O que começávamos a construir de autoestima nacional no final do império se perdeu com o positivismo démodé da república
Em 2022, por conta do bicentenário da nossa independência política mas também de nossa dependência cultural barroquista, temos a oportunidade única de superar nossa encruzilhada civilizatória. Ou seguimos o rumo iluminista da direita, recentemente iniciado, em sua missão de temperar a paixão esquerdista, ou permanecemos no já conhecido caminho dos soi-disant “progressistas”, da soberba e da enganação geral, que já vivemos desde os idos coloniais até as últimas décadas de governos socialistas e socialdemocratas.
Sincronicamente, a humanidade tem sido dividida entre a razão lógica dos economistas posta em voga nos últimos dois séculos e a persuasão retórica dos políticos que nos enganam desde há dois milênios. E, assim como diacronicamente o mundo é dividido entre períodos clássicos iluministas e períodos retóricos de sofistas, o Brasil, que não viveu o iluminismo inaugural da Renascença, tem estado imerso nos labirintos barroquistas desde há quatro séculos.
E porque, desta feita, a tese de meu livro “Destorcer o Brasil” lançada em 2018, de que vivemos no Brasil uma transmutação da resiliente cultura barroquista sobre nossa incipiente experiência iluminista, deve ser retomada em 2022, desta feita sob o gênero mais abrangente da ficção, dirigida para fora do país e veiculada em inglês?
Porque, no ano de nosso bicentenário de independência política, mas de forma alguma de independência cultural, precisamos parar para refletir nossos verdadeiros progressos e nossos persistentes impasses civilizatórios, pautas obrigatórias da mídia internacional, sempre sedenta do original, ainda mais vindo dos trópicos. Quando original se refere não apenas ao extraordinário como também ao que é de origem. Porque marcamos passo numa economia que não passa de um quinto da economia de nossos contemporâneos Estados Unidos, nas últimas décadas, quando já fomos uma economia maior do que a norte-americana na fase imperial? O que nos trava, bloqueia e inibe o recurso do consenso da tradição política de verdadeiras elites?
Participo de vários grupos de discussão de notáveis cidadãos em suas áreas de atuação profissional, mas quando se trata de sua capacidade de estabelecer um mínimo consenso, a coisa degringola em discordâncias ornamentais infindas e querelas sebastianas. Com quatro séculos de hegemonia barroquista sabemos como nenhum outro povo como trocar a lógica de apreensão da realidade pelos golpes sentimentais da retórica barroca. Torcer, retorcer, contorcer e distorcer o real pelo imaginário, a verdade pelo sofisma, a democracia concreta como criação de um povo pela demagogia do governo global imaginário dos organismos multilaterais, identidade nacional por estatuto multicultural, identidade de sexo por identidade de gênero, defesa da vida por condições de vida, justiça por processo e ativismo social, cidadania por vilania, e, sobretudo, cultura por entretenimento.
Retóricas não apenas genuinamente brasileiras como de vários países do ocidente, alguns deles até mesmo insuspeitos pela suas ditas tradições iluministas.
Como nossas elites têm se comportado na república com complexo de vira-lata, como dizia o saudoso Nelson Rodrigues, o que começávamos a construir de autoestima nacional no final do império se perdeu com o positivismo démodé da república. Mas temos como resgatar uma urgente coragem cívica exatamente agora em que o debate público tem sido o mais franco de nossa história. Quando, enfim, podemos cotejar os argumentos conservadores e liberais contra os socialistas e socialdemocratas de que temos sido intoxicados e experimentado nas últimas décadas. Uma oportunidade que não podemos perder.
E me perguntam o que fazer de concreto. Enquanto não juntarmos uma verdadeira elite que condicione apoio, influência e votos a políticos à adesão de uma agenda mínima de reformas institucionais, não mudaremos a hegemonia de uma resiliente mentalidade barroquista sobre nossa incipiente experiência iluminista. Listo aqui dez pontos que podem ser outros desde que haja um mínimo de consenso.
Estes são dez pontos que julgo haver um grande consenso nacional por parte de uma verdadeira elite que se proponha a detalhá-los visando uma carta-compromisso por parte de todos os cargos da disputa eleitoral de 2022. Para que realmente venhamos a superar nossa cultura barroquista de transbordamento retórico, para uma cultura de razoabilidade e bom senso iluminista, de deputados estaduais e federais, senadores, governadores e presidente desta, até agora, barroquista, boquirrota e farsante república.
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