Drogas (2) - Onde as empresas acertam e onde erram

Para ter sucesso, os programas antidrogas adotados pelas empresas devem trocar o preconceito, a repressão e a demissão pela educação continuada, inclusão da família e tratamento. Saiba o que funciona e o que atrapalha

Inês Godinho
02/Ago/2016
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Drogas (2) - Onde as empresas acertam e onde erram

Quando se fala em dependência química, os programas adotados pelas empresas não se restringem a olhar para os dependentes.

Na abordagem moderna do problema, como se viu na primeira parte desta reportagem, a prevenção ocupa um espaço-chave, dentro de uma estratégia de orientação, prevenção e controle.
  
Motivados pela expansão contínua do uso de substâncias e pela falta de resultados das políticas de repressão, os especialistas recomendam olhar para todo o universo da empresa. E não apenas para usuários pesados.

Na implantação dos programas, deve se considerar os diferentes padrões de consumo: quem usa, quem abusa e quem é dependente. 

AÇÃO PERMANENTE

 Hoje, está bem estabelecido que programas de prevenção que funcionam são os de educação continuada, como o adotado pelo Proad, em São Paulo.

O serviço mantido pelo Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) se tornou referência entre os centros de orientação e tratamento do país.
  
As atividades executadas pelo Proad prevêem também consultoria para escolas e empresas.

“Oferecemos educação continuada aos profissionais sobre como lidar com a questão do uso de substâncias”, disse o psiquiatra e pesquisador Thiago Fidalgo, coordenador do setor de adultos do Proad.

VISÃO SISTÊMICA

Entre as experiências em curso no Brasil, o Sesi/RS tem um dos programas mais antigos e difundidos, implantado em grandes e pequenas empresas.

Criado em 1995 em convênio com a ONU, o Projeto de Prevenção de Uso de Drogas no Trabalho e na Família trabalha com uma equipe multidisciplinar e cobre a totalidade dos funcionários de uma empresa. 

Antes de propor ações diretas, os consultores fazem o levantamento de vários indicadores para avaliar o contexto e o clima organizacional. 

Uma das bases da metodologia está em transformar alguns funcionários em agentes do programa para difundir a tomada de posição da empresa em relação às drogas.

Orientado por uma equipe multidisciplinar, o multiplicador ganha maior poder de convencimento do que os profissionais de saúde, tanto em relação à prevenção quanto a apoiar o dependente.

Outras medidas estratégicas do programa do Sesi/RS incluem o treinamento especial para os gestores aprenderem a lidar com suas equipes, o envolvimento da família nas atividades e assessoria para a empresa formular uma política em relação ao problema.
 
Além de aumentar a proximidade com o colaborador, essas iniciativas servem como um aval de que não haverá risco de demissão. 

“O dono da empresa precisa estar atento à saúde e bem estar do funcionário”, ressalta a assistente social Angela Fick, especialista em prevenção ao uso de drogas no trabalho e uma das coordenadoras do programa.
 
Pela proposta, não se trata de benemerência. “Pensando em relação custo-benefício, sai mais barato orientar e tratar o funcionário do que demiti-lo”, disse a especialista.

O CERTO E O ERRADO

Como essas experiência apontam, há um jeito certo e um jeito errado de tratar a dependência química na empresa.

 • Não ter uma política de prevenção e uso de drogas
 • Deixar de aplicar a política da empresa, quando ela existe
 • Manter tolerância ao consumo de álcool e não tratá-lo como um problema. 
 • Ter o programa e não oferecer alternativas e tratamento para quem aderir
 • Ser impositivo com a adesão ao programa
 • Não preparar o gestor direto do funcionário
 • Deixar tudo na mão de uma assistente social sobrecarregada
 • Criar um clima de exclusão em torno do funcionário. 
 • Ameaçar de demissão
 • Fazer uso de teste toxicológico sem ter um programa que o justifique 
 • Promover palestras muito focadas no tema

 • Trazer o assunto para dentro da empresa como uma iniciativa da alta direção 
 • Formular uma política que mostre com clareza a posição da empresa e seja válida para todos os escalões
 • Prever na política como será feito o encaminhamento dos casos e a reinserção do funcionário reabilitado
 • Ter um plano de informação e educação dirigido a todos os funcionários
 • Capacitar os gestores e as equipes de RH e comunicação interna
 • Monitorar os fatores de risco, como as situações de conflito, stress excessivo, problemas familiares ou financeiros 
 • Revisar a comunicação e abolir palavras estigmatizadoras, como viciado e drogado
 • Estabelecer um canal de acesso sigiloso para fortalecer a confiança no programa
 • Mais atividades e menos palestras – Envolver os funcionários em programas culturais, esportivos, sociais ou lúdicos proporciona convivência e alívio do stress 
 • Ao abordar o assunto, adotar um tom de apoio e não de recriminação; entender o que está acontecendo e ver o que pode fazer
 • Fazer o assunto chegar na família, pois é quem vai reforçar a adesão se souber que há recursos para tratamento
 • Acompanhar todas as etapas do programa e dos casos em tratamento
 • Fazer trabalho articulado com a rede de saúde, grupos de autojuda e ONGs como AAA para contar com uma equipe multidisciplinar 
 • Ressaltar o caráter voluntário da adesão ao programa e ao tratamento

 

"A prevenção ao consumo de drogas deve ser iniciada na infância, pela família e pela escola" Coronel Edson Ferrarini

Há 45 anos, a constatação do alto índice de dependência alcoólica entre sua tropa impressionou o coronel reformado e ex-deputado estadual Edson Ferrarini. Formado em direito, ele sentiu necessidade de ganhar novos conhecimentos para entender as causas do problema.

Estudando psicologia enquanto acompanhava lado a lado os casos que surgiam, desenvolveu um método para ajudar os dependentes. Desde então, centenas de pessoas passaram por seus centros de tratamento, com uma média de recuperação de 30% a 40%.

“O primeiro caso que acompanhei, ainda na Polícia Militar, foi de um soldado que já havia sido internado três vezes”, conta Ferrarini. “Ele chegava a vasculhar a Serra da Cantareira em busca de garrafas de bebida usadas em despachos. Um dia foi pego com um funil na viatura, enchendo um recipiente.”

Diante da demissão iminente do subordinado, que considerava um bom soldado quando sóbrio, Ferrarini teve uma conversa para entender o que acontecia. E propôs um acordo – que ele entrasse para o Alcoólicos Anônimos (AAA).

Tenha sido a conversa ou a técnica do AAA, o soldado não bebeu mais. Entusiasmado, o coronel reformado se tornou um estudioso do assunto.

De um centro de reabilitação para soldados, seu primeiro projeto, ele criou uma clínica para dependentes químicos, onde atende até hoje. O trabalho consiste em reuniões semanais com grupos e palestras. A fala, para ele, é o grande libertador.

Com o aumento do consumo de drogas ilícitas, no entanto, Ferrarini mudou em parte sua estratégia. Atualmente, tem dirigido seu trabalho para projetos de prevenção com crianças em escolas por meio de palestras.

Considera que o enfrentamento da dependência se tornou tão complexo que passou a defender ações das famílias e professores para que se evite o primeiro contato com as substâncias químicas com bastante antecedência.

Imagem: ThinkStock

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