Inadimplência é maior em estados com menor renda
Atrasos em pagamentos também estão associados a maior uso do cartão de crédito, revela estudo da Boa Vista SCPC

*Com Flávio Calife, economista da Boa Vista SCPC
A disparidade regional do Brasil reflete-se nos mais diversos aspectos da sociedade brasileira -da votação na eleição presidencial ao comportamento de consumo e a relação dos consumidores com o crédito. Dessa maneira, é preciso compreender os desafios de cada região para além de conceitos preconcebidos.
Foi pensando nisso que a área de Indicadores e Estudos Econômicos da Boa Vista SCPC analisou a relação entre a renda domiciliar per capita por estado e algumas variáveis associadas ao mercado de crédito, de serviços bancários e de pagamentos, com base em informações disponibilizadas pelo IBGE, pelo Banco Central e pela ABECS – Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços.
A primeira constatação interessante é que a diferença de renda observada entre os estados está relacionada à disparidade da taxa de inadimplência.

Ou seja, em média, quanto maior a renda, menor o volume proporcional de atrasos, conforme é possível observar no gráfico 1.
O estado do Rio Grande do Sul (RS), com uma das maiores rendas do país, por exemplo, é também o que apresenta um dos menores índices de inadimplência. No Pará (PA), por sua vez, onde a renda média é menor, a taxa de inadimplência é relativamente maior.
A principal exceção à regra é o Rio de Janeiro (RJ), que, apesar de apresentar uma renda elevada em relação à média nacional, é o estado que registrou a maior média de inadimplência em 2017, ao lado do Amapá (AP).
Ao menos parte do quadro do RJ pode estar associado à grave crise fiscal que o estado vem atravessando nos últimos anos.
Rondônia (RO), por outro lado, apresenta uma taxa de inadimplência baixa apesar da renda per capita inferior à média nacional.

Além da renda, é preciso levar em conta a disparidade observada dentro de cada estado para explicar a variação da inadimplência.
Nos estados do Sul (S) e Centro-Oeste (CO), que apresentam índices de atraso abaixo da média nacional, o Índice de Gini, que mede a desigualdade de renda, é inferior ao de São Paulo (SP), onde a inadimplência é relativamente elevada se considerarmos que se trata do estado com a maior renda per capita do país.
Hábitos da população também podem estar por trás da disparidade regional observada nas taxas de inadimplência.
Nas regiões Sul (S) e Centro-Oeste (CO), novamente, a proporção de pagamentos realizados no cartão de crédito é inferior à observada nas regiões Nordeste (NE) e Sudeste (SE), onde o cartão de crédito responde por mais de 60% do volume transacionado com cartões, conforme mostra o gráfico 2.

Por sinal, a aceitação de cartões nos estabelecimentos comerciais também está bastante associada (positivamente, neste caso) à renda per capita de cada região, conforme é possível observar no gráfico 3.
Utilizando a quantidade de maquininhas de cartão a cada mil habitantes como indicador para medir a cobertura de aceitação, observamos que, quanto menor a renda da região, menor, em média, a aceitação de cartões. Ou seja, nos estados mais pobres são observados os menores números de maquininhas por habitante.
São Paulo (SP), com a maior renda per capita do país, é o estado que registra a segunda maior cobertura de aceitação de cartões em 2017, atrás apenas do Rio Grande do Sul (RS). Maranhão (MA), com a menor renda, é também o que apresenta o menor número de maquininhas por habitante.

A mesma relação é observada quando consideramos a cobertura de terminais de autoatendimento (ATM), indicando menor acesso da população mais pobre a serviços bancários (Gráfico 4).
Os avanços tecnológicos, o crescimento das fintechs e melhorias regulatórias como o Cadastro Positivo devem contribuir para a expansão da oferta de crédito e dos meios eletrônicos de pagamento ao longo dos próximos anos, inclusive nas regiões mais pobres do Brasil.
As análises acima –que apresentam apenas correlações, e não relações de causa e efeito, é importante destacar –, sugerem, contudo, que a baixa renda ainda parece ser um obstáculo relevante tanto para a inclusão financeira quanto para a redução das taxas de inadimplência no país.