A grande tendência para o varejo? É aumentar o volume de vendas

No atual cenário econômico, com IA e marketplaces tomando conta do mercado, a boa e velha gestão eficiente é que vai garantir a sobrevivência do varejo, em especial do pequeno, disse o economista Nelson Barrizzelli na ACSP

Karina Lignelli
12/Nov/2024
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A grande tendência para o varejo? É aumentar o volume de vendas

É preciso se adaptar à tecnologia e soluções como marketplaces e inteligência artificial a favor dos negócios. Mas o varejo, em especial o pequeno, só vai conseguir bons resultados e garantir sua sobrevivência não só usando e abusando dessas ferramentas, mas sim com foco na gestão eficiente para aumentar o volume de vendas. Isso é que fará diferença e é a grande "tendência" do varejo no atual contexto econômico, na avaliação do economista Nelson Barrizelli.

Especialista no setor e coordenador de projetos da Fundação Instituto de Administração (FIA), ele palestrou sobre "A Visão Atual do Varejo" no Conselho Consultivo da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) na quinta-feira (07/11).  

Em um contexto econômico de crescimento médio do PIB de 2,1%, e em um modelo que privilegia o consumo, em especial da classe C1 "para trás", mas sem grandes investimentos em inovação, produção e qualidade, a renda das famílias não cresce como deveria. E, por isso, o varejo tem que se desdobrar para garantir o caixa e dar continuidade aos negócios. 

E isso começa no dia a dia da gestão: em um estudo recente realizado pela FIA, segundo ele, foram analisados dois anos de boletos de caixa emitidos por supermercados. Os dados foram inclusos num sistema de IA para poder avaliar o comportamento de 4 mil itens.

Os objetivos eram dois: primeiro, entender os impactos das mudanças no volume de vendas no resultado operacional, assim como a perenidade do fluxo de caixa. Segundo: entender os impactos do mix de produtos na margem de contribuição (métrica que mostra quanto a venda desse produto contribui para a receita da empresa), para garantir fluxo de caixa suficiente. 

"Quando examinamos diversas mudanças (promoções, novidades etc) que levavam ao aumento do volume de vendas, de unidades vendidas, descobrimos que o impacto positivo na lucratividade em cinco anos foi multiplicado por três", explicou. 

No caso da margem de contribuição, com o mesmo objetivo, o estudo da FIA também descobriu que cada real aumentado nessa margem se torna um multiplicador ainda maior: 14 vezes em cinco anos. Por isso a "grande tendência" é aumentar o volume de vendas, reforça. 

"Provamos que dá para ganhar muito mais trabalhando a margem de contribuição. O problema é que isso ainda não é muito claro na mente do varejista, mas pode mudar sua vida, seus negócios e é uma oportunidade enorme para garantir lucratividade."

Barrizelli citou também as etiquetas eletrônicas como um "catalisador abrangente" e uma solução de automação comercial que ajuda a ampliar volumes de vendas - em especial em mercados, perfumarias, papelarias ou qualquer negócio com muitas unidades de produtos.

Em sua avaliação, a etiqueta resolve o problema de preços, que podem ser trocados em até 10 mil SKUs por minuto, seja na loja inteira, em um pedaço da loja ou até em produtos específicos, pois se ajusta aos sistemas de retaguarda e de caixa com precificação dinâmica. "Ela não é muito utilizada no Brasil ainda, mas facilita a vida de quem mexe com preços."

Em resumo: mesmo no atual cenário, é possível e viável que o varejista alcance melhores resultados aumentando a margem de contribuição através da precificação dinâmica, assim como ajustes constantes no mix de produtos, afirmou.

"Tem uma frase que diz que não adianta fazer sempre as mesmas coisas e esperar resultados diferentes. É preciso mudar e aproveitar as oportunidades para o varejista obter resultados palpáveis e verdadeiros - e assim garantir sua sobrevivência."

NOVAS FORMAS DE SOBREVIVER

Citando o livro "O Choque do Futuro", do escritor e futurista americano Alvin Toffler, que diz que as mudanças chegariam em uma velocidade tão grande que seria difícil acompanhar, Nelson Barrizelli disse que, mesmo com atraso, o Brasil vive uma situação positiva de desenvolvimento de tecnologias de ponta. E isso é uma oportunidade que é preciso aproveitar. 

Mas no caso específico do varejo tradicional, ele está "sob ataque" nos Estados Unidos, o maior mercado consumista do mundo, conforme apontou. O crescimento das compras on-line é um caminho sem volta, e as empresas de qualquer porte precisam entrar nesse mercado. 

Como exemplo, ele citou a rede de farmácias Walgreen's, em um dos ramos mais profícuos em rendimento do mundo (saúde), que anunciou que vai fechar 1,2 mil unidades. A Foot Locker, de artigos esportivos, anunciou o fechamento de 400 lojas, assim como grandes redes e marcas - Target, Macy's e Sephora - também estão fechando unidades.

Sem contar que, segundo o site Yelp (plataforma on-line de avaliações de estabelecimentos), mais de 80 mil empresas encerraram entre 1º de março e 25 de julho últimos, e 60 mil eram negócios locais ou com menos de cinco unidades. "E 800 pequenas e médias empresas pediram recuperação judicial apoiadas no chapter 11 (capítulo 11) da lei americana", completou. 

Barrizelli citou outro estudo global, da GFK, de 2018, que deu sinais do que ia acontecer. Entre os pequenos e médios negócios, um terço iria desaparecer porque não tem plano de sucessão. Outro terço das empresas tinha plano e buscaram se reestruturar.

O último terço conseguiu se reorganizar e contar com administração profissional. "No Brasil (com o tratamento tributário diferenciado), pequenos e médios varejistas estão em situação aparentemente melhor do que no mundo desenvolvido, onde elas não estão sobrevivendo."

A "aglutinação" de pequenos negócios promovida por marketplaces como o Mercado Livre, por exemplo, que detém mais de 40% desse mercado, é uma oportunidade de crescimento - inclusive para alcançar lojistas de localidades mais distantes. "Pode ser em outros 'sudestes' e 'centro-oestes', para outros 'Mercados Livres' crescerem junto com o pequeno varejista.

A multicanalidade, ou seja, estar em todos os canais possíveis, é outra estratégia para os negócios que deve estar no radar desse pequeno varejista. Assim como a inteligência artificial, que ainda pode gerar desconfiança no consumidor - e por isso é preciso que se notifique sempre caso a comunicação com o cliente seja feita dessa forma, segundo Barrizelli. 

"Esse é o momento desse pequeno negócio fazer um 'cursinho grátis' pela internet para saber o que está acontecendo e para aprender a usar essa ferramenta. Porque usar o 'sistema antigo' como forma de sobrevivência não vai funcionar mais."

O QUE FALTA PARA AVANÇAR

O Brasil já chegou a ser o terceiro país do mundo em crescimento médio do PIB per
capita, com uma média de 2,4% ao ano e atrás apenas do Japão (2,8%) e Suécia (2,5%) até 1960, destacou Barrizelli, citando o livro Economia Brasileira Contemporânea (1987). 

Mas de 1961 até 2023, a média foi de 2,1%, mostrando que "alguma coisa não deu certo". Porém, para o professor da FIA, a questão foi o modelo de crescimento econômico que privilegia o consumo acima de qualquer coisa. 

Nos últimos 20 anos, afirmou, houve uma série de medidas nesse sentido, como programas sociais, aumentos do salário mínimo acima da inflação, venda de automóveis com 84 meses de prazo, taxas de juros de 2% ao ano e cheque especial e cartão de crédito para classes C, D e E.

"Não há grandes investimentos em inovação, nem em produção, nem em qualidade: só temos insistido nessa questão do consumo", destacou.

Ele também citou as famosas capas da revista britânica The Economist, "Brazil Takes Off" (ou Brasil decola) de 2009, quando o país ainda vivia o boom do consumo, e "Has Brazil Blown it?" (O Brasil estragou tudo?), de 2013, quando entrava em crise econômica.

Ou seja, depois da festa, veio a ressaca, afirmou: o Brasil vive essas idas e vindas porque nossa taxa de investimento é muito baixa, em média, de 17%, 18%. Mas para o PIB crescer 5% a.a. de forma consistente é preciso subir a taxa para 25%.

"Estamos distantes dessa agenda de crescimento, e isso tem profundo impacto na renda dos brasileiros: o Brasil não cresce, a renda não cresce. Hoje, há 10 milhões de pessoas, ou 3,5 milhões de famílias que fazem com que o consumo no país gire especificamente nas classes mais baixas, e 75% dessas famílias vivem em processo de sobrevivência", disse. 

Outros desafios citados por Barrizelli que impedem que a economia cresça de forma mais consistente são a concentração de renda e as mudanças de presidente que impedem a continuidade de programas de desenvolvimento, em consequência, a previsibilidade.

E, claro, a inflação, que entre 1996 e 2023 registrou altas e baixas - e as providências para fazê-la "descer", que seguram o país com aumentos da taxa real de juros. Ainda há a dívida pública: o Brasil gasta muito e gasta mal, lembrou, e mesmo com 92 tributos e contribuições, forte burocracia, custo elevado para operar, leis trabalhistas desatualizadas e falta de incentivo estatal, no momento discute-se uma reforma tributária sobre o consumo.

"De reforma ela não tem absolutamente nada, é apenas de alguns impostos de consumo e não da tributação do país. Ou seja, é uma reforma que não vai gerar bons frutos."

 

IMAGEM: Marcelo Min/AFG

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