de crédito e débito).  

Mas se os juros já estão embutidos nos preços dos produtos, quem, exatamente, está arcando com esses custos? Todos os consumidores, igualmente? Vejamos.

Ao realizar vendas parceladas sem juros no cartão de crédito, o lojista arca com pelos menos duas despesas – além do aluguel das maquininhas:

•Taxa de desconto sobre o valor de cada venda, paga pelo lojista à credenciadora (dona da maquininha) e que é mais elevada no caso das vendas parceladas, conforme é possível deduzir do gráfico a seguir;


•Taxa de juros, uma vez que, no caso das vendas do tipo parcelado lojista, o estabelecimento comercial recebe o valor da venda em parcelas mensais. A taxa de juros, como se sabe, representa o custo do dinheiro no tempo.

Os valores que o estabelecimento recebe apenas mensalmente poderiam estar aplicados no mercado financeiro, por exemplo, rendendo juros. Ou, caso o estabelecimento opte por receber antecipadamente o valor da venda, em uma operação conhecida como antecipação de recebíveis, ele pagará uma taxa de juros ao banco ou à credenciadora que realiza o empréstimo (cerca de 2% ao mês).

O preço das mercadorias, de maneira geral, é definido pela aplicação de uma margem sobre as despesas do estabelecimento comercial. Assim, se o lojista considerar todos os custos das vendas no cartão na formação dos preços finais ao consumidor, pode-se dizer que, de fato, os juros já estariam embutidos nos preços das mercadorias.   

Digamos que, ao realizar uma venda de R$ 300, o lojista ofereça ao consumidor a opção de parcelar o valor, “sem juros”, em 3 vezes, mas não ofereça desconto para o pagamento em uma única parcela.

O consumidor, ao optar pelo parcelamento, poderia aplicar os recursos das parcelas restantes no mercado financeiro e receber juros.

No caso acima, assumindo uma taxa de juros de 1%, ele pagaria os R$ 100 da primeira parcela e aplicaria R$ 200 por um mês e R$ 100 (mais os juros do saldo anterior) por dois meses, os quais renderiam pouco mais de R$ 3. Parece pouco, certo? Vale lembrar, porém, que as vendas parceladas movimentam não R$ 300, mas mais de R$ 300 bilhões por ano.

Assim, caso o parcelamento da compra não implique maior risco de descontrole das finanças pessoais – o que pode ser considerado um custo para o consumidor –, sempre valerá a pena parcelar “sem juros”, uma vez que o valor final do produto será menor (R$ 297, no caso do exemplo acima, resultado da diferença entre o valor da compra e o rendimento do saldo a pagar) do que no caso do pagamento em uma única parcela (R$ 300).

É verdade, portanto, que não existe parcelamento sem juros. Ao mesmo tempo, a modalidade pode ser vantajosa ao consumidor caso não haja desconto para pagamento em uma única parcela. O mais interessante, assim, talvez seja saber quem, afinal, está pagando esses juros. Caso não haja desconto nas vendas à vista, pode-se dizer que quem paga à vista está arcando (ao menos em parte) com os custos dos juros de quem opta pelo parcelamento da compra.

A situação descrita acima, em que um grupo de consumidores paga preços maiores para subsidiar outro grupo, é caracterizada pela existência de “subsídios cruzados”. Quem paga em uma única parcela sem desconto está subsidiando quem parcela “sem juros” as compras.

Da mesma forma, quem paga à vista sem desconto está subsidiando o prazo maior de pagamento e até o acúmulo de pontos no programa de fidelidade de quem paga com cartão de crédito – benefício não concedido a quem paga no dinheiro ou no cartão de débito. Assim como o maior prazo de recebimento dos lojistas está subsidiando o maior prazo de pagamento dos consumidores que utilizam o cartão de crédito.

A permissão de cobrar preços diferenciados de acordo com o prazo e o meio de pagamento aprovada recentemente tem potencial para reduzir parte dos “subsídios cruzados” no mercado de cartões – especialmente se os lojistas levarem em consideração todos os custos relacionados aos diferentes prazos e meios de pagamento –, tornando, com isso, mais justo e transparente o sistema de preços.

O jeitinho brasileiro de parcelar as compras

O parcelamento no cartão de crédito, descendente direto do já quase extinto cheque pré-datado, foi incorporado aos hábitos de consumo dos brasileiros.

Para muitos consumidores, o valor das parcelas acaba pesando mais até do que o valor total do produto na decisão de compra – o valor médio de uma compra em 7 ou mais parcelas (R$ 998) supera em 15 vezes o valor médio de uma compra no débito (R$ 63).

Além disso, sem desconto para pagamento à vista, o parcelamento “sem juros” das compras é quase sempre uma opção financeiramente vantajosa para o consumidor.

 Entretanto, seja por causa da crise e do aperto das finanças pessoais, seja pelos elevados custos do parcelamento para o lojista, as vendas parceladas vêm perdendo espaço no valor total transacionado nos cartões de crédito e débito.  

De acordo com dados divulgados recentemente pelo Banco Central, a participação do cartão de débito no faturamento total dos cartões subiu de 36,9% em 2014 para 39% em 2016, atingindo, assim, o maior valor da série histórica iniciada em 2008. A participação das vendas no cartão de crédito em uma única parcela também subiu, de 30,7% para 30,9%.

O faturamento das vendas em 2 ou 3 parcelas, por sua vez, representou 13% do total das vendas com cartão em 2016, o menor valor da história. O recorde negativo também foi registrado nas vendas de 4 a 6 parcelas (9,6% do total).

No caso do faturamento das vendas em 7 ou mais parcelas, a participação recuou de 8,3% em 2014 para 7,5% no ano passado.

O crescimento da participação da modalidade débito, mais barata para os lojistas – tanto pela menor taxa de desconto quanto pelo menor prazo de recebimento (2 dias, contra 30 dias no caso do crédito em uma parcela) –, pode ganhar força com a nova lei que permite a cobrança de preços diferenciados de acordo com o prazo e o meio de pagamento.

Sem alterações mais radicais na organização do sistema, porém – como, por exemplo, a redução do prazo (hoje de 30 dias) de pagamento aos lojistas das vendas feitas no cartão de crédito –, o parcelamento “sem juros” deve manter uma participação elevada nas vendas dos estabelecimentos comerciais, especialmente daqueles que comercializam bens e serviços de preços mais altos, como móveis, eletrodomésticos e materiais de construção, cujas vendas são mais dependentes das condições de financiamento.  

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