Caminhamos para um varejo on-demand

O comportamento do consumidor mudou no último ano e as abordagens do varejo também. Numa tentativa de se adaptar, é possível que as lojas entrem num movimento inverso ao de sacolas lotadas

Mariana Missiaggia
26/Mai/2021
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Caminhamos para um varejo on-demand

Superadaptados a utilizar serviços por assinaturas associados à tecnologia, os consumidores brasileiros devem entrar numa nova era de consumo também no que diz respeito às compras de produtos e bens de consumo capitaneadas pela produção on demand - ou na tradução para o português, sob demanda.

Considerada a primeira plataforma de moradia por assinatura do mundo, a startup Housi é facilmente comparada a um Netflix imobiliário em que o locatário paga um aluguel mensal por um imóvel da plataforma e tem acesso a serviços extras, como manutenção, limpeza e até atividades físicas.

O grande diferencial da plataforma - e que deve ditar o comportamento de consumo num futuro próximo - é a proposta de atender o consumidor sob demanda, de forma prática e sem burocracia. Por lá, é possível, por exemplo, fechar uma locação curta de apenas um mês, algo raro no mercado imobiliário tradicional. 

Trata-se de uma percepção de negócio sensível ao avanço de outros serviços por assinatura e ao fato de que a opção de compra de um imóvel tem se tornado cada vez menos atraente às gerações mais jovens.

MENOS É MAIS

O mesmo parece se replicar no mercado de bens de consumo. Um dos documentários mais assistidos no Netflix durante a pandemia, "Minimalismo Já", levantou uma reflexão entre os espectadores e abriu caminho para um estilo de vida baseado no desapego.

O material mostra o cotidiano dos amigos de infância, Joshua Fields Millburn e Ryan Nicodemus, ambos de 39 anos, e suas mudanças ao se tornarem minimalistas. A produção mostra como uma vida com menos coisas contribuiu para que eles tivessem uma melhor saúde mental e financeira. 

Durante a pandemia, muita gente teve que reorganizar a casa e liberar espaço para poder criar uma área de trabalho. Essa atitude gerou muita limpeza, e além de tudo, uma importante reavaliação de valores para algumas pessoas, que conseguiram despertar para uma nova forma de viver estando confinados dentro de casa.

Por essa razão, muitos começaram a levar o minimalismo para outras áreas de suas vidas. E as marcas perceberam isso.

Ao passo que passaram a consumir menos durante a pandemia, os consumidores deram preferência a reformar roupas e calçados, comprar itens usados e a pensar de forma global. As prioridades passaram a ser outras. Ou seja, aqueles que tiveram sua renda reduzida, gastaram menos, e quem se manteve trabalhando, procurou formas de otimizar o seu dinheiro para garantir outras experiências importantes.

Surge então um novo tipo de consumismo, que vai na contramão das compras por impulso, de grandes volumes. Os adeptos deste novo estilo de vida passaram a se desafiar, conforme o próprio documentário propõe. Com muitas variações, há quem tente, por exemplo, se manter firme no projeto 33 e usar apenas 33 peças de roupa durante três meses. Há quem se comprometa em doar um item de sua casa por dia durante um mês e há aqueles que abandonam o telefone celular por 40 dias.

Esse novo comportamento despertou no varejo a versatilidade de funcionar de acordo com as necessidades dos clientes, ou seja, com produtos sob demanda e que, com a ajuda da tecnologia, possa atender a essas demandas quase que de maneira imediata, mas sem estocar mercadoria nas lojas.

Seguindo essa linha, a retailtech Tudu nasceu com a proposta de vender roupas e objetos de consumo fabricados sob demanda. Inspirada num modelo mais sustentável já utilizado por empresas nos Estados Unidos e em países europeus, a empresa tem como objetivo colaborar para a mudança do mindset do varejo em geral e contribuir para que o consumo no país tenha maior qualidade se mantendo acessível.

“Nós inovamos na produção on demand fazendo isso com rapidez, qualidade, preço acessível e sem desperdício”, explica Fabio Zausner, CEO da empresa.

A Tudu produz e entrega os produtos em um dia útil para clientes de São Paulo. Todas as peças são feitas com processos sustentáveis do começo ao fim e ela produz somente aquilo que será comprado e em embalagens recicláveis, utilizando algodão e tintas certificados. 

ON-DEMAND E STOCKLESS

Junto a esse novo comportamento, o boom do comércio eletrônico durante a pandemia ainda suscita questionamentos sobre qual será o impacto desse novo comportamento no comércio tradicional e físico.

Um dos maiores desafios no início da pandemia, quando as lojas fecharam suas portas, foram os produtos que ficaram encalhados nos estoques. Durante as transições de fases, grandes volumes de mercadorias não puderam ser vendidos nem mesmo reintroduzidos na cadeia logística de comércio eletrônico, e na maioria dos casos, foram vendidos com descontos ou seguem encalhados.

Pensando no futuro, é possível que por um longo período os clientes abandonem ou evitem o hábito de provarem roupas nas lojas ou que as próprias loja prefiram fechar seus provadores por segurança. Surge, então, para muitos comerciantes, a seguinte dúvida: há realmente alguma necessidade de ter estoque nas lojas?

Na realidade, além das implicações de segurança de ter vários clientes lidando com o mesmo item de vestuário, nos dias de hoje, ter estoque parado impacta na rentabilidade e na experiência do cliente - por isso, os aprendizados do último ano devem ser usados como catalisador para novas abordagens. 

Nos Estados Unidos, esse movimento é associado a outro conceito, o de stockless stores. Em um artigo sobre o tema, Alex MacPherson, especialista em tecnologia para varejo e diretor da consultoria Manhattan Associates, defende que não seria utópico pensar num novo padrão para muitos varejistas com sistemas de filas virtuais, aumento do uso de caixas móveis para garantir o distanciamento social e com estoque mínimo sendo usado apenas para fins de mostruário.

Por essa razão, MacPherson acredita que na próxima década veremos marcas reinventando mais uma vez suas lojas físicas em direção a um movimento de marcas mais experienciais. Ele cita que em vez de showrooms enormes cheios de produtos em todos os tamanhos e cores, vejamos lojas mais enxutas.

Com o cliente menos preocupado em sair das lojas cheios de sacolas, o especialista acredita que prateleiras e móveis que atualmente armazenam mercadorias podem ser substituídos por manequins exibindo diferentes combinações. Além disso, espelhos inteligentes permitirão que os clientes usem realidade virtual e aumentada para experimentar roupas em um ambiente completamente sem contato.

Aplicativos próprios permitirão compras e pagamentos sem contato e as lojas embarcarão de vez no modelo de entrega expressa - em que o cliente compra na loja física e recebe em casa - modelo que tem sido bem reproduzido pela Amaro, no Brasil - com opções de entrega no mesmo ou no dia seguinte para a casa do cliente.  

Nas palavras do especialista, o pano de fundo com que a indústria varejista atualmente trabalha aponta que quanto menor o estoque de uma loja física, mais segura estará sua operação. Portanto, para o varejo se recuperar e crescer novamente nos próximos anos, a forma de atuar das lojas físicas precisa ser mudada.

 

FOTO: Pixabay

 

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