Para empresários, cenário econômico complicado está longe de terminar
Estagflação, guerra, falta de insumos e eleições devem frear recuperação das atividades e desestimular investimentos, na avaliação dos integrantes do Comitê de Conjuntura da ACSP
O cenário continua difícil para a economia brasileira em 2022. Juros elevados, falta de insumos para a produção, conflito militar entre Rússia e Ucrânia que afeta preços dos combustíveis e alimentos e prejudicar o fornecimento de fertilizantes. E ainda há as eleições, que ampliam as incertezas.
Esse panorama, traçado por empresários e economistas presentes à reunião do Comitê de Avaliação de Conjuntura da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) realizada na última quinta-feira (31), sinaliza um ano bastante desafiador.
Os indicadores econômicos dão a dimensão dos problemas: o desemprego, embora tenha recuado nos últimos meses, ainda afeta 12 milhões de brasileiros. O poder de compra diminuiu, impactado pela inflação, que já supera os 10% ao ano.
Os empréstimos para pessoa física estão mais caros devido à elevação da Selic, que se aproxima de 12%, e mais raros, já que os bancos temem o aumento da inadimplência.
Todos esses são fatores que afetam diretamente a confiança do consumidor, que tenta ser estimulada por medidas paliativas, como a antecipação do 13° salário dos aposentados e a liberação de saque do FGTS. Segundo o governo, essas ações devem injetar R$ 90 bilhões na economia. Mesmo assim, são medidas pontuais e temporárias.
A expectativa é que a economia fique praticamente estagnada em 2022. "Seja por ilusão ou não, a injeção de recursos é um fator positivo que empatará o jogo, resultando num crescimento anual do PIB entre 0,5% e 1%", disse Ulisses Ruiz de Gamboa, economista da ACSP presente à reunião.
Sem perspectivas de um crescimento razoável do PIB, e tomados pelas incertezas do processo eleitoral, os empresários reduzem a disposição em investir.
"Na campanha eleitoral, promessas de populismo aumentarão a percepção de um possível risco fiscal, acrescentando, junto à guerra na Ucrânia, um freio adicional ao crescimento da economia."
PREÇOS
Pelo menos no curto prazo, a inflação continuará com um comportamento bastante desafiador, devendo atingir, agora em abril, o pico de 12% no acumulado em 12 meses, sinalizou um representante do setor financeiro presente à reunião.
A pedido da ACSP, os nomes dos participantes convidados dessa reunião não são divulgados.
Com a elevação dos juros pelo Banco Central e a valorização do real, a perspectiva a partir de maio é a inflação diminuir, e pela projeção do mercado financeiro, deve fechar o ano entre 8,8% e 9%.
Mas a pressão inflacionária já causa estragos. O setor de supermercados, que já vinha em desaceleração, registrou queda de 1,8% em fevereiro por conta da alta dos preços. Segundo um representante do ramo, a projeção é fechar o trimestre com resultado negativo em termos reais.
O PROBLEMA DOS SEMICONDUTORES
A normalização do fornecimento de semicondutores, que impactou fortemente setores como o de eletroeletrônicos e o automobilístico desde o início da pandemia, vai se arrastar um pouco mais.
De acordo com um representante da indústria, o mercado global assiste a um agravamento dessa crise com a guerra Rússia-Ucrânia, já que ambos são grandes produtores mundiais de paládio e gás neônio, insumos essenciais na produção de chips.
“Nesse momento, há reclamações sobre pressão de custos e expectativa de novos aumentos de fretes internacionais, além da dificuldade de repasse dos preços”, afirmou.
Na indústria de eletroeletrônicos, os atrasos na produção causados pela falta de componentes já geraram grandes impactos, fazendo os indicadores de capacidade instalada caírem, gradativamente, de 79% para 76% entre dezembro e fevereiro.
Em sondagem recente, 58% das empresas disseram atuar sem previsibilidade, pois até o momento não receberam nenhum tipo de informação de seus fornecedores nos países participantes do conflito sobre a volta do fornecimento.
Apenas 6% optaram pelo fornecimento indireto, ou seja, compram de outros países que importam insumos das regiões conflituosas, destacou uma economista especializada no setor. Se no ano passado 53% das empresas previam a normalidade, já em 2022, esse número caiu para 36%. Outras 34% acreditam que a situação só normaliza no ano que vem.
Mas há outras complicações afetando alguns segmentos da indústria, como o apelidado pela Receita Federal de “camelódromo virtual”. Ou seja, compras feitas no comércio crossborder (via plataformas de e-commerce estrangeiras para consumidores no exterior, como Shopee, AliExpres, Shein e até Mercado Livre), que vendem no Brasil mas não pagam imposto.
A subnotificação de valores nessas operações (ou seja, abaixo do valor real dos produtos) também está no radar da Receita, já que, pela lei, pessoas físicas podem vender itens até US$ 50 nessas plataformas sem pagar impostos de importação, explicou um especialista em e-commerce.
“O governo federal acaba de anunciar uma medida provisória para coibir essa prática”, destacou.
Segundo a representante de eletroeletrônicos, em janeiro, o segmento caiu 13% por conta desse problema, e também ao afastamento de trabalhadores pela variante Ômicron da covid-19.
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