Que filme ver hoje?
O paradoxo das escolhas, o princípio da escassez e alguns bons motivos para levantar do sofá e visitar um dos cinemas de rua de São Paulo. Opções não faltam, como o Cineclube Cortina (na foto), Cinesala, Petra Belas Artes, Reserva Cultural, Cine Marquise e outras tantas
A que filme assistir hoje? Ainda não sei, mas, se for assistir em alguma plataforma de streaming, é bem provável que eu gaste boa parte do meu escasso tempo tentando encontrar o filme ideal; e é quase certo que termine a noite frustrado com a minha escolha.
Há várias razões para isto. Uma delas está ligada ao que o psicólogo norte-americano Barry Schwartz chamou de “paradoxo das escolhas”: diante de uma infinidade de opções disponíveis, criamos a ideia de que existe uma escolha perfeita; na busca deste ideal, tendemos a ficar frustrados após a tomada de decisão, nos questionando se não haveria outra opção melhor.
Outra razão para a nossa frustração talvez seja até mais simples: entre tantos filmes disponíveis e constantes novidades, é natural que grande parte deles seja mesmo “ruim”. Ué, mas não foi sempre assim?
De certa forma, sim, é verdade, já que grande parte dos filmes não passa mesmo de mero entretenimento – e não há qualquer problema nisto. A diferença principal, contudo, é que todos os filmes não estavam disponíveis em qualquer lugar e a todo momento; havia uma limitação física.
Outro aspecto importante que parece ter mudado nos últimos anos, com o avanço das plataformas de streaming, é o processo relacionado a escolher e assistir a um filme, o qual costumava envolver uma combinação bastante peculiar de curadoria especializada, interação social e, principalmente, experiência urbana.
Como um típico millenial, confesso que sinto uma baita saudade de todo aquele ritual que envolvia a ida até a videolocadora e a escolha de um filme – para quem quiser matar um pouco dessa saudade ou mesmo entender melhor o que era uma locadora de filmes, ainda há uma em funcionamento no térreo do Edifício Copan, a Vídeo Connection.
Como nas plataformas de streaming, também havia nas locadoras uma infinidade de filmes, é verdade. Era preciso, contudo, sair de casa e ir até lá (uau!), e a escolha costumava ser facilitada pela pessoa que trabalhava lá, quase sempre apaixonada por cinema, com quem normalmente era uma delícia trocar ideias sobre filmes e preferências cinematográficas.
No caso particular dos lançamentos, o número limitado de fitas VHS ou DVD’s disponíveis atribuía um valor especial ao ato de conseguir alugar um filme recém-saído dos cinemas – aos quais eu, na casa dos 11 ou 12 anos de idade, ainda não costumava ir com tanta frequência.
Recordo do entusiasmo lá em casa quando voltamos da locadora com “A lista de Schindler”, de 1993, ou com “Forrest Gump”, de 1994. Lembro com muito carinho também das idas com os amigos do colégio à Blockbuster na entrada do Continental Shopping e das sessões com eles de “Assassinos por natureza”, de 1994, ou de “Seven – Os sete crimes capitais”, de 1995.
Parecia valer ali, no caso dos lançamentos, o “princípio da escassez” – do psicólogo comportamental Robert Cialdini –, segundo o qual a atratividade de um produto ou serviço seria inversamente proporcional à sua disponibilidade.
Que seres contraditórios nós somos, não? Parecíamos mais felizes e entusiasmados diante da escassez de filmes do que agora, quando toda a história do cinema está ao alcance de poucos cliques.
Ah, Vitor, você está ficando velho e nostálgico, isso sim. Continuamos infelizes como sempre fomos, sempre querendo mais do que temos. Neste sentido, ter mais opções ainda será sempre melhor do que ter menos. Além do mais, há curadoria de muita qualidade no Youtube e nas redes sociais, onde também é possível trocar impressões e preferências cinematográficas com pessoas de todo o mundo.
Talvez você tenha razão e eu esteja mesmo ficando velho e nostálgico...
Uma experiência do passado que as plataformas e as redes sociais não conseguem reproduzir, porém, – e não me venha aqui falar em metaverso! – é a experiência urbana. Videolocadoras, afinal, eram espaços incríveis de encontros e convivência, repletos de filmes espalhados por prateleiras e lindos pôsteres colados nas paredes...
Com o tempo – e o fim das videolocadoras –, reencontrei aquela experiência urbana do início da adolescência nos cinemas de rua. Hoje, o Cinesala, na Fradique Coutinho, em Pinheiros, é o meu preferido: uma única sala no térreo de um predinho residencial, com a bilheteria virada para a rua, um charmoso bar na entrada e a decoração repleta de pôsteres de filmes antigos.
Sobre a experiência de assistir a um filme no cinema, muito já se falou a respeito do processo de total imersão que só é possível em uma sala de exibição, muito diferente da sala de casa, onde a experiência pode ser prejudicada pelas muitas distrações e interrupções.
Um elemento adicional que precisa ser levado em consideração e valorizado na ida ao cinema, porém, é a experiência urbana. Mesmo que o filme não seja lá dos melhores, por exemplo, ainda assim uma ida ao Petra Belas Artes sempre valerá a pena pela bela decoração do cinema e pela vista incrível que o janelão do primeiro andar proporciona do cruzamento da Paulista com a Consolação. Dá para ficar um bom tempo hipnotizado ali, como se estivéssemos olhando para... uma tela de cinema!
No Reserva Cultural, a ida ao cinema pode ser acompanhada por uma visita à livraria, um café ou uma refeição no charmoso bistrô com vista para os passantes na agitada Avenida Paulista – outro enquadramento fantástico e bastante singular da cidade. No subsolo do Conjunto Nacional – um dos edifícios mais icônicos de São Paulo –, também na Avenida Paulista, o Cine Marquise merece uma visita.
Por mais que assistir a um filme seja uma atividade introspectiva, somos seres sociais, gostamos de ver gente, e os cinemas de rua costumam proporcionar isto em espaços cuidadosamente planejados e decorados, o que torna a experiência muito mais rica do que a de simplesmente ver um filme na sala de casa.
Além disto, os cinemas de rua costumam contar com uma excelente curadoria, o que diminui um pouco o leque de opções disponíveis e talvez ajude na escolha mais segura do que assistir.
Dia destes, por exemplo, depois de algum tempo pulando de plataforma em plataforma de streaming em busca de algo para ver, eis que descubro que o recentemente inaugurado Cineclube Cortina estava exibindo alguns dos meus novos clássicos favoritos como “Antes do Amanhecer”, “Antes do Pôr do Sol”, “Alta Fidelidade” e “De olhos bem fechados”. Adorei a curadoria!
Ah, Vitor, mas quase todos estes filmes podem ser vistos na HBO Max...
Sim, verdade, o que é ótimo, mas com certeza a experiência de reassistir em casa não se compara à de ir até o maravilhoso bairro da República, a um espaço cultural surpreendente, construído no lugar de um estacionamento, que além da sala de exibição ainda conta com bar, restaurante e uma instalação artística na qual, veja só, é possível assistir a filmes em fitas VHS, como as que alugávamos nos primórdios das locadoras!
A pandemia parece ter consolidado de vez as plataformas de streaming nos nossos hábitos culturais. Ao mesmo tempo, todo o período de confinamento parece ter feito crescer a demanda por espaços de socialização. Assim, nem mesmo a crise pela qual passa o setor de cinemas impediu que novas salas abrissem as portas, como é o caso do Cineclube Cortina e do Cine LT3, pertinho de casa, em Perdizes.
Sim, um cinema de bairro, a uma pequena caminhada de casa. Estou ansioso para conhece-lo.
Hoje, por sinal, talvez eu arranje um tempinho para um filme e, desta vez, não perderei meu tempo procurando o filme ideal nas muitas plataformas de streaming que assino...
Ainda não tenho ideia do que vou ver, mas, com certeza, já sei onde: lá no Cine LT3!
Para conhecer a locadora e os cinemas e rua mencionados:
- Video Connection
Avenida Ipiranga, 200 – República, São Paulo
- Cinesala
Rua Fradique Coutinho, 361 – Pinheiros
- Petra Belas Artes
Rua da Consolação, 2423 – Consolação
- Reserva Cultural
Avenida Paulista, 900 – Bela Vista, São Paulo
- Cine Marquise
Avenida Paulista, 2073 – Cerqueira César
- Cineclube Cortina
Rua Araújo, 62 – República
- Cine LT3
Rua Apinajés, 135a – Perdizes
IMAGEM: Cineclube Cortina/divulgação