Os líderes e seus partidos rebeldes
Assinala-se uma tendência mundial em que lideranças políticas no governo são desafiadas por suas próprias bases
Ian Bremmer, presidente do Grupo Eurásia, propôs interessante reflexão que gostaria de partilhar com os leitores.
O seu argumento central é de que políticos eleitos – presidentes, primeiros-ministros e outros ocupando cargos executivos – estão enfrentando mais forte oposição de dentro de seus próprios partidos ou coalizões do de que fora.
Esse fenômeno, argumenta, está ocorrendo em um grande número de países e não se restringe unicamente ao nosso.
É claro que essa rebelião intestina ocorre mais onde as instituições políticas estão menos consolidadas. Nessa circunstância, a volatilidade nas votações torna-se maior e maior também a dificuldade de obter a lealdade de partidos e coalizões.
Esse fenômeno se dá de forma independente de ser forte ou fraco o líder político exercendo cargo executivo. E assola governos de “esquerda” como de “direita”.
Se o governo é de “esquerda”, a rebelião em suas fileiras decorre de promessas que se tornaram utopia: a ascensão de camadas populares à classe média dá lugar à pressão no mercado de trabalho e menores remunerações; ou o próprio crescimento do emprego fica comprometido por medidas de ajuste necessárias para corrigir erros grosseiros de política econômica no passado.
Dois exemplos caracterizam essa situação. O primeiro é o da longínqua Grécia.
O primeiro ministro Alexis Tsipras enfrentará já no próximo mês a difícil decisão de renegar a maioria das promessas de campanha que o elegeu ou colocar o país à margem do sistema financeiro internacional – com todas as consequências que isso acarretará.
Não surpreenderá se o seu partido, Syriza, dividir-se, deixando o primeiro ministro sem maioria no Congresso grego.
O exemplo perto de casa – de fato, em casa – é nosso próprio país. O governo da presidente Dilma Rousseff deu uma guinada extrema após a vitória na eleição do ano passado.
Seu ministro da Fazenda é um conservador em matéria fiscal, comprometido com os cortes necessários para produzir um superávit fiscal de 1,2% do PIB esse ano.
Até agora o apoio de seu próprio partido, o PT, e da coalização que lhe dá apoio no Congresso, é no mínimo envergonhada.
Se o país é governado por grandes coalizões detentoras do poder por considerável tempo, essas coalizões estão se fragmentando em diversos países.
A África do Sul é um exemplo marcante. O socialdemocrata Congresso Nacional Africano governa o país em aliança com o partido do Congresso dos Sindicatos da África do Sul e com o Partido Comunista Sul-Africano desde o estabelecimento da democracia multirracial em 1994.
O país padece de todo tipo de problemas, da corrupção endêmica à infraestrutura em deterioração e ao alto desemprego.
A incapacidade do presidente Jacob Zuma em ceder parte do poder está provocando uma cisão no meio de sua própria coalizão, comprometendo o apoio dos sindicatos e da esquerda.
Voltando os olhos para a “direita”, o caso da vizinha Colômbia é exemplar. Ali, a fragmentação da base de apoio do presidente Juan Manuel Santos vem dos segmentos ligados ao ex-presidente Álvaro Uribe.
O resultado do choque dos dois líderes poderá provocar a perda do acordo de paz do governo com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, grupo terrorista ligado ao narcotráfico.
Uma eventual reversão do acordo levaria a enormes perdas políticas e econômicas para o país.
Outras situações dessa mesma natureza estão ocorrendo na Malásia e Filipinas.
Finalmente, há também casos que não se enquadram nas duas categorias anteriores. Trata-se de situações em que alguém de fora das oligarquias políticas obtém uma expressiva vitória eleitoral.
Essa vitória geralmente se baseia no apoio de grupos fora do poder e alienam interesses do próprio grupo vencedor.
Exemplos notáveis disso ocorrem no momento na Turquia, Indonésia e até mesmo na Índia.
O caso da Turquia é ilustrativo. Para livrar-se da oposição e mudar a Constituição para aumentar seu poder pessoal, o presidente Recep Tayyip Erdogan alienou o apoio das principais figuras de seu próprio partido.
Hoje, a oposição à sua crescente tentativa de concentração de poder está toda no partido do presidente.
Nos outros dois casos, a rebelião no interior do partido vencedor decorre de uma vitória expressiva de seu líder, ofuscando as demais lideranças partidárias.
A moral dessa história é simples: proliferam governos populistas em várias partes do mundo; mas são cada vez menos sustentáveis governos de personalismos e tentativas autoritárias baseadas no apoio de massas onde prevalecem instituições democráticas.
Lição que relutamos em aprender, mas que está progressivamente se impondo.