Fake news: um mundo paralelo de narrativas mentirosas
Justiça Eleitoral pretende punir a má-fé que circula na internet, mas tarefa não é fácil. Essas "notícias" são compartilhadas ao exprimir frustrações e preconceitos

“O juiz Sérgio Moro publicou um apelo em favor do voto nulo, para com isso bloquear a eleição de corruptos”.
Essa informação não tem o mínimo fundamento.
Mesmo assim, ela aparece com insistência nas redes sociais. O mesmo apelo havia circulado em 2010, mas atribuído a lideranças religiosas, como o papa Francisco ou o Dalai Lama.
A ideia por trás dessa mensagem –e que também é errônea -era de que, com mais de 50% de votos nulos, as eleições seriam canceladas.
Nos bons tempos em que a informação era sobretudo impressa, o dirigente chinês Mao Tsé-tung (1892-1976) declarou que “o papel aceita tudo”.
Com a internet, o mesmo passou a valer para computadores, tablets ou celulares. Com a diferença de que, agora, a falsa informação circula com maior rapidez e atinge uma quantidade incomparavelmente maior de pessoas.
A Justiça se preocupa com os efeitos das notícias mentirosas nas próximas eleições de 7 de outubro. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estará sob a presidência do ministro Luíz Fux.
Ele procura montar um mecanismo de mínimo controle, com a ajuda da Polícia Federal e do Ministério da Defesa.
Existe a possibilidade de forçar a retirada de posts inverídicos ou punir seus autores ou aqueles que o compartilham. Mas é uma operação delicada, que tem de tudo para fracassar.
Enquanto isso, as redes sociais prosseguem como paraíso para a proliferação das chamadas fake news (notícias mentirosas).
DO APARTAMENTO DE FHC AO PEDÁGIO DE SERRA
Uma das mais antigas, e que procura atingir o PSDB, refere-se ao suposto apartamento que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso teria comprado, em Paris, na avenue Foch –um dos locais mais caros do mundo.
Não adianta desmentir ou obter a retratação por meios judiciais –o site petista Brasil 247 já precisou voltar atrás. A “informação” ressurge periodicamente, e tem como pano de fundo a ideia de que os 6 milhões de euros (R$ 23,3 milhões), o custo do inexistente apartamento, foram obtidos por corrupção durante as privatizações.
Outra fake news de circulação persistente é a de que José Serra presenteou ao próprio genro os pedágios do Rodoanel. A mesma informação foi reciclada e atribuída a Geraldo Alckmin.
Como versão desfavorável aos petistas, prováveis autores de tais boatos, há a fotomontagem em que Lula e Dilma aparecem como padrinhos de casamento de Joesley Batista, da JBS.
Para desacreditar o governo Temer por um flanco em que ele não é vulnerável, circulou nesta quinta-feira (11/01) a informação de que a queda da inflação dos alimentos em 2017 foi uma “invenção da TV Globo”.
Sem comentários: os dados foram compilados por essa instituição internacionalmente respeitável chamada IBGE.
Há postagens delirantes. Uma delas “revela” que o Wikileaks, aquele sistema de vazamento de documentos sigilosos, “descobriu” que o impeachment de Dilma fez parte de uma conspiração americana, da qual participaram o juiz Sérgio Moro e a Polícia Federal.
Essa fake news, formatada com o logotipo da CIA, também diz que uma das metas do golpe seria provocar a falência das empresas de construção civil, para substituí-las por empreiteiras dos Estados Unidos, “conforme já aconteceu no Oriente Médio (sic)”.
DA DIRETORA DO FMI À INVASÃO AMERICANA
Outra informação caricatural envolve a diretora-geral do FMI, a francesa Christine Lagarde. Ela teria afirmado que “os idosos vivem demasiado, e isso é um risco para a economia global”. E que “há que tomar medidas urgentes”.
Traduzindo: o neoliberalismo representado pelo FMI sugere o genocídio de idosos. Mas no site da instituição, onde estão arquivadas todas as entrevistas, textos e declarações de Lagarde, essa frase simplesmente não existe.
Há sites que alertam contra informações inverídicas sobre medicamentos ou medicina doméstica (“usar farinha de trigo para curar queimaduras”, o que é uma aberração).
Mas as fake news são socialmente mais perigosas quando trazem algum condimento político. Dezenas delas estão sendo colecionadas por uma sessão permanente do site G1.
Por ela ficamos sabendo, por exemplo, que muçulmanos destruíram uma igreja católica no Maranhão. Mas isso nunca ocorreu, e a foto mostrada é das Filipinas.
As pessoas se revoltam com as fortunas distribuídas aos artistas pela Lei Rouanet? Pois elas podem se indignar com a informação de que um gênio das artes plásticas levantou R$ 9 milhões para produzir “um quadro invisível”.
Tem até foto da exposição. Pena que ela tenha como origem um programa humorístico feito no Canadá em 2014.
Também é boato infundado a informação de que Michel Temer aboliu um decreto assinado por d. Pedro 2º, que permitia que advogados fossem chamados de “doutor”.
Ou então que o recuo do mar no litoral brasileiro inviabilizou o porto de Paranaguá, ou que, em razão do mesmo recuo, o Uruguai e a Nasa alertaram o Brasil para o risco iminente de um tsunami.
Por fim, também é falsa a informação de que os moradores da cidade mais pobre do país, localizada no Maranhão, deram uma surra no prefeito e o amarraram a um poste.
Boa parte dessas informações inverídicas corresponde ao desejo de uma população que atribui a ineficiência do Estado à desonestidade dos políticos.
Isso pode ser em parte verdade. Mas as narrativas criadas para dar forma a tamanha frustração acabam por construir caricaturas que são levadas a sério apenas por pessoas de menor escolaridade ou com a mente deformada por um engajamento político um tanto patológico.
É mais ou menos por aí que se deve interpretar uma pergunta feita há dias pelo Facebook: seria verdade que os Estados Unidos invadiriam o Brasil, caso Lula seja absolvido, no próximo dia 24, pela segunda instância da Justiça Federal, em Porto Alegre?
Pois é. A tela de um computador e a de um celular são como papel: aceitam tudo.
IMAGEM: Thinkstock