Vendas do varejo retomam perfil do período de crise
Comércio de bens de primeira necessidade registra crescimento em 2018, enquanto segmentos como móveis, eletrodomésticos, vestuário e calçados apresentaram queda das vendas no 2º trimestre
*Com Flávio Calife, Economista da Boa Vista SCPC
Setores como os de vestuário, calçados, móveis e eletrodomésticos, em que empréstimos e parcelamento sem juros das compras são mais frequentes, foram os mais afetados pela recessão recente (2014-2016).
Isso porque, durante a crise, bancos tornaram-se mais conservadores na concessão de empréstimos e limites do cartão de crédito, enquanto as famílias cortaram gastos, evitaram se endividar e priorizaram a compra de bens de primeira necessidade.
Com a recuperação da confiança, da renda, do emprego e a melhora das condições de financiamento (juros mais baixos e maior oferta de crédito) a partir de 2016, as famílias retomaram projetos adiados de consumo e as vendas de vestuário, calçados, móveis e eletrodomésticos registraram expressivo aumento no ano passado. Colaborou também a liberação dos recursos do FGTS.
Assim, após três anos de desempenho inferior à média geral do varejo, as vendas destes setores registraram maior crescimento em 2017, conforme é possível observar no gráfico 1, elaborado a partir de dados do IBGE.
O entusiasmo, contudo, durou pouco. A frustração com o ritmo de recuperação da economia esfriou as vendas destes segmentos, que, em desaceleração desde o final de 2017, já registraram queda no 2º trimestre deste ano em relação ao mesmo período do ano passado.
Agravou o cenário do varejo de vestuário e calçados, em particular, a redução do fluxo de clientes em lojas durante a greve dos caminhoneiros e a Copa do Mundo, e o início do inverno com temperaturas mais amenas – lembrando que o preço médio das roupas de inverno é relativamente mais elevado.
No caso do setor de móveis e eletrodomésticos, o desempenho fraco foi registrado apesar da Copa do Mundo, que costuma alavancar as vendas do setor, especialmente de televisores.
Se é possível adiar a renovação do guarda-roupa, a reforma da casa e a troca do fogão ou da geladeira por um modelo mais novo, por exemplo, o mesmo não acontece em relação a alimentos e artigos farmacêuticos, itens de primeira necessidade e, portanto, relativamente menos sensíveis ao desempenho da economia como um todo.
Com a retomada da atividade econômica, as vendas dos supermercados e farmácias voltaram a crescer em 2017 e mantiveram o ritmo no 1º semestre de 2018, com desempenho superior ao da média do varejo geral – ao contrário dos setores de vestuário, caçados, móveis e eletrodomésticos.
Pode-se dizer, assim, que as vendas do comércio varejista retomaram em 2018 o perfil semelhante ao do período de crise, com o comércio de bens de primeira necessidade registrando crescimento, enquanto setores como móveis, eletrodomésticos, vestuário e calçados já apresentam queda das vendas.
Isto porque, apesar dos juros baixos e da inflação sob controle, a lenta recuperação do mercado de trabalho parece comprometer uma retomada mais vigorosa do consumo nestes setores, que neste ano não contam mais com o impulso da liberação dos recursos do FGTS.
Além disto, a incerteza gerada pelo cenário internacional e pela indefinição da corrida presidencial tende a adiar decisões de consumo que envolvam endividamento, o que aumenta a probabilidade de que o atual perfil das vendas no comércio se mantenha inalterado ao longo do ano.
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