Impostômetro, 20 anos: apetite do Fisco fez painel mudar para comportar 'trilhões'
Após duas décadas informando a população sobre a carga tributária em tempo real, o painel da ACSP agora dividirá espaço com o Gasto Brasil, que vai monitorar os gastos públicos

Apitaço, Feirão do Imposto, Caminhão do Impostômetro, Imposto na Nota, Movimento Hora de Agir... e, agora, o Gasto Brasil. Em 20 anos de atividades, que completou no último domingo, 20 de abril, o Impostômetro da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) registrou, em tempo real, o recolhimento de mais de R$ 40 trilhões em impostos municipais, estaduais e federais pagos pelos contribuintes. Chegou até a ser relançado, em maio de 2008, quando precisou incluir a casa do trilhão para comportar uma arrecadação inédita até aquele momento.
Nesta quarta-feira, às 14 horas, a ACSP realiza um evento no Pateo do Collegio, no centro histórico da capital paulista, para comemorar as duas décadas de atividades do painel e anunciar a sua nova funcionalidade, o Gasto Brasil, que acompanhará o resultado dos gastos públicos. O painel, que por 20 anos informou quanto os governos recolhem em tributos, agora vai mostrar também a velocidade com a qual esses recursos são esgotados.
Em sua história, o Impostômetro deu origem a diversas iniciativas para conscientizar os cidadãos que passam pelo Centro de São Paulo, e de outras cidades espalhadas pelo país que também adotaram o painel. A proposta sempre foi a de informar sobre a arrecadação para formar cidadãos conscientes de que têm o direito de exigir contrapartidas do governo na forma de saúde de qualidade, educação, segurança pública, infraestrutura e demais serviços públicos.
Localizado na rua Boa Vista, 51, na fachada da ACSP e em frente ao Pateo do Collegio, o Impostômetro foi inaugurado um dia antes do feriado de 21 de abril de 2005. A ideia era associá-lo com a história de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, que em 1792 se rebelou contra a cobrança do quinto (imposto de 20% sobre todo o ouro produzido no Brasil) e a prática da derrama.
No evento de inauguração, o aclamado ator Paulo Goulart (1933-2014) representou, no topo do prédio da ACSP, um Tiradentes inconformado com a "carga tributária do 'quinto dos infernos'" - a fatia paga a Portugal pela exploração das riquezas naturais no Brasil colonial.

Desde a sua inauguração, segundo Marcel Solimeo, economista-chefe da ACSP, o Impostômetro conquistou grande apelo - inclusive turístico, vide os passantes que circulam todos os dias pelo Centro e se espantam com os números da arrecadação, mas não hesitam em garantir sua selfie ou post com o painel ao fundo. Ao longo dos anos, os contribuintes puderam acompanhar a evolução acelerada da arrecadação, que em 2005, primeiro ano do painel, totalizou pouco mais de R$ 900 bilhões, e no ano passado somou mais de R$ 3,6 trilhões.
Esse crescimento pode ser visto por um prisma positivo, pois reflete o aquecimento da economia brasileira ao longo desses 20 anos. Com mais emprego, mais renda, mais investimentos e mais empresas faturando, maior será a arrecadação de tributos. Por outro lado, reflete também o peso da inflação e o aumento de impostos. A carga tributária do país saiu de 30% do PIB, em 2005, para 33% no ano passado. Ou seja, de toda a riqueza que se produz no Brasil, mais de um terço se converte em impostos, taxas e contribuições.
Prestes a atingir a marca de R$ 1,4 trilhão no início de maio, o Impostômetro mostra que, sem o arrefecimento da inflação, o aumento da arrecadação deve continuar. Tudo indica que o painel registre, ao final deste ano, um valor ainda maior que o de 2024.
Do bilhão ao trilhão
Em 27 de maio de 2008, três anos após o seu lançamento, o Impostômetro da ACSP teve que ser relançado, e ganhou alguns 'zeros' a mais. Além de se adequar à Lei Cidade Limpa (nº14.223/2006), na gestão do então prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, o novo painel eletrônico precisou de uma casa extra para comportar mais dígitos, e assim poder marcar os trilhões pois a arrecadação não parava de subir. A data de relançamento foi escolhida por marcar o último dos 148 dias que o brasileiro precisou trabalhar naquele ano somente para pagar impostos.

Um levantamento do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), que gera as informações do painel, projetava que a arrecadação, de R$ 402 bilhões em 27 de maio de 2008, iria atingir uma marca inédita de R$ 1,029 trilhão em 22 de dezembro do mesmo ano, registrando um novo recorde, por isso a necessidade de se acrescentar mais uma casa decimal ao painel.
Segundo o presidente executivo do IBPT, João Elói Olenike, 2008 foi um ano de contrastes para a economia brasileira: iniciou com um bom ritmo de crescimento, mas sofreu forte impacto da crise financeira global no segundo semestre. "As consequências incluíram turbulências nos mercados financeiros, restrição de crédito e uma desaceleração da atividade econômica, porém, menores em comparação a países desenvolvidos", explica.
Daí o avanço da arrecadação para a casa dos trilhões, puxada pela alta do PIB, por crescimentos setoriais, aumento na produção agrícola e da atividade industrial.
Hora de Agir

Em 13 de setembro de 2011, a ACSP organizou um "apitaço" às 11 da manhã, reunindo centenas de contribuintes em frente ao Impostômetro, para marcar o momento em que o painel eletrônico atingiria R$ 1 trilhão, 35 dias antes de 2010.
Na ocasião, um estudo do IBPT mostrava que, em 2005, quando o painel foi instalado, apenas 30% da população sabia que os impostos eram embutidos no preço dos produtos. Porém, seis anos depois, essa consciência já estava presente em 70% da população.
A ação deu origem ao movimento Hora de Agir, portal onde os cidadãos podiam registrar e veicular seu protesto contra o mau uso de recursos públicos, adotando uma postura fiscalizadora também junto aos parlamentares.
Impostômetro móvel

Em 2012, o "Caminhão do Impostômetro", uma versão compacta do painel eletrônico, ideia da ACSP e da Facesp (Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo), fez uma peregrinação por diversas cidades do Estado de São Paulo para mostrar que "é do bolso do contribuinte que sai o dinheiro para manter a máquina pública", conforme disse, na ocasião, Luiz Quintiliani, diretor jurídico da Associação Comercial de Sorocaba (ACSO).
Na ação, o caminhão levava em seu baú diversos produtos de uso cotidiano com etiquetas indicando o percentual de tributos embutidos nos preços, uma versão em miniatura de outra iniciativa da ACSP, o Feirão do Imposto.
Muitos contribuintes locais, que visitavam o espaço, se impressionaram com os cálculos do IBPT, que mostravam que, do total de um pote de margarina, 35,98% correspondiam a impostos. Ou 40%, no caso do papel higiênico, e 46,47% do refrigerante em lata. Até a água mineral, "que vem do solo", lembrou um consumidor, é taxada em 44%.
Feirão do Imposto

Gestado em conjunto com o Impostômetro, o Feirão do Imposto, que tem 20 anos e 18 edições, consiste em expor bens de consumo duráveis e não-duráveis em gôndolas para mostrar a incidência da carga de 61 impostos federais, estaduais e municipais pagos pelo consumidor. A iniciativa, da ACSP, foi replicada por várias entidades em todo o Brasil.
Uma das principais conquistas do Feirão se deu em 2012, com a aprovação da Lei do Imposto na Nota (nº 12.741/2012), que passou a obrigar os estabelecimentos a incluirem nos documentos fiscais o percentual e valor aproximado de impostos pagos para deixar clara qual a carga tributária embutida nos produtos.
IMAGENS: DC/arquivo