A crise atinge a identidade dos partidos políticos
O PSDB sofre com as acusações contra Aécio e hesitações quanto a Temer; o PT depende menos da ideologia e mais da cabeça de Lula. Há 32 partidos registrados, e 26 têm representação no Congresso

Existem 26 partidos políticos representados no Congresso, mas não há 26 correntes de pensamento na sociedade brasileira. Disso já estamos cansados de saber.
A questão mais atual está na perda da identidade dos maiores partidos, o que está deixando os eleitores desorientados, em meio à crise aberta pela Lava Jato e pela apatia dos governos de Dilma Rousseff e Michel Temer.
O último partido a entrar em parafuso foi o PSDB, que nasceu em 1988 como dissidência de forte conteúdo social democrata, e uma espécie de antítese ao pragmatismo de reputação pouco ética do então líder do PMDB de São Paulo, o ex-governador Orestes Quércia.
Os tucanos – a escolha da ave como símbolo partiu do ex-governador Franco Montoro (SP) – tiveram o período de personalidade mais definida durante os dois mandatos presidenciais de Fernando Henrique Cardoso (1995-2004), com uma agenda de modernização do Estado e distribuição de renda.
Mas o PSDB não teve competência para investigar as administrações petistas que se seguiram e foi alvejado com graves efeitos em sua saúde ética após a delação do empresário Joesley Batista, que comprometeu o senador Aécio Neves (MG).
Se a visibilidade dos tucanos passou a ser ditada pela disputa surda entre o governador Geraldo Alckmin e o prefeito João Doria pela candidatura presidencial de 2018, no plano mais profundo o partido se dividiu com relação ao apoio a Michel Temer.
A divisão levou à previsão de 30 deputados favoráveis à denúncia do Ministério Público contra o presidente da República, na votação marcada para esta quarta-feira (02/08), e de 17 partidários da absolvição.
Ou seja, dois grupos que atiram para lados diferentes e que fornecem uma imagem caricatural do que seria um comportamento unitário.
O eleitor, com isso, sente-se bastante perdido, sem um mínimo simulacro de social democracia e sem mais a ideia de que divergências acabariam sendo costuradas pelo decano FHC.
MOMENTOS DIFÍCEIS PARA O PT
Quanto ao Partido dos Trabalhadores, a crise que vinha de 2006, com o Mensalão, acentuou-se com as apurações da Lava Jato e com a sensação de que não havia sido apenas “um golpe” o impeachment de Dilma.
Tanto isso é verdade que as eleições municipais do ano passado foram trágicas para o partido, com o número de prefeituras despencando de 644 para 254.
O que seria, no entanto, um fim de linha, acabou se tornando uma etapa para recuperar o eleitorado em potencial, por meio de dois fatores rigorosamente irracionais.
O primeiro: Lula conseguiu convencer parte de seus simpatizantes de que estava sendo vítima de perseguição política do Judiciário, e que “não há provas” contra ele.
O segundo fator: a demora da recuperação econômica com Temer tornou verossímil a ideia de que, com Lula, as coisas haviam sido diferentes e bem melhores.
Apesar disso, pesam contra Lula uma taxa inédita de rejeição e ainda os pequenos desastres políticos, como o fato de o partido apoiar os últimos desdobramentos da ditadura venezuelana.
Mesmo assim, mudou o perfil do petista incondicional. De crente em propostas políticas, ele se tornou um cidadão movido pela fé quase religiosa. Contra tal sentimento, a realidade nada pode.
Os demais partidos maiores sofrem os efeitos de erosões menos visíveis. O PMDB, por exemplo, deixou de ser uma confederação de fortes lideranças regionais para se transformar em coletivo de lideranças com imensa ficha judicial, a começar agora por seu ex-presidente e hoje presidente da República.
Desde o final da década de 1980 não existe mais no PMDB uma identidade ideológica, baseada na luta contra o regime militar do qual hoje poucos se lembram ou vivenciaram.
Ao tentar definir a ideologia peemedebista, a popular Wikipedia usa uma expressão patética e razoável: “sincretismo político”.
No campo liberal ou conservador, há pouco a dizer sobre siglas como PR, PRB, PSC, PTC ou PSDC, exceto o fato de poderem se fundir numa reforma política, sem que os eleitores sintam a mínima orfandade.
MUITAS SIGLAS, POUCA IDENTIDADE
O mesmo vale para o campo da centro-esquerda, com o PTB, o Pros, a Rede, o Solidariedade ou o PMB.
E, por fim, a extrema esquerda (Psol, PCO, PCB, PSTU), em que os grupúsculos têm divergências arraigadas num passado internacional, com referência no maoísmo chinês, no comunismo soviético ou nos libertários da grande greve paulistana de 1917.
O PC do B se diz tão socialista quanto o PDT ou o PSB. Mas todos têm no histórico a aliança implícita ou formal com o Partido dos Trabalhadores, que, ao entrar em crise, arrastou a identidade de seus eventuais aliados.
O fato é que esse conjunto quase infinito de siglas – são 32 as registradas na Justiça Eleitoral – pode facilmente entrar em colapso, caso a Câmara aprove em breve a reforma política que fixará a cláusula de barreira, pela qual deixam de receber dinheiro e tempo de televisão os partidos que não obtiverem ao menos 1,5% dos votos já em 2018.
A situação para eles tende também a piorar com o dispositivo, a ser ainda votado, que proíbe as coligações em eleições proporcionais (vereadores e deputados). O que levaria parte desses partidos a sumirem do mapa.
Exceto, por exemplo, o caso do Psol, que tem em sua herança genética o fato de ser um superego de esquerda da burocracia petista.
Por fim, excetuadas as circunstâncias centralizadoras que levaram Lula a ter sua imagem imediatamente associada ao PT, não há mais no Brasil os partidos moldados para funcionarem em torno de uma liderança específica.
Foram os casos, nos anos 1950, do PSP de Adhemar de Barros, do PTN de Jânio Quadros, do PSD de Juscelino Kubitschek ou mesmo do PTB com o último mandato presidencial de Getúlio Vargas.
Superar o personalismo foi bom para a democracia brasileira. Mas não foi o suficiente para criar partidos sólidos que não corram o risco de evaporar diante de dificuldades para os quais não foram construídos.