Patinete pode ser o novo Uber da mobilidade?
Mesmo gerando conflitos e acidentes, eles invadiram as calçadas e ciclovias da capital e tentam revolucionar a mobilidade urbana. Especialistas opinam se pode dar certo
Já tivemos as bicicletas, os aplicativos de taxi, e agora, os patinetes. Proporcional à circulação deles nas ruas de São Paulo -a exemplo de outras capitais-, cresce também os relatos de atropelamentos, acidentes, reclamações de pedestres e a discussão sobre a nova relação entre esse novo modal e a capital.
A julgar pelos números e pelas ruas, o fato é que a novidade parece ter agradado uma certa camada da população.
De acordo com Daniela Malouf, diretora-geral do Instituto QualiBest, optar por transportes alternativos ficou mais fácil com a entrada de aplicativos e empresas que facilitam o acesso a eles.
Daniela coordenou uma pesquisa sobre mobilidade, que indica que os paulistanos costumam usar mais de um meio de transporte para andar pela cidade –50% usam aplicativos de carro, 64% se valem de ônibus, 61% de metrô, 51% de automóvel particular e 14% de táxi. O uso de bicicletas superou o de motos – 11% contra 6%. O patinete tem aderência de 4% e boa parte também vai a pé: 42%.
UM BOOM MUNDIAL
Outras cidades do mundo também vivenciam um boom semelhante ao ocorrido alguns anos antes com as bicicletas elétricas. Em Montevidéu, no Uruguai, a Prefeitura criou um projeto para regulamentar a situação.
A iniciativa propõe que os usuários utilizem os veículos apenas nas ruas ou ciclovias proibindo a circulação em calçadas. Há também algumas regras de segurança a serem seguidas, como o uso de capacetes.
Em Nova York, o uso compartilhado do equipamento está proibido. Quem tem o seu, roda a no máximo 25 quilômetros por hora. Em Paris e Berlim, os patinetes também não podem ser usados nas calçadas.
Em São Paulo, o serviço de aluguel de patinetes elétricos começou no segundo semestre do ano passado, sem nenhum tipo de regulamentação.
Na última semana, especialistas, cicloativistas, pedestres, técnicos da prefeitura e usuários de patinetes debateram o tema durante uma audiência pública, que determinou a obrigatoriedade do uso de capacete, velocidade máxima para uso do equipamento, a proibição de patinetes nas calçadas e uma multa para quem descumprir tais regras.
Já o vereador de José Police Neto (PSD-SP) propõe mudanças no decreto provisório do prefeito Bruno Covas que regulamenta esse tipo de uso.
A seu ver, uma espécie de punição pedagógica seria mais adequada que a multa prevista pelas autoridades. Segundo afirma, é preciso envolver a sociedade e as empresas para fazer valer uma regra que garanta a liberdade de escolha ao cidadão. "O sistema tem que nascer educando e não punindo”, diz.
NOVOS MEIOS
De acordo com Luiz Vicente F. de Mello Filho, engenheiro e especialista em trânsito e tráfego da Universidade Presbiteriana Mackenzie Campinas, o uso dos patinetes como instrumento de mobilidade urbana facilita os deslocamentos chamados de última milha ou o último trecho, que normalmente são feitos entre uma estação de ônibus, trem ou metrô e o destino final.
Além da praticidade e leveza do equipamento, que atrai parte da população a testar o patinete, o especialista cita que o grande diferencial em relação à bicicleta é que as pessoas não chegam suadas ou com a roupa amassada no trabalho.
Por outro lado, Luiz Vicente critica a falta de preparo do governo para a chegada de novos equipamentos. Ele cita que a falta de legislação e infraestrutura podem levar São Paulo a reproduzir o desperdício da China com as bicicletas compartilhadas.
Com muitas startups e a especulação do mercado, houve um crescimento desenfreado do número delas que se transformaram num grande transtorno. Muitas dessas empresas viram seu estoque empacar em depósitos que hoje mais parecem cemitérios de bicicletas (na foto ao lado).
Para o especialista, outro pilar importante é a educação, que em sua opinião, não pode ficar a cargo das locadoras do equipamento, e sim ser construída pela sociedade e monitorada pela fiscalização.
“Trata-se de mais um modal de micromobilidade que apresenta desafios para o poder público avançar. Bicicletas e patinetes estão invadindo as calçadas com medo das ruas e isso não pode ser ignorado. Há muito a ser feito em termos de engenharia, educação e fiscalização”.
Silvia Stuchi Cruz, fundadora da ONG Corrida Amiga, que trabalha com a mobilidade ativa, concorda, mas não aprova o termo micromobilidade.
“Quando participo de eventos e pergunto quem na sala é pedestre, todos levantam a mão. Portanto, não acho que estamos falando de micro, mas sim de macromobilidade”, diz.
Desde 2014, Silvia tenta inspirar as pessoas a trocar o carro pelo tênis. Ela mesma faz todos os trajetos pela capital paulista – sem exceção – caminhando ou correndo.
Desde que as patinetes surgiram, a corredora diz ter sido surpreendida pela multiplicação deles na cidade e também pela falta de planejamento e sintonia entre público e privado.
Na opinião da ativista, todo meio de transporte que tente diminuir o uso e a demanda de veículos motorizados é benéfico. A discussão que se levanta em torno disso também é positiva. Além disso, segundo Silvia, andar a pé, usar bike e patinete eleva a discussão para um personagem invisível na cidade: a calçada, que deve ser considerada como parte da mobilidade urbana.
Silvia cita a pesquisa Origem Destino, realizada pelo Metrô, que aponta que 70% da população utiliza transportes coletivos para se movimentar, enquanto o restante realiza as mesmas distâncias de forma individual em veículos motorizados. Ela utiliza esses números para completar o raciocínio de que apenas 30% da população utiliza 80% do espaço urbano, como ruas e avenidas.
Enquanto isso, as calçadas que não são adequadas sequer para o uso dos pedestres, ainda abrem espaço para receber novos modais, como as bicicletas e patinetes.
Para o economista Marcel Solimeo, da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), as soluções para mobilidade urbana passam pelo compartilhamento e precisam ser estudadas pelo poder público.
O estabelecimento de normas para uso do equipamento, de acordo com Solimeo, trará mais segurança para os pedestres e usuários do serviço.
Ele atribui às empresas e organizações sociais a responsabilidade de educar a sociedade para essa nova prática.
"Tudo leva tempo, mas é preciso diálogo e regulamentação. Até hoje, não vemos os ciclistas com o equipamento adequado e isso também é preocupante. A segurança dos usuários é fundamental", diz.
Ele também aponta que é preciso considerar todo o investimento feito pelas empresas que oferecem o equipamento. Embora não houvesse nenhum tipo de regulamentação específica para esse mercado, também não havia nenhum tipo de proibição.
FOTO: Rovena Rosa/Agência Brasil e Diário do Comércio