O colapso da felicidade no Brasil
Ser socialmente feliz não se limita ao bem-estar material. Significa ter sonhos coletivos com um futuro melhor. Mas o desmoronamento da imagem de Temer acabou comprometendo a possibilidade de sonhar

Não existe nenhum índice para a medição da felicidade política. Mesmo assim, tudo indica que os brasileiros, em sua relação com as instituições, estejam vivendo um período de profunda infelicidade.
É algo que dá para sentir por efeito de contraste. Em julho de 1994, o país estava feliz com o Plano Real e o fim da inflação. Em 1984, as Diretas-já moldaram a felicidade cívica com a ideia de tomar de volta o poder que estava em mãos dos militares.
Mas a agenda nacional, nesta segunda metade de 2017, está carente de felicidade para todos os lados. As viúvas do PT temem a prisão de Lula e sabem que foi Dilma quem mergulhou o país na recessão. Com as gravações de Joesley Batista, surgiram as viúvas da “Ponte para o Futuro” e o desencanto com Michel Temer.
A infelicidade política tem pouco a ver com a infelicidade individual, que, esta sim, pode ser aferida. As Nações Unidas divulgam anualmente em março uma pesquisa para comemorar o Dia Internacional da Felicidade.
Este ano, o Brasil apareceu na 22ª colocação, em lista encabeçada pela Noruega, Islândia, Suíça, Finlânda, Canadá e Nova Zelândia.
A felicidade, segundo a pesquisa, não está apenas na relação do cidadão com a riqueza. O PIB per capita é temperado com a liberdade de expressão, com a confiança nas instituições e com os mecanismos efetivos de combate à corrupção.
Na pesquisa da ONU, concluída no início deste ano, certamente pesou como fator positivo da autoestima dos brasileiros a existência da Lava Jato.
O problema é que, depois disso, a expansão do número de réus e investigados – Temer é acusado de corrupção passiva – deixou o país sem fortes lideranças, que se acreditam capazes de direcionar o futuro.
Guardadas as proporções, é um desencanto parecido ao que existia no final de 1989, quando o segundo turno das primeiras eleições presidenciais pós-redemocratização colocava como escolha o socialismo estatizante de Lula (ele mudou até ser eleito, em 2002), e o liberalismo histriônico de Fernando Collor. o “caçador de marajás”.
Na recente história republicana, eleitores com simpatias tucanas sentiam-se felizes com a possibilidade de eleição à Presidência do senador Aécio Neves – um personagem hoje desmoronado em todos os sentidos.
MACRON, O JEITO FRANCÊS DE SER FELIZ
Da mesma forma que os petistas sentiam-se encorajados com um horizonte feito de distribuição de renda – algo em verdade efêmero –, mas sem mínimos indícios do machucado ético operado com a Petrobras.
No plano internacional, a recente eleição na França de Emmanuel Macron representou a escolha de um caminho inédito (centrista) para a busca da felicidade política. Algo inexistente meses antes nos Estados Unidos, quando o espírito bélico de Donald Trump dividiu a sociedade, atropelou a felicidade eleitoral e instituiu o ódio ao adversário.
A história do século passado está repleta de momentos de extrema felicidade política, elevada ao grau de euforia.
Aconteceu em 1945, com o final da Segunda Guerra. Não apenas porque a carnificina (35 milhões de mortos) chegara ao fim, mas porque prevalecia a impressão de que seria esse o último sacrifício extremo da humanidade. A paz permitiria o progresso e a ascensão individual numa Europa martirizada pelo totalitarismo nazifascista.
Também aconteceu no final de 1989, com a queda do Muro de Berlim e o subsequente colapso do comunismo no Leste Europeu. O mundo civilizado estaria a partir de então voltado à democracia e aos valores do mercado.
A felicidade como sentimento compartilhado nasceu no século 18. Os emigrantes ingleses na América do Norte eram felizes pela prosperidade material que buscavam e pela liberdade religiosa em que viviam.
Na França, paradoxalmente, julho de 1789 marcou a Revolução Francesa como marco de felicidade política.
A cidadania definida pelo terror robesperierrista tinha a euforia política como matéria-prima. Mas os eufóricos estavam de um só lado. O outro – os girondinos, os monarquistas constitucionais – ficariam felizes só após o 18 Brumário.
O final do século 18 foi importante para a felicidade porque nele surgiu o espaço público – e a opinião publica, e a imprensa moderna. Antes disso, a identidade do indivíduo estava circunscrita às aldeias, como espaço físico, e à religião, como espaço de cultura.
O CRISTIANISMO E AS CRUZADAS
Foi a religião, e não uma suposta opinião pública dos cristãos, que levou ao grande momento de felicidade medieval, iniciado com a Primeira Cruzada (1097), quando o papa Urbano 2º exortou os feis a libertarem Jerusalém dos muçulmanos.
Mas as cruzadas, primeiro grande movimento de massa na história do homem, não tiveram conteúdo político. E tampouco permitiram para os cristãos um contraponto cultural com os árabes, o que seria alcançado apenas no século 19, quanto o nacionalismo e o colonialismo passaram a andar de mãos dadas.
Em termos mais contemporâneos, o pensamento político empobreceu de grandes objetivos recheados de valores épicos e capazes de gerar a felicidade. Como ocorreu com as esquerdas e a Revolução Russa de 1917, como ocorreu com os judeus e a criação, em 1949, do Estado de Israel.
NO BRASIL, A OPINIÃO PÚBLICA TARDIA
Voltando ao Brasil, a opinião publica e a existência da felicidade como fenômeno coletivo são historicamente tardios. A opinião pública prolifera apenas nas populações urbanas.
O abolicionismo a partir de 1870 esboçou algo nesse sentido. Para os abolicionistas, o fim da escravatura seria sinônimo de felicidade social. Algo semelhante ocorreu ao mesmo tempo com as ideias republicanas. A queda da Monarquia criaria condições para a igualdade, o que não aconteceu.
O fato é que, trazendo o plano de ser socialmente feliz para os dias de hoje, o que vemos é uma espécie de ceticismo e de poucas condições para compartilhar a felicidade de forma ampla e na esfera nacional.
Podemos ser felizes individualmente, no círculo mais restrito de nossas famílias e de nossos amigos. Mas estamos longe de sermos felizes como nação.
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