Ícone do Centro de SP, Guarda Luizinho foi o 'Rei do Trânsito' entre os anos 70 e 80

Hoje com 85 anos, PM que atuou no cruzamento da Cel.Xavier de Toledo com Pça.Ramos de Azevedo, na época o 'mais perigoso' e o maior da América Latina, fez jus ao lema da corporação de “Servir e Proteger” e acrescentou “Educar” ao seu modus operandi de forma irreverente e cômica

Fernando Piovezam
22/Set/2024
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Ícone do Centro de SP, Guarda Luizinho foi o 'Rei do Trânsito' entre os anos 70 e 80

Luiz Gonzaga Leite. Ou melhor, Luiz Gonzaga ‘Guarda Luizinho’ Leite, o eterno Guarda Luizinho, é um patrimônio vivo da cidade de São Paulo, e um ícone do Centro da cidade nas décadas de 1970 e 1980 para quem circulou pela região.

O hoje policial militar aposentado, 85 anos, dedicou-se, naquele período, ao patrulhamento do trânsito no cruzamento da Rua Coronel Xavier de Toledo com a Praça Ramos de Azevedo, bem ao lado do prédio do saudoso Mappin, por 11 anos ininterruptos, sempre motivado a proteger e orientar, de forma lúdica, criativa e irreverente, pedestres e motoristas que por lá passavam.

Seu modus operandi peculiar, que marcou gerações, ainda está bem vívido na memória dos paulistanos sexagenários, septuagenários e octogenários, e surpreende até mesmo os mais novos, curiosos em conhecer a sua história, que está atrelada a da cidade de São Paulo - e em especial, do Centro. 

Não há como falar da região sem deixar de mencioná-lo, haja vista sua atuação única em uma via tida como a “mais perigosa” da época, considerada o maior cruzamento da América Latina, que chegava a receber mais de 1,2 milhão de pedestres por dia,  e o único da Capital que tinha mão e contramão para pedestre.

O profissional levava a sério o lema da PM, “Servir e Proteger”, mas acrescentou a ele outro verbo, “Educar”, que era bem conjugado durante seu ofício. Ele sempre preferia orientar a punir e, para tanto, desenvolvia métodos irreverentes e pedagógicos para salvar vidas.

Em algumas ocasiões, por exemplo, e como sermão educativo, Luizinho mostrava ao pedestre apressado uma caveirinha de plástico, que dizia ser o futuro daqueles que desrespeitam as leis de trânsito na cidade. 

Um dos seus lemas, estampado na capa de um encarte com reportagens antigas sobre ele diz: “Se ao atravessar a rua e você tiver pressa, lembre-se que a pressa sempre existirá, mas a mesma pressa fará com que você deixe de existir”. 

“Meu trabalho era o de preservação da segurança do pedestre. Todos ficavam na calçada. Ninguém colocava o pé para fora. Paravam e ficavam na faixa. E ninguém avançava”, lembra, com orgulho. Mas, se um ou outro desrespeitasse por algum motivo, ele intervinha pegando no braço do pedestre, conduzindo-o de volta à calçada.

Com os motoristas que desrespeitavam a faixa de pedestres, o Guarda Luizinho era ainda mais criativo nos sermões: quando paravam em cima da faixa, abria a porta e pedia que os pedestres passassem por dentro do carro.

Ou seja, um show à parte para o público, que aprendia, na prática e de forma cômica, as boas práticas no trânsito, com um policial diferente daqueles que a população estava acostumada a conviver no dia a dia da metrópole.

“O farol abria e fechava 379 vezes por dia, com 73 segundos para os veículos, 43 para os pedestres e nove no pisca-alerta, dando sinal de que o farol iria fechar. Quando dava o sinal, ninguém atravessava. Se alguém avançasse, outros pedestres já alertavam para mim, indicando o apressado”, relembra, orgulhoso e com memória afiada daquele período.

Em plena Ditadura Militar (1964-1985), o policial militar Luizinho despertava admiração por seu jeito fora do comum de trabalhar com o público. Seu revólver era de brinquedo – posteriormente foi obrigado a usar arma da corporação, mas sem munição – e, em vez de cassetete, tinha à mão folhetos sobre trânsito para entregar aos transeuntes.

“Prevenir acidentes é dever de todos [...] Como os pedestres também brincavam comigo, tinham alguns que puxavam a minha camisa, o coldre do revólver... Então, para evitar acidentes, eu não usava balas”, explica.  

Na esquina do antigo Mappin: revólver sem munição e folhetos de educação no trânsito

 

HOMENAGENS

O sucesso de sua carreira é tamanho, que teve de absorver em seu nome de batismo a alcunha da qual é conhecido, da forma como foi mencionado no início desta reportagem. O êxito profissional o levou a participar de programas de TV, como nas três vezes em que foi entrevistado por Jô Soares, além de participações especiais nos programas de Silvio Santos e no “Almoço  com as Estrelas”, da TV Tupi, apresentado por Lolita Rodrigues e Airton Rodrigues, primeiro programa a cores da TV brasileira. 

Sem contar as diversas homenagens que recebeu ao longo de sua trajetória, como a da Distrital Norte da Associação Comercial de São Paulo, em 1976, entregue pelo então superintendente Leonardo Placucci, fundador e ex-reitor da Unisant’Anna.

Segundo Thalita Lustosa, supervisora administrativa da distrital, Luizinho sempre participava de eventos institucionais, como encontros com comerciantes da região norte da capital paulista, desenvolvendo um bom relacionamento com os associados. Na pauta desses eventos, eram corriqueiros assuntos relacionados a faixas de pedestres e impacto do trânsito ao comércio local.

Em 1978, na administração do prefeito Olavo Setúbal, foi agraciado como uma das 10 personalidades do ano, na cidade, ao lado de Adoniran Barbosa. Guarda Luizinho, segundo algumas manchetes de jornais da época: “Trabalhava rindo, fazendo o povo rir”; era “O Rei do Trânsito, trabalhando na esquina da Alegria”; “Revolucionou a educação no trânsito com muito bom humor”; “Luizinho, o guarda que brinca seriamente”; “Luizinho, o guarda mais querido dos paulistanos”; “Cortesia e bom humor no trânsito de São Paulo”; “Guarda de trânsito dá show de como atravessar uma rua”; “Luizinho do Mappin ainda é o guarda diferente”; e, “Se quisesse, seria um vereador muito votado”. 

Luizinho faz parte da história da cidade e, como figura icônica representativa do Centro, e em reconhecimento ao trabalho prestado aos munícipes, tem recebido diversas mensagens de carinho e admiração em seus perfis no Facebook (@guardaluizinhogonzaga) e Instagram (@guarda_luizinho). Entre elas, constam até pedidos de construção de sua estátua e que seu nome seja considerado para rebatizar alguma rua de São Paulo.

“Eu adorava e amava trabalhar ao lado dos pedestres, que foram meus maiores aliados. Agora eles estão pedindo para fazer uma estátua minha em frente ao [prédio em que estava instalado] Mappin. É uma emoção muito grande ver o carinho deles, em especial dos office-boys”, conta.

Mesmo com quase 90 anos, Luizinho não para. Em maio deste ano, por exemplo, lançou o livro “Guarda Luizinho: Ícone de São Paulo – Herói do Povo Brasileiro”, pela editora Letras do Pensamento, na livraria Leitura, no Shopping Light.

Na obra, o eterno guardinha narra suas peripécias no trânsito do Centro e tenta mostrar que é possível uma aproximação do povo com a polícia por intermédio de ações espontâneas de amizade e respeito, além de se colocar como “exemplo de cidadania para os que amam a paz, a civilidade e amor ao próximo”. O prefácio do livro é do Coronel da PM Alexander Gomes Bento.

“Recordar é viver! Eu nunca fiz nem uma multa e, o mais importante para mim, nunca nem um pedestre foi atropelado na minha frente. Em uma cidade onde o número de atropelamentos é muito grande, naquele cruzamento nunca houve ocorrência”, celebra o eterno Guarda Luizinho.

Para encerrar, Luizinho, que se define como “católico, corintiano, com medo de briga e muito tímido,” enfatiza como sempre atuou em sua vida como o guarda-patrimônio da nossa São Paulo: “Nós vivemos de escolhas. Como policial militar e guarda de trânsito, escolhi trabalhar com prevenção, orientação e educação, no lugar de punição. Escolhi estar ao lado dos pedestres”.

FOTOS: Arquivo pessoal

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