Dias sombrios para a Argentina de Mauricio Macri
Greve que paralisou o país nesta segunda-feira é resposta ao "tarifaço" de maio e à desvalorização do peso, que deve acelerar a inflação
Os dias não têm sido nada gloriosos para a Argentina, paralisada nesta segunda-feira, 25/6, pela terceira greve geral, desde que o presidente Mauricio Macri foi eleito, em dezembro de 2015.
Existem sólidas razões econômicas e políticas e um inevitável oportunismo sindical por detrás da paralisia.
Mas o que também conta é o choque de autoestima, com o empate contra a Islândia (1 x 1) e a derrota contra a Croácia (3 x 0). E ainda tem, nesta terça, 26/6, um jogo difícil contra a Nigéria.
É claro que o futebol corre em faixa própria nos caminhos da crise argentina. Mas o país deixou de amar a si mesmo com os desastres do técnico Jorge Sampaoli e com a impossibilidade de Lionel Messi, isoladamente, reverter o pessimismo.
Os sindicatos, sobretudo a central peronista CGT, que apoia em 2019 a candidatura da ex-presidente Cristina Kirchner, foi o primeiro a convocar a greve desta segunda, e por motivos que fazem sentido.
Os dissídios coletivos na Argentina acontecem por volta de abril, e a última rodada se baseou numa previsão da inflação de 15% até o final do ano. Mas a inesperada desvalorização do peso em 30% abria o cenário de um forte arrocho salarial.
A Argentina sofreu na segunda metade do semestre uma fuga de capitais. Sem reservas em dólar para salvaguardar sua moeda, a única solução para o governo foi recorrer ao Fundo Monetário Internacional (FMI).
A rigor, aquela organização e Macri compartilham dos mesmos valores em política econômica, sobretudo quando se trata de equilíbrio fiscal.
Mas o FMI é uma bandeira diabolizada pela esquerda peronista. Ela evoca a tragédia que ocorreu em 2001, quando o peso se deslocou do dólar e o país caiu no maior buraco de sua recente história.
NÃO É MAIS BEM ASSIM
Foi de pouca utilidade o esforço do presidente argentino ao argumentar que aquilo que acontecia agora não tinha a mais leve semelhança com o fim traumático da dolarização, adotada pelo ex-presidente Carlos Menen (a Argentina deixou de ter dólares em quantidade para manter a paridade).
O fantasma voltou a circular, com um peso ideológico semelhante ao da derrota contra a Croácia.
Somem-se a isso um conjunto de outras más notícias. O desemprego está em alta (9,1%, contra 7,2 no último trimestre de 2017). E a própria popularidade de Macri caiu para 35%, frente a 58%, em outubro.
Naquele mês, o presidente argentino obteve uma razoável vitória nas eleições legislativas parciais (o Congresso não é eleito de uma só vez). Não chegou ainda a conquistar a maioria.
Mas contava com o apoio dos peronistas de direita, que nas presidenciais de 2019 preferem, no fundo, Macri a Cristina.
Ora, até esse grupo oficioso de governistas também debandou. E aconteceu em maio, com o projeto do governo que elevou o transporte urbano e as contas de gás e eletricidade.
Em verdade, um “tarifaço” anterior já havia ocorrido quando Macri tomou posse e pôs fim aos subsídios de bens de consumo essenciais que provocavam déficits orçamentários monstruosos nos tempos de Cristina Kirchner.
A questão se tornou, desde então, fundamental nas discussões sobre o papel do Estado na Argentina. Ou ele engordava, para subsidiar os mais pobres, ou então ele emagrecia, e o mercado encontrava o ponto de equilíbrio dos preços e tarifas.
Era no fundo uma queda de braço, em que Macri convencia a imensa e poderosa classe média argentina de que sua política era a mais realista e viável.
O jogo estava equilibrado ou favorável ao governo até que veio a portentosa pressão sobre o peso, que encarece as importações e impede que a inflação chegue em dezembro ao ponto mais distante dos 40% herdados de Cristina.
A AVENTURA DOS LEBAC
Esse problema tem nome e sobrenome. Chama-se Lebac. É a abreviação do nome de um título chamado Letras do Banco Central.
A coisa funcionava, resumidamente, assim: o governo emitia esses títulos de curtíssimo prazo, pagando juros anuais de 29%. Os investidores – da classe média baixa às grandes empresas financeiras -, no momento do resgate, podiam receber pesos argentinos ou dólares.
O estopim que desequilibrou o mecanismo veio dos Estados Unidos, com o aumento das taxas de juros do Federal Reserve, o que criou um efeito manada no mercado argentino de títulos.
Seguindo os investidores de maior porte, a classe média passou a vender seus títulos e exigir dólares em troca. O câmbio então rolou ladeira abaixo, com uma desvalorização da moeda argentina em relação à norte-americana.
Vejam que não há nisso, a rigor, nenhuma manobra “neoliberal” para concentrar renda e prejudicar os assalariados.
Mesmo assim, o adjetivo voltou a ser aplicado a Macri, que também foi obrigado a aplicar as regras fiscais do FMI, para justificar o empréstimo-ponte de US$ 50 bilhões que a Argentina contraiu.
Estamos nesse ponto. E pode ainda piorar mais um pouco para Maurício Macri.
FOTO: Nahuel Padrevecchi/GCBA