Michel Temer perdeu a batalha por uma boa imagem
Presidente não tem seu nome associado a atributos que provoquem paixão ou admiração na opinião pública. Em termos de imagem, ele é tão "frio" quanto Sarney ou Itamar
Michel Temer perdeu a batalha que permitiria a fabricação de uma boa imagem de homem público.
Não se trata de popularidade ou de índices de aprovação. É algo mais sutil. Imagem, no caso dele, seria aquilo que transpira poder, pouco importa que estejamos de acordo ou em oposição ao personagem que o transporta.
Vejamos o exemplo inicial de dois monarcas do século 19.
No Reino Unido e no Império Britânico que a precedeu, a rainha Victoria (1837-1901) tinha uma imagem fortíssima. Ela foi a patrona da expansão econômica inglesa e involuntariamente deu nome a um estilo de vida baseado no puritanismo e no recato pessoal.
No Brasil, d. Pedro 2º (1840-1898) tinha uma imagem bastante fraca. Excetuado no período tardio de seu reinado, com a campanha pela abolição, o Rio de Janeiro (“Corte”) não tinha propriamente uma opinião pública. E o círculo familiar do imperador não gerava modismos culinários, de roupas ou musicais.
Mesmo com a Guerra do Paraguai (1864-1870), o imperador não levantou paixões patrióticas que se espalhassem por uma sociedade rarefeita e sem muita noção sobre o imenso país em que habitava.
Se pegarmos exemplos republicanos do século 20, foram governantes com fortíssima imagem presidentes como Franklin D. Roosevelt (1933-1945), nos Estados Unidos, ou Charles de Gaulle (1959-1969), na França. Ambos viveram ou comandaram guerras das quais saíram vencedores, e suas imagens se beneficiavam por esse suplemento de cunho militar.
No Brasil, Getúlio Vargas (1930-1945 e 1950-1954) foi com certeza o presidente com a mais forte imagem na galeria de todos os demais mandatários. Tanto no primeiro período, que abriga a ditadura do Estado Novo, quanto já na redemocratização, com o populismo trabalhista e a campanha pela criação da Petrobras.
Por detrás desses bons exemplos da boa imagem há um precedente histórico que não tem nada a ver com a democracia moderna. Trata-se do rei francês Luís 14 (1643-1715). O absolutismo que ele representou partia da ideia de que apenas uma imagem forte permitiria que o monarca fosse respeitado e temido.
O historiador britânico Peter Burke, em “A Fabricação do Rei” (1994) faz sobre Luís 14 revelações curiosas. Foi o primeiro monarca europeu com um corpo de altos funcionários especializados na irradiação dele como personagem. Eram pintores, tapeceiros, escultores, músicos, dramaturgos e impressores. Uma imensa máquina de marketing político.
No Brasil, mais recentemente, FHC (1995-2003) e Lula (2002-2010) se beneficiaram com imagens bastante fortes e úteis para o exercício do poder, embora ideologicamente tivessem um perfil bastante dissonante.
E no campo oposto, com imagens frágeis, estão José Sarney (1985-1990) e Itamar Franco (1992-1995). Por coincidência, dois vice-presidentes que, a exemplo de Michel Temer, tornaram-se chefes de Estado em razão de circunstâncias sobre as quais não exerceram um absoluto controle.
No Brasil, um presidente dialoga com as demais instituições e, se tiver uma imagem forte, também dialoga com a sociedade. Temer tem um bom diálogo com o Congresso, e é reconhecido por deputados e senadores como um ex-presidente da Câmara de grande habilidade.
Mas a imagem de Temer não perfura essa muralha dentro da qual ele está confinado para atingir a população que pensa, reclama e trabalha do lado de fora.
A deficiência da imagem de Temer tem pouco a ver com seu temperamento pessoal – mais para formal e bem-educado –, ou com a maneira competente e unificada com que o Partido dos Trabalhadores e seus simpatizantes o estigmatizaram.
Um recente personagem político de imagem forte, o prefeito paulistano João Dória, tem contra si a mesma bateria petista na mídia e nas redes sociais.
Na comparação entre os dois, o poder de Temer fraqueja quando o cidadão Michel Temer é atacado. Mas Dória faz do ataque uma atividade quase lúdica, dentro da qual ele devolve as frases agressivas e cresce em termos de imagem.
A atual utilidade política da imagem está estreitamente ligada a seus desdobramentos eleitorais. Temer não tem ambições nessa área. Não quer se eleger – por enquanto – para nenhum cargo e, por isso, contenta-se com o cabedal reduzido de imagem que tem.
Dentro da democracia brasileira é possível que, se tivesse uma imagem mais forte, o atual presidente pudesse mobilizar o eleitorado para que ele pressionasse deputados e senadores a votarem seus projetos de reforma.
Não é isso, no entanto, o que acontece. Mesmo porque o eleitorado não pressionaria o Congresso a votar medidas a curto prazo impopulares e que não são mensuradas pela métrica dos efeitos imediatos.
Para quem acompanha a movimentação das imagens dos homens públicos nessa espécie de coreografia constante do poder, Michel Temer pode ter corrido riscos ao ter sido citado por delatores da Odebrecht como corretor de caixa dois para o PMDB.
Mas o próprio fato de ser fraco em termos de imagem evitou a Michel Temer maiores desgastes, e fez com que os episódios que dizem a ele respeito se diluíssem rapidamente em meio a denúncias mais graves e que atingiam a reputação de seus aliados ou adversários.
Para sua própria vaidade e para os registros da História, é bem possível que Michel Temer tenha o desejo de produzir boas imagens. Mas não é com esse brasão que ele passará para a posteridade. Até lá, a fraca imagem do atual presidente deixará de ser algo relevante.
FOTO: Marcos Corrêa/PR/Agência Brasil