Quarentena faz vendas à distância virarem moda no Bom Retiro
No tradicional bairro de comércio paulistano, Whatsapp e envio de kits com peças selecionadas para cliente escolher ganham força na tentativa de driblar queda de mais de 50% nas vendas
Com cerca de 1,5 mil estabelecimentos entre lojas e confecções, as tradicionais ruas de comércio do Bom Retiro tentam contornar os efeitos das medidas restritivas de isolamento social no combate à covid-19.
Numa região onde circulavam, em média, 80 mil pessoas por dia, chegando a 120 mil às sextas e sábados e picos de 180 mil em datas como Natal, Black Friday ou Dia das Mães, os lojistas agora buscam outras formas de segurar a clientela para, na retomada, estarem prontos para voltar aos níveis de vendas do pré-pandemia.
Acostumados ao olho-no-olho, boa parte dos comerciantes da região têm se adaptado para vender remotamente, procurando intensificar suas operações via sites, marketplaces e pelas redes sociais.
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Hoje, pouco mais de um terço dos lojistas da região (35%) têm estrutura para vender pela internet, segundo Nelson Tranquez, vice-presidente da Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL) do Bom Retiro.
"Quem não investia nisso, passou a investir. E quem ainda resiste, precisa fazê-lo o quanto antes."
E não é por menos: desde setembro, as vendas já não vinham bem, segundo Tranquez - exceto em novembro, com a Black Friday. Continuaram fracas de dezembro em diante e o movimento, que já caminhava devagar, caiu mais de 50% já na primeira quinzena de março, poucos dias antes da aplicação das medidas restritivas.
"Abril, então, foi muito ruim: as vendas médias representaram entre 5% a 8% do que se costuma vender nessa época", diz. Já a queda média de 50%, que persiste, só não aumenta por um bom motivo: as vendas remotas.
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Nesse cenário, o Whatsapp ganhou força entre os lojistas do Bom Retiro. Afinal, é através dele, e bem antes da pandemia, que os vendedores cadastraram, fidelizaram e, agora, se comunicam com clientes constantemente.
Com as lojas abertas, os clientes já retornavam esse contato pela ferramenta, afirma Tranquez. E nesse momento em que a comunicação é essencial, quem criou esse bom relacionamento tem conseguido vender.
"A gente não precisa de venda, precisa de cliente. Quem tem clientes fiéis, trata muito bem e oferece uma ótima experiência de compra mesmo pela rede social, sempre vende", destaca o vice-presidente da CDL.
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Outra estratégia para vender à distância que tem se intensificado na região é o 'provador delivery': se a cliente quer calças, por exemplo, pede pelo Whatsapp e recebe uma 'malinha' com 10 a 15 peças para experimentar.
A prática, bastante comum em butiques de áreas nobres, como as do Jardins, agora pegou de vez no Bom Retiro. "A cliente fica com o que gosta, paga, e o que não gosta devolve", afirma. "Estamos fazendo tudo para vender, e usando a criatividade para perder o menos possível", completa Tranquez.
Exclusivamente em São Paulo, muitas lojas entregam o kit e buscam as peças depois, diminuindo custos com o frete. "O cliente olha o catálogo, escolhe produtos, numeração e, quando chega, passa o cartão e pronto", conta o vice-presidente, que diz que, a cada dez peças enviadas, três, em média, ficam com o cliente.
Mas, em tempos de pandemia, os lojistas têm atendido pedidos de todo o Brasil.
"Acreditamos que essa será uma das modalidades de venda que vai se firmar para uma retomada mais rápida. Afinal, não dá para perder nada", diz.
SE VIRANDO NOS 30
Quando tudo começou, no início de março, o Bom Retiro se preparava para o lançamento de coleção outono-inverno. A proximidade da meia-estação é uma época importante para o varejo de moda, segundo Nelson Tranquez: além do Dia das Mães, o frio geralmente está chegando e leva o consumidor a comprar peças novas.
A parada obrigatória pegou todo mundo abastecido: não como antes, pois a maioria das confecções pôs o pé no freio e produziu menos. Então, o prejuízo foi menor pois ninguém tinha estoque em excesso.
"Mas esse ano realmente nós perdemos vendas nesse período, e no comércio isso não tem como recuperar", lamenta, dizendo que, como esses produtos são sazonais, uma solução no curto prazo é ter de liquidar.
Depois de mais de 60 dias sem venda, Tranquez sinaliza que muitas lojas terão problemas, e não devem aguentar até a volta. "Na retomada, vamos encontrar um mercado que vai comprar, mas não do jeito que todos gostariam: a preocupação com desemprego e a queda na renda devem frear o consumidor."
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Para tentar contornar essa situação, entre 30% e 40% das lojas optaram por suspender contratos de trabalho para não demitir. Algumas demitiram, mas cada empresa trabalhou de uma forma, segundo Tranquez: muitas fábricas foram desativadas, mas a equipe da loja foi mantida para vender o que foi produzido.
Com isso, a parte comercial foi menos afetada, e as confecções foram as mais atingidas. "Como a pandemia pegou aqui no Brasil em março, a essa altura muita gente já estava com quase tudo produzido."
Outras lojas, com imóvel alugado, têm direcionado esforços para renegociar contratos ou baixar um pouco preço do aluguel nesses meses. "Percebemos umas oito lojas que fecharam as portas, e marcas que tinham duas, três lojas devem ter fechado pelo menos uma. Também há muitas placas novas de aluga-se."
E quando tudo isso acabar? Tranquez lembra que, antes mesmo da quarentena, aos primeiros sinais de contágio, as lojas já vinham higienizando provadores com álcool a cada cliente, e limpando o ambiente a todo momento. Cuidados que serão mantidos, ou o cliente não terá mais confiança para voltar a comprar.
"Agora, é torcer para surgir a vacina que combata esse vírus e antecipe a volta ao normal o quanto antes", afirma. "Mas, por enquanto, vamos usar todas as ferramentas possíveis, e fazer o que puder para vender."
E O DIA DAS MÃES?
Com as vendas de vestuário andando a passos de tartaruga - à exceção dos três últimos novembros, que tiveram bom desempenho com a Black Friday, segundo Tranquez -, o Dia das Mães foi bem fraco.
Quem tem loja virtual ainda pode ter vendido um pouco, afirma. Mas, de modo geral a queda foi alta: muitos tiveram de baixar muito os preços da nova coleção, começaram a liquidar...
"Se dividirmos o ano em 12, tirando os meses mais fracos, sobram uns oito que vendem mais. E só o Dia das Mães representava 15% a 20% das vendas, era o segundo Natal de antes", afirma.
Sócio-proprietário da Loony Jeans, Tranquez conta que, em conversa com outros lojistas, a percepção geral é que nem deu para sentir a alta das vendas na data. Em sua empresa, que normalmente comercializa, em média, de 18 mil a 20 mil peças no período, este ano vendeu algo em torno de 700, apenas.
"As vendas do Dia das Mães empataram em 2018 e 2019, crescendo cerca de 20%. Mas esse ano foi como se praticamente nada tivesse acontecido: se vendemos 1%, 2% do que esperávamos, foi muito."
Mesmo para o Dia dos Namorados, pouco representativo para as lojas da região, segundo Tranquez, fica difícil saber se o consumidor comprará mais ou menos. "Tudo vai depender dos esforços para vender à distância."
FOTOS: Will Chaussê / Daniel Linguite (Fotos Públicas) /Ronny Santos