Eleições na Argentina
No domingo, os argentinos não decidiram que tipo de peronismo desejam. Postergaram a decisão para 22 de novembro. Qualquer que seja a opção, contudo, os problemas estruturais persistirão.
O resultado da eleição presidencial na Argentina surpreendeu muita gente. Esperava-se que o candidato da situação, Daniel Scioli, pudesse eleger-se em primeiro turno ou, caso isso não ocorresse, que a margem o segundo colocado fosse muito pequena.
A surpresa veio sob a forma de um quase empate e pela remessa do desempate para um segundo turno – o primeiro na história eleitoral do país. Mais significativo, agora, é maior a possibilidade de que Mauricio Macri e seu partido “Cambiemos” vençam a segunda rodada da eleição presidencial em 22 de novembro próximo.
O que muda com essa reviravolta eleitoral? Como em outros pleitos desde 1946, o peronismo foi mais uma vez onipresente, tanto na como na oposição. Para um espectador de fora, fica a impressão de que o espectro político argentino se resume a variantes do peronismo histórico.
Contudo, o eleitor que votou no último domingo não encontrou em parte alguma a expressão “peronista” ou “justicialista”. O pós-peronismo paira sobre um sistema político fragmentado como uma alma penada, oferecendo ao eleitor apenas mais do mesmo.
O tema de todos os peronismos é o mesmo trazido por Juan Domingo Perón em 1946: promover a igualdade social de todos os argentinos. No passado isso se traduziu na ampliação de direitos políticos e amplos programas sociais; a contrapartida foram as restrições às liberdades individuais e às garantias constitucionais.
Quando a União Cívica Radical venceu as eleições com Raul Alfonsín em 1983, quebrando a hegemonia do peronismo, ficou claro que ampliar direitos ao custo de reduzir a liberdade não mais funcionava.
A despeito disso, a crise com que se encerrou seu governo trouxe de volta o Partido Justicialista com Carlos Menem. Inaugurava-se um novo peronismo, completamente distinto dos anteriores.
Essa nova feição moldou-se às novas circunstâncias da hiperinflação herdada do Radicalismo e da desordem da economia daí resultante.
Não havia opções fora do ajuste da economia, da prioridade às privatizações como fonte de receita pública e à abertura da economia – a igualdade distributivista voltaria com a retomada da economia, assim se prometia. De fato, ocorreu que a promessa de redistribuição de renda transformou-se em ajuste econômico.
O peronismo perdeu novamente a eleição de 1999. Já agora, a Argentina havia se reconciliado com a democracia representativa e a rotatividade dos partidos políticos no poder. Seguia, com pequeno atraso o mesmo fenômeno ocorrido na Grã Bretanha com a ascensão do trabalhista Tony Blair.
Quando Néstor Kirchner foi eleito presidente, trazendo de volta a versão do peronismo do extremo sul do país, percebeu que o sistema político argentino estava profundamente fragmentado.
A explosão dos preços das commodities propiciou os recursos necessário a um país com a vocação de exportador de alimentos e ao novo governo; o kirchnerismo tornou-se a versão atualizada do peronismo tradicional, exercido por Néstor e depois por sua esposa-presidente, Cristina.
Essa versão modernizada, contudo, dispensou os sindicatos, espinha dorsal do peronismo tradicional. O novo peronismo também abandonou o modelo tradicional de redistribuição de renda dos mais abonados para os mais carentes. Agora, a redistribuição continuou, exceto que de todos, ricos e pobres, para o governo.
No domingo, os argentinos não decidiram que tipo de peronismo desejam. Postergaram a decisão para 22 de novembro. Qualquer que seja a opção, contudo, os problemas estruturais persistirão.
Como muitos países da América do Sul, a Argentina ainda está por retomar o caminho do crescimento, única via sustentável de incorporação dos mais pobres aos frutos do desenvolvimento.
Não é um desafio como outro qualquer, dada a desorganização da economia. O déficit fiscal ronda os 7% do PIB e a inflação supera 20%; o câmbio permanece valorizado e o saldo comercial está encolhendo.
O volume de investimentos necessário para tornar realidade os extensos campos de petróleo e gás de xisto da Patagônia argentina requerem investimentos da ordem de 20 bilhões de dólares. Infelizmente, o país não consegue acessar esses recursos no mercado internacional.
O que distingue os candidatos é a velocidade com que prometem resolver os problemas que herdarão. Daniel Scioli promete apenas mudanças “graduais”. Mauricio Macri pretende restaurar a credibilidade das instituições e abrir a economia ao investimento estrangeiro.
De longe, nos resta torcer pela retomada do crescimento no vizinho. Porque em nossas plagas isso ainda vai infelizmente demorar.