O que comer num PF de São Paulo na terça-feira?
Os pratos fixos para cada dia da semana no cardápio paulistano, os pequenos prazeres da vida e o meu mau humor nas terças-feiras
Lembro de um professor da época do cursinho pré-vestibular que, toda segunda-feira, costumava dizer que segunda-feira era, na verdade, o melhor dia da semana, já que era o dia mais distante... da segunda-feira seguinte.
Ironias à parte, segunda-feira não costuma mesmo ser um dia fácil para a grande maioria das pessoas normais. Afinal, é quando, após dois dias de merecido descanso, relaxamento, lazer, diversão e passeios, retomamos a árdua rotina de trabalho e estudo; é quando voltamos à dura realidade.
Acho que foi o Xico Sá quem disse que só gosta mesmo de segunda-feira quem tem amante no trabalho... Enfim, até o Guinness Book elegeu a segunda o pior dia da semana.
Contudo, por mais estranho que possa parecer para muitos, não é consenso que segunda-feira seja o pior dia da semana. Para alguns poucos, como eu, o pior dia da semana é terça.
Um antigo colega de trabalho concordava comigo e defendia que, na segunda, uma certa letargia é, de certa forma, socialmente aceita, até esperada. Afinal, é segunda, ainda temos a semana toda pela frente e, por isto, nos é dada uma espécie de licença para procrastinar.
Para esse meu colega, outro aspecto positivo da segunda-feira, ao menos em relação à terça, é que na segunda todos teriam os causos do final de semana para compartilhar, o que tenderia a preencher um pouco do vazio da volta à rotina.
Já para mim, o principal consolo para o retorno ao trabalho na segunda-feira sempre foi o delicioso virado à paulista servido em praticamente todos os botecos e restaurantes de almoço da cidade.
Virado de feijão acompanhado por arroz, couve refogada, ovo frito, banana à milanesa, torresminho, linguiça e bisteca de porco: uma combinação perfeita para curar qualquer depressão associada à retomada da rotina. Sim, dureza, segunda, volta ao trabalho..., mas ao menos há o virado à paulista no almoço.
Já na terça...
Uma particularidade do cotidiano paulistano é que, na grande maioria dos botecos e restaurantes de almoço da cidade, há um prato fixo para cada dia da semana. Não sei bem o motivo, mas parece que o mesmo não ocorre em outras capitais brasileiras, é coisa de São Paulo mesmo.
Reza a lenda que o Steve Jobs usava sempre a mesma roupa para reduzir o número de decisões que tinha de tomar ao longo do dia – e, com isto, economizar energia para as decisões realmente importantes. Em uma cidade como São Paulo, tão marcada pela intensa rotina de trabalho de seus moradores, pela correria desenfreada do dia a dia, o cardápio fixo talvez seja uma forma de facilitar um pouco a vida tanto dos trabalhadores quanto dos donos de restaurante: uma decisão a menos a tomar.
Na quarta-feira, não há dúvida, é dia de feijoada, que desde cedo já lança seu delicioso aroma para quem passa em frente aos restaurantes. Quinta-feira é dia de massa: macarrão, lasanha, nhoque. Sexta-feira, por fim, é dia de peixe: bacalhau, filé de pescada ao molho de camarão, uma bela moqueca baiana.
Já na terça...
“Ué, terça é dia de bife à rolê, não?”, tenho certeza que alguns já estão se perguntando. Talvez tenha sido no passado, é verdade, e muitos restaurantes ainda tentam se manter fiel à tradição; mas eu, embora não seja crítico gastronômico nem nada parecido, sinto que falta personalidade ou um certo prestígio ao bife à rolê.
É bom? Sim, claro que é, mas o prato não me parece à altura do virado à paulista ou da feijoada; nem tem ingredientes tão particulares quanto os pratos de peixe; nem agrada a tantos paladares quanto as massas à bolonhesa ou acompanhadas por um belo galeto assado.
Não é à toa, portanto, que diversos restaurantes oferecem muitas outras opções para além do bife à rolê às terças, sendo que muitos até já abandonaram a tradição, substituindo o bife pelos onipresentes estrogonofe ou bife à parmegiana. Há até os que o trocaram por um picadinho coringa, pelo escondidinho de carne seca ou por simples panquecas, as quais, por mais sem graça que pareçam, ainda parecem se mostrar mais atrativas do que o desprestigiado bife à rolê.
Como já disse, não estou sozinho entre os que elegem a terça-feira como o dia, digamos, mais difícil da semana. A Universidade de Connecticut e o Journal of Banking & Finance, por exemplo, também concluíram que a terça é o dia mais desgastante e aborrecido.
Uns dirão que a causa está no fato de que, passada a segunda, não há mais desculpa para continuar enrolando, procrastinando, e na terça é preciso retomar verdadeiramente a rotina, o trabalho, a produtividade.
Eu, porém, fico aqui encucado e me perguntando se o problema da terça não seria, na verdade, a falta de um prato fixo e à altura dos desafios de mais uma longa semana; de um prato fixo que se transformasse em uma marca da terça (como o virado de segunda, a feijoada de quarta...) e também funcionasse como uma espécie de agente motivacional.
Afinal de contas, seria a “oficialização” do bife à parmegiana no cardápio dos botecos paulistanos a solução para o meu mau humor nas terças-feiras?
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IMAGEM: Joca Duarte