Aqui, a prata é de lei
Fundada pelo pai de Eduardo Robles (acima), a Prataria Robles atrai clientes fiéis ou ocasionais em busca de peças sofisticadas há 62 anos
Quem diria: o espanhol que veio de Granada gostou tanto da cidade que o acolheu que se naturalizou brasileiro. E mais: criou um comércio pouco usual e considerado de luxo, que chega aos 62 anos atendendo um público fiel – ou ocasional. Essencialmente, de classe A.
Mas a história da Prataria Robles, loja e oficina de artigos confeccionados em prata de lei, começou bem antes, de acordo com Eduardo Robles, 65, paulistano nascido na Liberdade e segunda geração à frente do negócio fundado pelo pai, o imigrante Angelo Cuellar Robles.
Em 1936, aos 14 anos, Angelo, que chegou a São Paulo com apenas um ano de idade, começou a trabalhar para ajudar a família. Seu primeiro – e único - emprego foi como vendedor na Casa das Pratas, na Rua do Ouvidor, rua tradicional do Centro Velho da capital paulista.
Tomando cada vez mais gosto pelo trabalho e aprendendo um pouco de tudo, o jovem imigrante ganhou a confiança do dono, que vivia viajando para Portugal e “largava a loja na mão do meu pai”, conforme conta Eduardo.
Até que, em 1954, Angelo decidiu montar sua própria loja. O endereço escolhido foi a rua Capote Valente, em Pinheiros -bairro um pouco mais nobre, na zona oeste paulistana, ideal para atender à clientela de alto poder aquisitivo ou de “quatrocentões” que se tornavam cada vez mais fiéis à Prataria.
“Tudo o que o meu pai aprendeu ensinou para o meu avô Francisco e para os seus quatro funcionários. E assim o negócio foi crescendo”, diz o filho.
Depois de quatro anos, a Prataria precisava de mais espaço e migrou para a Avenida Rebouças, na região dos Jardins. Nesse meio tempo, Eduardo se envolvia com a loja da família. E assim como o pai, foi tomando gosto por todas as áreas: oficina, loja, e principalmente o escritório.
Com a morte do avô em 1960, e o do pai, em 1969, as coisas se encaminharam naturalmente: em 1970, aos 20 anos e prestes a se formar em Administração, Eduardo literalmente “tomou conta” da Prataria Robles. “Gosto do ramo, e nunca procurei fazer outra coisa.”
Logo depois, a loja se mudou definitivamente para a Alameda Itú e, em 2000, abriu uma filial na Oscar Freire “para também estar presente em uma rua de grife”, de acordo com Robles-filho. “Lá se foram 45 anos, e ainda estamos aqui. E sempre com 22 funcionários.”
Atravessando várias crises econômicas e trabalhando com um artigo dolarizado como a prata – matéria-prima que hoje custa em torno de R$ 2 mil o quilo - a loja “sempre se manteve estável” produzindo e vendendo peças de luxo, afirma o dono.
Entre elas, delicadas lembranças, caixas de charutos e faqueiros, além de jogos de jantar e itens de decoração, com preços que variam de R$ 500 a R$ 20 mil. Ou mais. “Não dá para fazer uma média. Depende da peça”, afirma o empresário.
Assim como no início, a Prataria continua a trabalhar fazendo peças sob encomenda, vendendo para lojistas – principalmente do ramo de decoração ou brindes - ou prestando serviços de restauração ou polimento de peças. Inclusive para eventos em bufês de luxo.
Ou ainda, vendendo para todo o Brasil, por telefone ou pelo site. O boca-a-boca também ajuda. “Quem se interessa por esse tipo de produto, compra do mesmo jeito. Com crise ou sem crise”, afirma ele, que diz que a loja ainda atende clientes "da época do meu pai."
Questionado se Angelo tinha alguma gratidão pela cidade, ou se achava que aqui era um bom lugar para ganhar dinheiro ou “fazer a vida”, Eduardo conta que o pai dizia tudo isso e mais um pouco.
“Tem gente que vem para o Brasil e nunca se naturaliza, mas meu pai se naturalizou. Não tinha necessidade nenhuma, mas ele disse que fez isso porque gostava muito de São Paulo.”
Ao longo das décadas, o perfil da clientela mudou pouco, e os jovens das famílias de classe alta que fazem parte da seleta lista de habituês da loja não se interessam pelos sofisticados artigos em prata. “Só depois dos 40 anos é que eles voltam a gostar”, diz.
A exceção são os produtos em voga, como lembrancinhas em prata para chás de bebê, batizados ou casamentos. “Agora a procura é alta por essas coisas de ‘nenê’, como escovinha, pentinho, colherzinha, pratinho... Tem sempre uma tendência que aparece”, afirma.
Dos quatro filhos de Eduardo, apenas a filha Catarina se interessou pelo ramo, e produz e vende artigos de prata pela internet com a ajuda do marido e de dois funcionários.
Mas,quanto ao desenho de uma possível sucessão na Prataria, o empresário, que não tem sócio, é categórico. “Quando tiver necessidade, vai aparecer a solução. Daí alguém assume”, acredita.
Sem nunca ter cogitado fechar a loja mesmo durante cenários econômicos instáveis, Eduardo diz que o ramo em que atua é sazonal e fraco no início do ano. Por isso, com a experiência em crises anteriores, não pretende tomar decisões precipitadas antes do fim de fevereiro.
“No Brasil, nunca dá para saber como as crises vão se desenvolver, e essa me parece bastante grave porque é de falta de confiança”, afirma. “Em todas as outras, quem era empresário dava um jeito e reativava os negócios. Mas agora... não se vê muita saída.”
No seu negócio, uma das coisas que sempre fez toda a diferença, segundo Eduardo, é estar sediado na capital paulista, cidade "muito grande" e que oferece muitas possibilidades.
Ou seja, se é comum o movimento econômico cair durante recessões, por aqui a Prataria Robles conseguiu sobreviver. E sem deixar de ganhar dinheiro. “É como dizia meu pai: em São Paulo, quem trabalha a sério sempre vence”, conclui.