Um labirinto, dois jovens e três bares místicos
Para além do interesse crescente dos jovens adultos por esoterismo e misticismo, São Paulo parece carregar uma aura de magia e mistério. Bares incorporam temática e criam espaços atraentes e interessantes – mesmo para um ariano cético, como eu
Olha, não sei se a explicação está em algum tipo de convergência astrológica – ou se a coincidência, afinal, é uma questão meramente estatística. Mas, em uma mesma semana recente, por duas vezes meu almoço foi marcado pela presença de um jovem místico.
No almoço de domingo com a família, fui surpreendido pelo alvoroço causado pelo baralho de tarô trazido por uma prima, todos ansiosos pela leitura da sorte nas cartas.
No dia seguinte, não economizei na ironia ao relatar o ocorrido para os colegas de trabalho. “Qual é o seu signo?”, fui subitamente interrompido por um deles. Ante minha expressão de incredulidade, ele fez seu palpite – certeiro, por sinal.
“Pois eu aposto que é Áries. Agressividade e negação da verdade alheia são reações típicas dos arianos ao serem confrontados com ideias ou experiências que fogem de seu entendimento prático, sabia?“
Ai, ai, ai...
Bom, por mais cético que eu seja, sou obrigado a reconhecer que São Paulo parece carregar uma aura de magia e mistério que faz parte do imaginário da cidade, inclusive já muito bem representada na música, no cinema e na literatura.
Uma caminhada à noite pelo Beco do Batman, na Vila Madalena, por exemplo, sempre me remete ao labirinto místico onde os grafites gritam dos versos da canção do Criolo.
“A lua nova, no signo de Câncer, pede recolhimento, reflexão. Depois da agitação dos últimos dias, é hora do ritmo lento e contínuo. Aqueles que se deixarem levar pelas emoções podem se arrepender. Estão condenadas todas as atitudes radicais. O agrupamento dos planetas em Touro, signo da terra e da posse, tende a levar a exageros, mas a energia lunar acalma os ânimos”.
Esse horóscopo do dia 9 de maio de 2000 para o signo de Touro é um dos quase setenta fragmentos que compõem ‘Eles eram muitos cavalos’, do escritor Luiz Ruffato, provavelmente a melhor obra de ficção já escrita sobre a cidade de São Paulo. Nele, horóscopos, simpatias, numerologia, santinhos e orações permeiam pequenas narrativas, descrições, recortes, anúncios publicitários e conversas que recriam um dia no cotidiano labiríntico e vertiginoso da cidade.
Entre fragmentos de histórias que muitas vezes retratam as dificuldades enfrentadas por seus habitantes – inclusive para a dificuldade de encontrar um sentido em meio a tanta desordem, injustiça e opressão –, a fé, seja na religião, seja nas mensagens dos astros, aparece na obra como possibilidade de alívio e esperança para quem vive ou apenas sobrevive na metrópole.
Apresentar diferentes dramas entrelaçados também foi a estratégia utilizada no filme ‘O signo da cidade’, dirigido por Carlos Alberto Riccelli, para tentar capturar a “alma” de São Paulo, essa gigante que proporciona tantas histórias, encontros e desencontros. No filme, a protagonista Teca, interpretada por Bruna Lombardi, é uma astróloga que conversa com pessoas aflitas em seu programa noturno de rádio.
“Já está tudo escrito? Ou a gente pode mudar?”, ela é questionada a certa altura do filme.
Não sei se é por causa desse período conturbado que vivemos (polarização política, crise climática, instabilidade econômica, redes sociais), nem se é apenas impressão minha, mas me parece que, recentemente, o interesse por questões místicas e esotéricas vem crescendo entre jovens adultos. A ponto de terem surgido na cidade até bares inspirados pela temática.
É o caso, por exemplo, da Casa Lúpulo, uma charmosa portinha na Rua Major Sertório, no centro de São Paulo, onde, entre cervejas artesanais, em um ambiente com luz baixa e amarelada, é possível fazer consultas às cartas de tarô.
Já no Mantra Gastro & Bar, na Rua Augusta, há drinques baseados nos signos. O de Áries, por exemplo, é preparado com rum, vodca, morango, maracujá, pimenta e espuma de gengibre – e eu, que sou ariano, vejam só, não gosto nem um pouco de rum. Vai ver a explicação está no meu ascendente...
O Alquimista, em Pinheiros, é decorado com símbolos do zodíaco, fotos de bruxos e oferece até shows de música e mágica. No Bar Bruxaria da Casa Meio do Céu, na Bela Vista, que recentemente encerrou as atividades, o cardápio oferecia a instigante opção do "bartender choice", na qual um drinque era escolhido para o cliente a partir da intuição do bartender sensitivo – não tive a oportunidade de conhecer o bar, mas será que lá também teriam me oferecido um drinque com rum?
“Ironia de ariano inconformado, tão típico...”, diria meu colega jovem místico, tenho certeza.
Em minha defesa, eu reconheço, como já disse, que essa aura de magia e mistério parece mesmo fazer parte de São Paulo e, independentemente da crença de cada um, os bares mencionados parecem ter incorporado esse aspecto do imaginário paulistano para criar ambientes bastante acolhedores, atraentes e interessantes, capazes de proporcionar experiências diferentes e inusitadas na noite da cidade. Mesmo para um ariano cético, como eu...
Para entrar no clima místico de São Paulo:
* Visita noturna ao Beco do Batman, na Vila Madalena
* Eles eram muitos cavalos, romance de Luiz Ruffato (2001)
* O signo da cidade, filme dirigido por Carlos Alberto Riccelli e estrelado por Bruna Lombardi, Malvino Salvador, Denise Fraga, Juca de Oliveira, Luís Miranda e Eva Wilma, entre outros (2008) | Disponível na Netflix
* Casa Lúpulo
Rua Major Sertório, 282 – Vila Buarque
* Mantra Gastro & Bar
Rua Augusta, 538 – Consolação
* O Alquimista Bar
Rua Mourato Coelho, 1008 – Pinheiros
FOTOS: Beco do Batman - Google/Vignette e Mariana Fiori/Ilume
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