Tradição que resiste à onda gourmet
Com o cardápio praticamente inalterado há 50 anos e funcionários que atendem no local há décadas, como Luiz Gomes (foto), o Hambúrguer do Seu Oswaldo faz do simples e tradicional seu prato principal

Hamburguerias com grife ganharam espaço na cidade de São Paulo, mostrando ao paulistano uma gama de sabores que vão além daqueles dois hambúrgueres, alface, queijo e molho especial.
O fast-food agora divide espaço com a versão gourmetizada dos seus lanches.
Mas entre o glamour e a praticidade, a tradição das lanchonetes clássicas paulistanas ainda resiste, caso do Hambúrguer do Seu Oswaldo.
O velho balcão em “u”, o chapeiro ao fundo, as mesinhas decoradas por bisnagas de ketchup e mostarda, o suculento x-salada servido no prato. Poderia ser a lanchonete de qualquer esquina. Não é.
O que faz do Hambúrguer do Seu Oswaldo um local distinto é justamente a tradição levada a cabo. O cardápio é o mesmo há 50 anos, assim como a maneira de preparar os lanches.
O endereço, no Ipiranga, nunca mudou desde que em outubro de 1966 o jovem Oswaldo Paolicchi, então com 37 anos, montou uma lanchonete onde antes funcionava a fábrica de gabinetes de banheiro de seu pai.
Não se trata de resistir às novidades, mas de respeitar o desejo dos clientes, de acordo com Marta Regina Paolicchi, filha de Oswaldo e responsável pela lanchonete desde a morte do pai, em 2008.
“Os clientes pedem para não mudarmos nada. Eles vêm até aqui porque sabem que vão encontrar a mesma qualidade e os mesmo lanches com maionese e o molho de tomate caseiros que meu pai fazia”, conta.
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Um ano antes de abrir o ponto, Oswaldo já desenhava seu cardápio na cozinha de casa. Sempre teve a mão de cozinheiro.
Foi nessas experimentações que decidiu usar molho de tomate caseiro para diferenciar seus lanches dos demais oferecidos na cidade.
A receita é segredo guardado a sete chaves, que só Marta e dois funcionários de confiança conhecem. O que não impediu a ideia de ser copiada por outras lanchonetes paulistanas.

A tradicional rede Lanchonete da Cidade foi uma das que incorporou molho de tomate em seus lanches, mas de maneira justa faz menção ao criador da ideia em seu cardápio.
Outras não foram tão polidas. Marta lembra de uma lanchonete rival no bairro do Ipiranga que contratou um ex-funcionário do Seu Oswaldo. Da noite para o dia começaram a servir lanches com molho de tomate.
Estão copiando porque é bom. Se é bom, por que mudar? Não se encontra porção de batata ou anéis de cebola no Hambúrguer do Seu Oswaldo. Não há combo com refrigerante. A lanchonete passou pela onda do fast-food, que ganhou força no Brasil a partir dos anos de 1980, sem se contaminar.
“Oswaldo via o poderio econômico nas mãos dos fast-foods, mas nunca foi influenciado por esse modelo. Nossos clientes não gostam do hambúrguer industrializado", diz Marta. "Há espaço para todos, essa é a graça da gastronomia de São Paulo.”
No Hambúrguer do Seu Oswaldo a carne não é congelada. Os 90 gramas de patinho de cada hambúrguer são moldados no dia, assim como a maionese e o molho de tomate, preparados no fundo da cozinha da lanchonete. O pão não é feito lá, mas Marta garante que é do mesmo fornecedor há 50 anos.

O pão macio, o hambúrguer no ponto e a acidez do molho de tomate balanceada pela maionese caseira ajudam a explicar a clientela fiel.
Talvez os lanches não tenham as nuances de sabores das novas hamburguerias gourmet, mas o Seu Oswaldo não é para quem busca o complexo, e sim para quem quer um bom x-bacon, x-calabresa, x-salada, por um preço justo. Os lanches custam em média R$ 15.
A lanchonete enche desde que inaugurou. Aquele início de tarde de 1966 pegou Oswaldo de surpresa. Ao abrir as portas pela primeira vez havia uma fila de clientes famintos.
“Parecia que o Ipiranga todo estava ali em frente. Na época era só meu pai e um ajudante. Ele precisou chamar minhas tias e primos para dar conta”, lembra Marta.
Fechou antes da hora porque acabou o molho de tomate. “Oswaldo era assim: parava de vender quando acabava o pão, o molho ou qualquer outro ingrediente que não poderia ser substituído”, diz Luiz Gonzaga Gomes, balconista da hamburgueria há mais de 18 anos. “Não venderia nada que não fosse o original.”
Gomes diz que, por esse motivo, clientes que freqüentavam a lanchonete quando crianças hoje trazem os filhos, alguns até os netos, para provar o sabor de infância.
A clientela foi ampliando no boca-a-boca, se expandindo para outro bairros da capital paulista, chegando até no exterior.
Marta conta que um antigo cliente, que conhecia a hamburgueria ainda quando criança, se mudou para a Bélgica.
Ao visitar o Brasil recentemente encomendou vários x-saladas e improvisou uma embalagem para levá-los a seus conhecidos belgas.
O x-salada é a vedete da casa, e um dos motivos para o Hambúrguer do Seu Oswaldo ter recebido tantas propostas de sociedade ao longo dos anos.
“Tivemos propostas de abrir um ponto em uma lan house, dentro de um café e até fazer parceria com um famoso bar que vende espetinhos aqui em São Paulo”, diz Marta.
Oswaldo nunca quis abrir outro ponto, nem se abrir para franquias. Emprestar sua marca para outros sem a certeza de que a qualidade que tanto prezava seria mantida era algo inimaginável.
A maior mudança nesses 50 anos foi a ampliação do ponto, em 2008, logo após sua morte. Era desejo antigo do pai, conta Marta.
Rígido, mas sempre bem humorado, como lembra o balconista Gomes, Oswaldo conseguiu fazer o simples se tornar clássico com seus lanches, sobrevivendo por meio século às diferentes ondas gastronômicas que de quando em quando passam por São Paulo.
Hoje são as hamburguerias gourmet, já foram as temakerias, as paletas mexicanas, os cupcakes. As ondas passam, o bom e velho Hambúrguer do Seu Oswaldo se mantém firme e forte.
FOTOS: Renato Carbonari Ibelli/ Diário do Comércio