A segunda chance da Lush: o que aprender com o renascimento da marca no Brasil
A empresa de cosméticos britânica com apelo de sustentabilidade deixou o país em 2007, após desavenças com parceiros locais. Retornou após sete anos, ergueu uma fábrica e quer chegar a 30 lojas nos próximos três anos
Há poucos meses, a Natura anunciou a compra da britânica The Body Shop, presente em 66 países. A transação foi estimativa em cerca de 1 bilhão de euros.
Com a aquisição, a Natura elevará seu faturamento anual a R$ 11,5 bilhões e passará a ter 3,2 mil lojas em todo mundo.
A movimentação da Natura, empresa brasileira de cosméticos pioneira em práticas sustentáveis, a exemplo da Body Shop, deve fomentar a tendência de negócios de beleza com forte atuação social e ambiental. E isso pode ser bom para todos os competidores.
Essa análise é ratificada por Renata Pagliarussi, diretora geral da Lush Brasil, marca de cosméticos de origem inglesa que mantém cinco lojas no Brasil.
Fundada na Inglaterra em 1995 por Mark Constantine, que por mais de uma década foi fornecedor de sabonetes da Body Shop, a Lush produz e vende produtos para cuidados com pele, corpo, cabelos.
Um dos diferenciais da marca é manter um portfólio 100% vegetariano e 80% vegano, com fabricação baseada em processos artesanais.
São mais de 930 lojas, em 49 países. Em 2016, suas vendas globais somaram 723 milhões de euros (aproximadamente R$ 2,8 bilhões), um crescimento de 26% em relação ao ano anterior.
O retorno da marca ao mercado brasileiro se deu em 2014, quando a Lush inaugurou sua a maior loja, uma unidade de 450 metros quadrados, localizada na zona sul de São Paulo.
Hoje, a marca mantém quatro lojas em São Paulo e uma em Campinas.
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A SEGUNDA TENTATIVA
Até 2007, a Lush mantinha parcerias locais, que operavam 25 franquias. O encerramento da operação local, de acordo com Rowena Bird, cofundadora da marca, se deu devido “condições econômicas desfavoráveis”.
Mas a história foi mais complexa. A relação entre a matriz e os franqueados locais azedou devido um conflitou que se originou exatamente devido ao cerne da marca.
Como assim? Parte dos produtos naturais, feitos com ingredientes frescos e vendidos sem embalagem, tinha prazo de validade médio de 14 meses – tempo abaixo de itens industrializados, feitos com conservantes.
Devido ao trâmite e à burocracia de importação, muitos produtos da Lush, chegavam às lojas com poucos meses de vida – o que desagradava os parceiros brasileiros. A divergência virou conflito e chegou a render até processos na Justiça. Foi quando a matriz decidiu encerrar a operação por aqui.
A partir de 2010, a Lush retomou a ideia de atuar no Brasil. Renata, graduada em farmácia e especializada em gestão de projetos, que até então era consumidora da marca, foi selecionada para estar à frente da operação.
Para dar certo, erros do passado teriam de ficar para trás. Assim, a empresa criou uma fábrica própria, localizada em Bom Jesus dos Perdões, localizada a 90 quilômetros da capital paulista, para abastecer as lojas com produtos frescos. Mais de 95% dos itens vendidos no Brasil são de fabricação local.
Também foi necessário identificar ingredientes tipicamente nacionais e encontrar bons fornecedores locais para atender à demanda da unidade fabril. E as lojas não poderiam ficar na mão de terceiros – teriam que ser próprias.
Desde o retorno da marca, a Lush tem crescido dois dígitos por ano. Em 2016, o faturamento cresceu 30%, número que deve se repetir neste ano – a empresa não revela as receitas por regras da matriz.
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E como a empresa driblou a maior crise econômica brasileira que teve início exatamente em 2014?
O crescimento da Lush está atrelado a fatores de mercado e, principalmente, ao posicionamento coerente da marca.
De acordo com a Associação Brasileira das Indústrias de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec), esse mercado obteve crescimento médio de 11,4% ao ano entre 1996 e 2015, quando faturou R$ 42,6 bilhões.
Nos últimos dois anos, o setor registra retração. No entanto, ao realizar uma análise qualitativa, é possível identificar lacunas que permitiram o sucesso da Lush.
De acordo com um relatório da Nielsen, divulgado em março, na crise, os produtos de beleza passam a ser uma forma de suprir a necessidade de se presentear e de indulgência, uma vez que são itens mais baratos quando comparados a roupas, por exemplo.
O mesmo relatório aponta que, em lares endividados, o crescimento com gastos com maquiagem, produtos para a pele e fragrâncias, foi de 7,4% em 2016 – superior aos 3,6% da média nacional.
VAREJO SUSTENTÁVEL
Em todo mundo, têm crescido a demanda por produtos de beleza sustentáveis, em que se enquadram Lush, Body Shop e Natura. De acordo com a Euromonitor, 27% dos consumidores prezam por ingredientes naturais ou orgânicos na composição de produtos para a pele.
Para Eva Farah, da consultoria global de tendências WGSN, as pessoas tem buscando uma vida sustentável em diferentes frentes, o que inclui os cuidados com beleza e bem-estar – e é aqui que a Lush ganha força.
Dentro desse campo, o consumidor busca transparência em relação às marcas e valoriza um posicionamento ético, dando atenção ao cultivo das matérias-primas e as condições de mão de obra em toda a cadeia de produção – além da preocupação com a poluição do meio ambiente.
Também foi constatado alto grau de desaprovação dos consumidores em relação a produtos com ingredientes que envolveram testes em animais.
Há uma ONG britânica, batizada de Cruelty-Free International, que certifica empresas que utilizam ingredientes que não foram testados em animais.
Paralelamente, o consumidor passa a olhar os cosméticos de maneira similar aos alimentos.
“Significa que o consumo de produtos de beleza naturais tem ganhado importância similar a seguir uma dieta saudável”, afirma Eva. “Hoje, em todo mundo, 75% da Geração Y busca oferta de produtos naturais”.
INOVAÇÃO EM PRODUTOS
De acordo com Renata, diretora da Lush, a marca é pautada em inovação responsável, o que requer pensar a sustentabilidade em várias frentes.
A empresa desenvolveu um sabonete que permite que a água de reuso (a usada no banho, por exemplo) possa irrigar jardins, pois o produto tem substâncias que protegem as plantas.
A marca também criou um xampu sólido, que não tem água, conservantes e frascos plásticos. Cada porção equivale entre dois e três frascos de 200 ml dos xampus tradicionais. O produto é vendido em unidades de 55g, com preços entre R$ 47,30 e R$ 60,80.
A Lush ainda utiliza ingredientes sintéticos, como o Lauril Sulfato de Sódio, um componente químico utilizado pela indústria de cosmético que, entre outras utilidades, produz espuma, o que ainda é associado a maior capacidade de limpeza.
“Usamos sintéticos seguros em quantidade muito pequena e a marca é muito transparente em relação ao tema, tendo em vista que outras marcas omitem o uso dessa substância”, afirma Renata.
Para contornar a situação, a marca mantém vínculos com ONGs que regeneram o meio ambiente, como a Associação Mata Ciliar, que reabilita animais silvestres e realiza outras ações para conservação da biodiversidade.
EXPERIÊNCIA DE LOJA
Nos últimos anos, tem ganhado corpo o conceito de que o varejo deixará de ser um apenas um ponto de venda para se tornar um local de experiência.
De acordo com Renata, oferecer uma boa experiência está relacionado ao número de vendedores da loja. As unidades de shopping da Lush possuem, em média, 15 funcionários.
“As concorrentes com tamanho de loja similar costumam ter cinco”, afirma.
Os funcionários, por sua vez, atuam como consultores. Além de treinamento de vendas, eles recebem capacitação sobre os valores da marca e estudam os benefícios dos ingredientes usados na composição dos produtos.
Por exemplo, a combinação de banana fresca com manteiga de illipê é hidratante e melhora a elasticidade da pele.
Nas lojas, os clientes podem experimentar os produtos, o que inclui massagens nos braços, e recebem amostras para testar em casa.
Num movimento global, a empresa também tem investido em serviços. Anexo à loja da Rua da Consolação, há um SPA, que oferece tratamentos que envolvem massagem com produtos da marca, alongamentos e músicas relaxantes (os serviços são pagos a parte).
Até 2020, a Lush quer abrir mais lojas e chegar a 30 unidades.
Com um consumidor cada vez mais crítico e adepto a causas sociais, como comércio justo, marcas que souberem alinhar negócios a comportamentos emergentes poderão ter bons resultados, independentemente das ciclotimias econômicas.
IMAGENS: Mariana Orsi e Divulgação