Por que a "pacificação" desejada por Temer é ainda impossível

A sociedade não deixou de estar conflagrada com o fim do processo de impeachment. Os partidários de Dilma e Lula continuam mobilizados para o confronto

João Batista Natali
07/Set/2016
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Por que a "pacificação" desejada por Temer é ainda impossível

Ao menos duas vezes o Michel Temer se referiu ao desejo de que o impeachment abriria condições para a construção de um país “pacificado”. Foi em dezembro do ano passado e na véspera da votação, que em 31 de agosto defenestrou Dilma Rousseff.

Mas nas duas oportunidades o presidente estava enganado.

Alguns indícios agora confirmam que o governo já dá alguns passos para tentar superar a conflagração dos que acusam de “golpe” e que, no domingo (04/09), deram demonstração de força em ato público em São Paulo.

Moreira Franco disse ao Estado de S. Paulo que o Planalto se comportou com uma “soberba” que permitiu que ganhassem espaço o Partido dos Trabalhadores e seus aliados.

Por sua vez, o secretário do Governo Geddel Vieira Lima, segundo a Folha de S. Paulo, recebeu nesta segunda-feira (05/09) representantes do MST e da Contag, que, aparentemente desarmados de sectarismos, pediram mais terras para a reforma agrária e a retomada de programas habitacionais.

Nada indica, no entanto, que esse embrião de diálogo tenha a tendência a prosperar. A sociedade, em definitivo, permanece separada por um abismo que tende, por enquanto, a se alargar.

O Planalto sabe que em termos matemáticos a atual oposição permanece minoritária. No final da semana passada pesquisa indicava que 65% dos brasileiros haviam apoiado o impeachment.

Mas a quantificação esconde a força de mobilização diferenciada e o deslocamento do eixo de intenções com que se confrontam os partidários e adversários de quem ocupa atualmente o Planalto.

Os que saíram às ruas para se opor a Temer não querem a volta de Dilma. Falam agora de eleições presidenciais antecipadas, o que é institucionalmente uma impossibilidade absoluta.

E os que poderiam, no domingo, ter festejado na avenida Paulista a queda da ex-presidente não demonstraram entusiasmo e preferiram ficar em casa.

Mesmo com desejos agora deslocados por força de tudo o que aconteceu nos últimos nove meses, ainda prevalece a lógica pela qual o PT, há pouco mais de 13 anos, reconstruiu sua identidade política por meio da radical exclusão dos potenciais aliados de centro e centro esquerda.

O “nós contra eles” não foi apenas o resultado de um jogo retórico pelo qual a Casa Civil do primeiro governo Lula passou a reescrever a história ao utilizar levianamente a ideia de “herança maldita”.

Foi bem mais que isso. Tratava-se de apenas aceitar o exercício do poder com o PT em posição hegemônica. Mas essa hegemonia deixou rapidamente de ser ideológica para se transformar em algo, digamos, “funcional”.

Foi a cooptação fisiológica de pequenas bancadas que deu origem ao mensalão e em seguida a todos os desvios comprovados pela Lava Jato.

O problema, porém, é que essa imensa mancha ética na história do petismo nunca chegou a ser vista como tal. Havia sempre um conjunto de narrativas que contrapunha. às evidências criminosas, os argumentos de que as supostas elites estavam desencadeando uma operação de vingança, porque os governos Lula e Dilma praticavam políticas públicas de inclusão social.

E não era um argumento exclusivo ao aparelho partidário e a seus tentáculos imediatos (prefeitos e deputados estaduais, governadores e bancadas no Congresso).

Foi algo que atingiu a capilaridade de amplos setores com afinidades ao PT, em minorias da Igreja católica, em maiorias das universidades públicas, no meio artístico ou até mesmo na mídia.

Esse aparato se mobilizou desesperadamente, dentro e fora das redes sociais, para evitar que o impeachment ocorresse. Mas o impeachment ocorreu.

É, portanto, previsível que, agora, em lugar de se fechar para um período de reflexão sobre os malfeitos ocorridos na administração pública, essa coalizão de antigas chapas-brancas continue a raciocinar em bloco, como se estivesse se preparando para uma guerra civil.

Tudo isso é para Temer um seríssimo problema, porque o sectarismo impede que se monte uma mesa de negociações para discutir projetos que tirem o país da recessão com uma repartição negociada de custos a serem pagos.

Essa mesa simplesmente não existe, e o Congresso, que poderia teoricamente abrigá-la, tem hoje uma oposição que cospe fogo pelo nariz e certamente continuará a criar dificuldades para o governo e para a sociedade, mesmo nos espaços institucionais em que governo e sociedade têm os mesmos objetivos (inflação menor, queda do desemprego).

É verdade que a suposta existência de um golpe virou um estereótipo verbal que alimentou Lula e Dilma nos momentos finais do impeachment e que agora continuam a alimentar toda a rede de atua como um bloco de simpatias ao PT.

Com essa rede motivada e em funcionamento, Temer e seu núcleo podem perder as esperanças de construir um cenário minimamente pacificado. Mesmo porque, como vimos no domingo (04/09), o radicalismo e o ódio continuam a ser onanisticamente praticados nas ruas.

FOTO: Rovena Rosa/Agência Brasil

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