Como equilibrar as finanças durante a crise do coronavírus
Para manter fluxo de caixa mínimo e pagar a equipe, restaurantes como o Bia Hoi (acima) vendem créditos para consumo futuro. Especialista do Sebrae dá mais dicas para ultrapassar esse momento
A vida de um restaurante depende muito do seu movimento. A frase, de Danielle Borges, proprietária do pub de gastronomia vietnamita Bia Hoi, na Vila Buarque, resume a situação de estabelecimentos do tipo, que passaram a sofrer os impactos da epidemia de coronavírus com mais intensidade a partir do último dia 15 de março.
Primeiro, ela viu o movimento semanal de clientes cair de 600 para 15 pessoas entre os dias 16 e 20 últimos. Logo depois, no dia 23, um decreto estadual obrigou bares e restaurantes a baixar portas para evitar aglomerações.
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Para conseguir pagar o salário da equipe de 12 funcionários, Danielle procurou agir rápido. E adotou uma medida emergencial e bem aceita, de início, por clientes habituais e novos: vender créditos para consumo futuro. Quem adquirir vales de R$ 30, R$ 50 ou R$ 100, poderá consumir R$ 40, R$ 65 ou R$ 140 quando tudo voltar ao normal.
Usar a criatividade para ultrapassar esse momento foi a tática da empresária para reduzir perdas, tentar equilibrar o caixa e não demitir, a princípio. Porém, se em momentos como esse ressurge a máxima "é na crise que surgem oportunidades", também é preciso preparar o negócio financeiramente para uma futura retomada.
Assim como fez o Bia Hoi, quando o cenário muda, segundo João Carlos Natal, consultor do Sebrae-SP, é hora de fazer um diagnóstico rápido do negócio para mantê-lo em pé. "Olhando como está a situação agora, em que praticamente todos foram impelidos a trabalhar com o digital, é preciso criar outros canais de venda."
Como exemplo, ele cita o restaurante de gastronomia portuguesa Alfama dos Marinheiros, nos Jardins: tradicional, com mais de meio século de atividades e uma carteira de clientes fieis, precisou se render ao delivery após o decreto estadual. "De uma hora para outra, teve de se adaptar digitalmente para criar outras fontes de faturamento."
Renegociar contratos com fornecedores, com aumento de prazos para pagamento dos compromissos é essencial nesse momento. Isso ajuda a manter capital de giro para as despesas mais imediatas, orienta Natal.
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"A permuta, ou seja, a troca de produtos ou serviços com outro fornecedor, como a oficina mecânica que troca serviço com seus fornecedores de peças é outra tática bacana: reduz custos (como propaganda) ao colocar o produto ou serviço à venda pelo preço do cliente, e a margem de ganho é a mesma", completa.
Outra questão importante nesse momento é a reclassificação dos custos, de preferência desde o início do negócio, para descobrir o que gera gastos desnecessários. Como a troca de um freezer antigo por um que consuma menos energia, ou por equipamentos mais modernos numa padaria, por exemplo, para evitar acidentes de trabalho.
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"É hora de fazer as contas e avaliar linhas de financiamento do governo estadual para trocar equipamentos a juros subsidiados", afirma o consultor do Sebrae-SP. "Ou ficar atento à redução de até 50% nas linhas de capital de giro da Caixa, assim como a prorrogação do vencimento de dívidas de MPEs pelo cinco maiores bancos por 60 dias."
Mas, apesar de o governo federal ter anunciado R$ 40 bilhões em linhas de crédito na última sexta-feira (27/03) para financiar a folha de MPEs por dois meses, esse deve ser o último item a ser avaliado, diz o consultor do Sebrae-SP.
"É preciso colocar na ponta do lápis: se eu não sei o que vai acontecer, se não tenho perspectiva de futuro, apesar de que em algum momento isso vai se ajustar, é preciso entender esse impacto na economia como um todo", afirma. "Afinal, até o poder de compra voltar de novo, todo mundo vai segurar dinheiro", alerta.
COLOCANDO A CABEÇA PARA PENSAR
Trabalhar com fluxo de caixa apertado é a realidade de 99% dos restaurantes, segundo Danielle Borges, do Bia Hoi. Por isso, uma queda de faturamento de 95% em uma semana gera um déficit muito grande e preocupante.
"Sabíamos que, desse jeito, certamente não haveria caixa pra pagar salários no fim do mês, nem os próximos boletos com fornecedores. Por isso, passamos a renegociar e pedir mais prazos", conta. "Mas, nossa principal urgência era equacionar essa questão dos funcionários."
Foi através de uma plataforma de restaurantes de São Francisco (Estados Unidos), que ela teve a ideia de vender os vouchers para clientes usarem no futuro, na tentaiva de gerar fluxo de caixa nesse momento de coronavírus.
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"Colocamos no ar no último dia 19, e tivemos bastante procura no começo. Mas as vendas deram uma estabilizada, e nessa última semana vendemos uma média de cinco por dia", conta.
No modelo de negócio baseado em experiência do Bia Hoi, o cliente quer conversar com a equipe, provar, saber como os pratos são preparados... Mas, apesar de estar nos dois principais aplicativos, o delivery representava só 10% do faturamento. E a expectativa de o volume de entregas crescer nesse período ainda não se concretizou ainda.
"Os apps, pela alta demanda e falta de entregadores, estão trabalhando com área de entrega reduzida nos horários de pico. Isso impacta direto no nosso faturamento, apesar de ter sido o grande apoio nos dias mais fracos ", diz.
Trabalhando de portas fechadas desde o dia 23, decidiu dar férias, negociar folgas com os funcionários e passou a cuidar dos pratos do delivery sozinha. Mas a partir desta semana, precisou tomar uma decisão drástica: suspendeu alguns contratos de trabalho até a volta da quarentena, e dispensou outros. "Por enquanto, o Bia Hoi sou eu."
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Ao ser perguntada se a linha de crédito do governo para cobrir a folha de pagamento por dois meses não seria uma opção para não demitir, Danielle foi taxativa: por tratar-se de um empréstimo, um pequeno restaurante que está há praticamente 15 dias fechado corre o risco de não ter condições de pagá-lo daqui a seis meses.
"Minha folha custa em torno de R$ 25 mil. Se eu fizer um empréstimo bruto para esses dois meses para sair da crise devendo R$ 50 mil e ainda tendo fornecedores a pagar, é uma solução que não refresca nada", avalia. "Sem contar que muitos restaurantes pequenos não conseguem liberar um crédito dessa ordem por score baixo."
Agora, Danielle repensa a operação para se preparar para a retomada - o que depende do tempo de duração e das condições da volta. "Estou tentando não entrar em pânico e botando a cabeça para pensar justamente para conseguir segurar as pontas até lá. Acho que esse é ponto-chave agora", conclui.
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