Aula sobre os tributos no Brasil

O professor Renaldo Gonçalves, Professor Doutor e Mestre em Economia pela USP/PUCSP, fala sobre a origem de nosso sistema tributário federativo

Paulo Saab
06/Ago/2021
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Preocupado com as distorções fiscais, tributárias, existentes no Brasil e para melhor entender suas origens, possíveis alternativas, e compartilhar com os leitores, solicitei do professor Renaldo Gonçalves, Professor Doutor e Mestre em Economia pela USP/PUCSP, Doutor em Ciência Política pela PUCSP, sobre Federalismo Comparado, informações sobre a origem de nosso sistema tributário federativo, a visão dele sobre o tema e sugestões de como melhorarmos, em termos de país. A resposta é de leitura fácil, instrutiva e merece a reflexão de todos:

 

“Eu tenho a tese que devido a primeira Constituição brasileira ser feita por D. Pedro I, foi fortemente influenciada pela Maria Leopoldina da Áustria (Áustria, Hungria, Bósnia, parte da Alemanha e parte da Itália entre outros países), um império com uma diversidade de unidades administrada semelhante a do Brasil.

Sendo assim, o orçamento público no Brasil era centralizado, como continua sendo no Reino Unido e no Japão, isso significa que todas as províncias recebem recursos financeiros que se transformam em serviços e bens públicos iguais na qualidade e quantidade para servir a população.
Um dos motivos da Proclamação da República foi a discussão sobre a apropriação do imposto sobre exportação interna (nosso ICMS quando uma mercadoria é vendida para outros estados) que D. Pedro II queria que permanecesse na esfera do poder central e as províncias queriam o tributo para si.

O modelo tributário na primeira República foi cópia do americano (República dos Estados Unidos do Brasil), totalmente descentralizado e com total autonomia para criar impostos e gastar. Não deu certo.

No golpe Getulista, houve uma forte centralização tributária e de gastos públicos, a Constituição de 45 preservou a centralização, mas ampliou a autonomia para as unidades federativas tributarem. No final dos anos 50, tínhamos um dos piores sistemas tributários do mundo.

Depois de 64, houve uma profunda reforma tributária feita pelo Roberto Campos, fortemente centralizada, mas com a criação de fundos para transferências de recursos para estados e municípios, um dos méritos dessa reforma foi tornar efetivo o Imposto e Renda e ter um equilíbrio entre tributos diretos (IR) e indiretos (IPI, ICM, ISS e IPTU).

Em 1988 a Constituição estabeleceu um sistema colaborativo entre os entes federados, autonomia tributária, muito ampla para os gastos e reduzida para tributação (ou seja, uma autonomia subordinada e regulada pelo congresso).

Com isso estabeleceu-se uma aberração, os gastos públicos são atomizados (cada unidade federativa gasta autonomamente o recurso), mas, a arrecadação é centralizada e distribuída através de fundos – herança de 64.

Eu não consigo ver vantagens do nosso sistema, pois a disjunção entre quem paga imposto e os gastos dos governantes é muito grande – as prefeituras, e estados recebem recursos do governo federal através dos fundos, que na maioria das vezes sustenta a estrutura administrativa da unidade federada, isso explica o fato de quase 90% ou mais dos municípios não conseguirem se sustentar com recursos próprios, os estados do Norte e parte do Nordeste dependem muito das transferências para funcionar, e nesse formato administrativo haver uma enorme abertura para corrupção… em suma, a maioria dos governantes não depende da arrecadação local e gastam o recurso da maneira que quer….

A fiscalização é precária… a Controladoria-Geral da União não tem estrutura para fazer isso (mais de 5.300 municípios e 27 entes federados) e o contribuinte não consegue associar o imposto pago (85 ou 90% é indireto) com o retorno desse pagamento em serviços públicos – os políticos fazem com que a oferta dos bens públicos apareça como uma “bondade” do governante para a população.

E dessa maneira, a maioria dos políticos se apropriam dos recursos públicos como se fossem seus…essa é a base da corrupção do Brasil.

Os modelos alternativos de federalismo são o alemão, que construiu o Bundesrat, que é um órgão que faz o ordenamento dos gastos públicos na 16 Land’s da Alemanha e garante a igualdade na oferta de serviços públicos para toda a população, dito de outra maneira, se uma clínica de saúde tem uma estrutura física e organizacional (médicos, enfermeiros, remédios etc.) para atendimento da população em Berlin, a mesma estrutura é replicada em outras cidades do mesmo porte, isso garante a oferta de serviços médicos com a mesma qualidade em toda nação.

O outro é se aproximar do modelo americano (que é muito parecido com o federalismo Canadense), que existiu no início da nossa República, dando autonomia aos governadores para tributar a população e entregar serviços públicos de qualidade.

Em ambos os sistemas a corrupção é baixa, pois no caso alemão há uma forte fiscalização e no caso americano, quem fiscaliza é o contribuinte.

A ideia essencial desses modelos é que a estrutura de oferta de serviços públicos de cada país é fruto do pacto federalista forjado em cada nação, visto que é ele também, o responsável por organizar as estruturas políticas, fiscais e administrativas. Nesta perspectiva, a centralização ou descentralização é apenas o resultado do desenho organizacional produzido pela forma de administrar e organizar o Estado.”

 

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