China se declara economia de mercado e quer direitos
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) estima que 66 mil postos de trabalho poderiam ser destruídos caso o Brasil modifique a forma de tratar as importações chinesas

Depois de décadas de negociações e de um processo de adaptação de 15 anos, a China reivindica ter chegado a sua hora de fazer parte do sistema multilateral do comércio com plenos direitos, com a abertura de mercados.
Diplomatas e especialistas alertam que a nova posição chinesa abre um período de tensão e riscos de ver a proliferação de disputas comerciais entre as grandes potências.
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Hoje, conclui-se o período que a China tinha para reformar sua economia, num acordo estabelecido em 2001 para sua adesão à Organização Mundial do Comércio (OMC). Pequim argumenta que fez sua lição de casa, abriu seu mercado e mudou suas leis.
Agora, quer que o mundo reconheça a China integralmente como uma "economia de mercado", um compromisso que muitos países se recusam a assumir. Para o Ministério do Comércio chinês, quem não seguir essa linha será alvo de disputas comerciais e retaliações.
"As medidas necessárias serão tomadas", declarou Shen Danyang, porta-voz do governo chinês.
Em termos técnicos, o novo status daria aos chineses a vantagem de serem tratados como todas as demais economias do mundo, sem discriminação comercial ou barreiras extras. Isso tem um impacto direto na aplicação de medidas antidumping contra produtos chineses.
SILÊNCIO
O governo brasileiro informou à indústria nacional que vai manter silêncio e não fará nenhuma declaração reconhecendo a China como economia de mercado.
A postura tem sido bem recebida pelo setor produtivo nacional, que teme uma onda ainda maior de importações chinesas caso haja uma mudança no tratamento dos bens comprados do país asiático.
Usando dados da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), a Confederação Nacional da Indústria (CNI) estima que 66 mil postos de trabalho poderiam ser destruídos caso o Brasil modifique a forma de tratar as importações chinesas, apenas no primeiro ano de entrada em vigor da nova lei.
O impacto seria de US$ 18 bilhões.
Hoje, das cerca de 150 medidas antidumping que o Brasil aplica, 52 são direcionadas contra produtos chineses.
Oficialmente, o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços não se pronuncia sobre o tema. Na missão do Brasil na OMC, nenhuma orientação foi recebida indicando uma mudança de posição. O Itamaraty também não se pronuncia.
O governo tem dado indicações ao setor privado de que não fará declaração pública, alegando que não tem a obrigação de anunciar qualquer tipo de mudança. A posição ficou clara em encontros entre os diversos ministérios brasileiros e a CNI, além de entidades setoriais.
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Durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil chegou a anunciar que reconheceria a China como economia de mercado, em troca de um apoio de Pequim por uma vaga permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). Mas esse apoio chinês nunca se concretizou.
Agora, a estratégia usada pela indústria tem sido a de tentar evitar um confronto direto com a China nos tribunais da OMC.
Para isso, diversos setores se apressaram e, nos últimos meses, apresentaram dados ao governo pedindo que medidas antidumping fossem adotadas. Como os processos foram abertos antes de 11 de dezembro, não poderão ser questionados por Pequim.
Enquanto os casos são acelerados, o Brasil vai observar de que forma a China vai se comportar diante de medidas antidumping adotadas por outros governos e como a OMC vai julgar os casos.
Para o diretor de Desenvolvimento Industrial da CNI, Carlos Abijaodi, não existem condições de que a China seja considerada pelo Brasil como economia de mercado, principalmente diante do envolvimento do Estado na determinação de preços e de câmbio.
"Consideramos que as condições não estão dadas", afirmou o diretor.
FOTO: Agência Brasil