Trump taxa o mundo
Produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos serão tarifados em 10%, a taxação mais branda anunciada pela Casa Branca. No Brasil, Congresso se une em torno do PL da Reciprocidade, que estabelece critérios para o país responder a medidas consideradas unilaterais

*com informações do Estadão Conteúdo
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou no final da tarde de quarta-feira, 2/4, que irá impor uma tarifa de 10% para as importações brasileiras, a alíquota mínima sobre as importações proposta pelo chefe do executivo americano a 185 países. Desse total, 126 economias terão a mesma taxação do Brasil. A medida começará a valer a partir da zero hora (de Washington) de sábado, dia 5.
Já as nações que aplicam tarifas consideradas "elevadas" contra produtos norte-americanos enfrentarão taxas maiores. Para a China serão de 34%, enquanto os produtos da União Europeia serão taxados em 20%. Para o Japão, Coreia do Sul e Índia, as sobretaxas serão de 24%, 25% e 26%, respectivamente. Importações da Suíça terão uma tarifa de 31%, enquanto os produtos da Venezuela serão taxados em 15%.
A gestão Trump também eliminou o tratamento isento de impostos para itens de baixo valor de importações provenientes da China e de Hong Kong. "As mercadorias importadas enviadas por meios diferentes da rede postal internacional com valor igual ou inferior a US$ 800 e que de outra forma se qualificariam para a isenção 'de minimis' estarão sujeitas a uma taxa de imposto de 30% de seu valor ou US$ 25 por item (aumentando para US$ 50 por item após 1º de junho de 2025)”, informou a Casa Branca.
Por outro lado, foram listados itens que não estarão sujeitos às tarifas recíprocas, entre eles o aço, alumínio, carros e autopeças, que já foram alvo de outras taxas recentes. Desde 12 de março, entrou em vigor uma taxa de 25% sobre todas as importações de aço e alumínio.
Entre os bens não enquadrados na medida anunciada na quarta-feira estão ainda artigos de cobre, produtos farmacêuticos, semicondutores e madeira serrada. Energia e minerais especiais não disponíveis nos EUA, barras de ouro e prata também ficam de fora das tarifas recíprocas, entre outros produtos.
Durante o anúncio das taxações, o secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, disse que, se países quiserem retaliar as tarifas de Trump, haverá uma escalada, com os EUA aumentando ainda mais as taxações.
Bessent afirmou, em entrevista à Fox News, que o governo observará a reação da China em relação à tarifa de 34% imposta e explicou que a Rússia não entrou na lista devido às sanções.
Reações no Brasil
A Câmara dos Deputados aprovou, ainda na quarta-feira, a tramitação em regime de urgência do "PL da Reciprocidade", projeto de lei que estabelece critérios para que o Brasil responda a "medidas unilaterais" adotadas por países ou blocos econômicos que afetem a competitividade internacional do país.
O requerimento foi aprovado com 361 votos a favor, 10 contra e duas abstenções. O presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou que a ameaça de tarifaço ao Brasil, por parte do presidente dos Estados Unidos, deve ensinar aos parlamentares que "definitivamente, nas horas mais importantes, não existe um Brasil de esquerda ou de direita, existe apenas o povo brasileiro".
A proposta agora analisada pela Câmara estabelece critérios para que o Poder Executivo suspenda concessões comerciais, investimentos e obrigações relativas a direitos de propriedade intelectual. Tal suspensão deve se dar em "resposta a ações, políticas ou práticas unilaterais de país ou bloco econômico que impactem negativamente a competitividade internacional brasileira".
Fecomércio – Por meio de nota, a Federação do Comércio, Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) considerou a taxação de Trump lamentável do ponto de vista global, mas afirmou que ela deve beneficiar a inserção global brasileira.
"Para o Brasil as notícias não são tão ruins já que muitas nações terão dificuldades em levar seus produtos aos EUA. O governo brasileiro deve se valer da conjuntura tarifária vinda dos Estados Unidos para assinar acordos bilaterais, diminuir tarifas e facilitar mecanismos aduaneiros", entende a FecomercioSP.
A entidade avalia que o Brasil deveria aproveitar o momento para ampliar suas relações comerciais, sobretudo no Japão, na China e na União Europeia.
Ainda, de acordo com a entidade, a elevação das tarifas sobre bens básicos, por exemplo, deve desencadear uma inflação generalizada nos preços do mercado interno americano, enquanto as medidas sobre as importações de aço impactarão toda a cadeia dependente dessa matéria-prima. Sem contar algumas commodities essenciais que, mais caras, vão afetar diretamente o orçamento das famílias de baixa renda.
CNI - A Confederação Nacional da Indústria (CNI) expressou preocupação e cautela com a tarifa recíproca de 10% aos produtos brasileiros. Em posicionamento sobre o "tarifaço", a entidade voltou a defender que o Brasil insista na negociação com o governo americano. Também informou que uma missão de empresários do setor visitará os Estados Unidos na primeira quinzena de maio. O objetivo é estreitar laços e buscar soluções de interesse comum.
A CNI observa que os Estados Unidos não são só o principal destino das exportações da indústria de transformação - especialmente de produtos de maior densidade tecnológica -, como também lideram o comércio de serviços e os investimentos bilaterais. A cada R$ 1 bilhão exportado para os EUA, são criados 24,3 mil empregos, R$ 531,8 milhões em massa salarial e R$ 3,6 bilhões em produção.
Abimaq - Na leitura da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), o que o governo de Donald Trump quer com o aumento de tarifas às importações é pressionar os países parceiros a reduzirem as suas taxas ou ajustarem suas políticas comerciais.
A entidade afirma ainda entender que alterações abruptas nas tarifas de importação tendem a resultar em insegurança comercial e econômica e que essa elevação de tarifa pode gerar impactos negativos significativos para a economia brasileira e para a indústria brasileira de máquinas e equipamentos.
"Do total da receita do setor de máquinas e equipamentos, cerca de 20% é direcionado ao mercado externo. Em 2024, exportamos US$ 13,2 bilhões, destes, 25% ou US$ 3,5 bilhões, foram direcionados para os Estados Unidos, equivalente a 7% da receita total do setor. O Brasil importou cerca de US$ 4,7 bilhões em máquinas e equipamentos de origem norte-americana, portanto somos deficitários", diz a Abimaq.
Ainda, de acordo com a associação, com a medida anunciada, o Brasil será impactado negativamente em suas exportações para os Estados Unidos, pois será menos competitivo em relação à indústria local de máquinas e equipamentos. "Podemos citar como exemplo máquinas agrícolas, rodoviárias e máquinas para a indústria de transformação. Esses produtos, entre outros, são produzidos tanto pelo Brasil como pelos Estados Unidos, assim o aumento da tarifa significará perda de competitividade em relação aos produtos norte-americanos", disse a diretoria da Abimaq. "Sabemos que o governo brasileiro vem buscando resolver a questão por meio de negociações, o que para a Abimaq é o melhor caminho. Temos expectativas de que tal decisão, no caso do Brasil, seja revista, a fim de que a relação comercial seja preservada", reconhece a nota.
Mercado - O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, avalia que o consumidor americano deve ser o principal prejudicado com as imposições tarifárias anunciadas na quarta-feira. "Os produtos vão ficar muito mais caros nos próximos meses e por um bom tempo. É difícil imaginar que Trump volte atrás pela intensidade desse ajuste", alerta o economista.
Vale ainda ressalta que as políticas de Trump demonstram uma "falta de entendimento muito grande" em relação aos riscos de recessão. "Trump não tem noção do tamanho desse risco e o que significa em termos de bem-estar para a sociedade americana", salienta. Ele prevê que a economia americana já registre queda na atividade no primeiro trimestre deste ano.
Para o ex-secretário de Comércio Exterior Welber Barral, "na prática, vai ser 10% para o mundo inteiro, e maior para parceiros importantes dos EUA, como é o caso de China (34%), União Europeia e Japão (24%).
Conforme Barral, eventuais ganhos de competitividade do Brasil nos Estados Unidos, em razão da maior alíquota sobre grandes concorrentes, terão que ser analisados produto a produto.
Ele coloca como contraponto o fato de aço e alumínio, dois setores que têm grande parte das exportações destinada aos EUA, terem recebido tarifas de 25%, na primeira ação da política comercial de Trump que atingiu o Brasil. "Então, temos que fazer uma análise caso a caso para saber se o Brasil pode ganhar em algum mercado, principalmente nos que concorre com a Europa e Japão", afirma Barral.
IMAGEM: reprodução/YouTube