O que deu errado no modelo de negócio da Amaro
Precursora em muitos processos do varejo de moda, a companhia soma dívidas de R$ 244,5 milhões e entrou com pedido de recuperação extrajudicial
Em 2018, quando foi lançada, a Amaro foi tida como um modelo de negócio inovador. Até então, ninguém no Brasil havia tratado o consumo de moda no formato D2C, ou direct-to-consumer, com produtos e distribuição própria por meio do omnichannel. Com espaços físicos batizados de Guide Shops, a marca foi pioneira em oferecer entrega em até uma hora dentro de São Paulo e fez a concorrência seguir seus passos. Mas algo deu errado.
Nesta semana, a Amaro pediu à Justiça de São Paulo a homologação de seu pedido de recuperação extrajudicial. A companhia soma dívidas de R$ 244,5 milhões, sendo R$ 151,8 milhões em dívidas bancárias e R$ 92,8 milhões com fornecedores.
No pedido, a varejista diz que "o setor de varejo vem sofrendo com a alta da taxa de juros e com a volatilidade do câmbio”, o que gerou um aumento considerável de seu passivo nos últimos anos, de acordo com a empresa.
A marca também reforçou que o setor passa por período de queda nas vendas e sofre com a alta da inflação, que teve efeito na operação como um todo.
Dentre os motivos para que o pedido de recuperação seja concedido, a companhia cita ações que colocam em risco as atividades empresariais, perda de patrimônio, falência e despejo das lojas. Por essa razão, a companhia pede que as ações contra ela sejam suspensas por 180 dias com a homologação do plano.
Mas, o que pode ter dado errado?
Aparentemente, não foi a pandemia. Em 2021, a Amaro teve um crescimento de 50% no faturamento total. E pouco mais de um ano depois, anunciou negociações com potenciais investidores para reforçar sua base de capital. Ou seja, a venda de parte de seus negócios.
Sob a justificativa de seguir crescendo pelo país, a Amaro migrou para o modelo de marketplace, expandiu sua área logística, mas, pouco tempo depois, a demanda esfriou e a operação seguiu grande e cara diante de um cenário de juros altos.
Guilherme De Cara, sócio consultor da Cherto Consultoria, não acredita que a entrada da marca em shopping center tenha comprometido a operação. A Amaro tem hoje 20 lojas físicas espalhadas pelo Brasil.
Ele destaca que o ponto forte da Amaro ainda é o e-commerce, onde está focada toda a estratégia da marca. Diferentemente de muitas lojas que não conseguiram se digitalizar para acompanhar o consumo na pandemia, a Amaro fez essa adaptação, mas hoje sofre como varejo e como empresa de tecnologia com a baixa do consumo.
Relembrando os números da Amaro de 2021, De Cara acredita que talvez a marca tenha apostado muito nesse crescimento digital, realizando grandes investimentos nessa área. Isso exigiu muito endividamento e, agora, a economia não está ajudando.
"O que se viu com o término da pandemia foi que o on-line tem seu valor, mas com crescimento regular. O problema real atual é um cenário de juros com restrição de consumo dificultando as operações", diz o consultor.
Adriano Gomes, professor da ESPM e sócio-diretor da Methóde Consultoria, esclarece que a mudança do digital para o físico traz custos adicionais, sendo o maior de capital de giro. Muito embora a estratégia da Amaro fosse a tangibilidade de seus produtos, a aritmética pode ter falado mais alto, segundo Gomes.
"Num possível paralelo com o que vem acontecendo com outros nomes, como Americanas, Tok&Stok e Marisa, o especialista diz que há uma crise posta que é do modelo de negócio do varejo tradicional. Todavia, o caso Amaro demonstra um nível de transparência e respeito aos credores de forma bem distinta dos demais casos", diz Gomes.
O fato é que a Amaro chegou na situação atual arrastada por uma cadeia de eventos que envolveu pesados investimentos no digital que acabaram descolados do crescimento aquém do esperado da demanda on-line. Com as contas estranguladas, a marca buscou investidores, mas suas ações na Bolsa foram consideradas em valor elevado, o que repeliu compradores. Nesse processo, restou à empresa reduzir os gastos, priorizando despesas operacionais essenciais, o que fez crescer as dívidas com fornecedores e com o sistema financeiro.
IMAGEM: Amaro/divulgação